A etapa que liga Belluno a Marmolada no próximo sábado é apontada por muitos como a chave da decisão da Volta a Itália, a tirada da véspera com chegada a Santuario di Castelmonte é vista por outros como um dos momentos mais críticos pela inclinação da subida, o percurso entre Ponte di Legno e Lavarone depois do esforço despendido na véspera era tida para outros ainda como o ponto ideal para os ataques com mais uma chegada no alto sem a parte técnica que se encontrara antes. No entanto, e de uma forma transversal, Aprica seria o local onde as diferenças seriam acentuadas. Foram mas do top 4 para baixo, quase como se o Giro estivesse destinado apenas a quatro corredores dos 176 corredores que iniciaram a prova há mais e duas semanas em Budapeste. E era entre esse quatro que voltava a andar João Almeida.

Contra um, contra três, contra todos: Landa ganha tempo, João Almeida segura terceiro lugar (mas perde para Carapaz e Hindley)

Os 14 segundos de diferença para Richard Carapaz, Jai Hindley e Mikel Landa foram, como se percebeu pelas declarações de todos depois da chegada, um motivo de satisfação para o equatoriano da Ineos e um reforço de motivação para o espanhol da Bahrain. Ainda assim, todos sabiam que reduzir a etapa apenas ao resultado final era demasiado redutor perante tudo o que acontecera e percebia-se pelo próprio discurso do português que isso acabou por ser o menor dos males perante o contexto em que estava inserido.

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“Foi um dia muito difícil. Fiquei surpreendido comigo mesmo, foi sempre a todo o gás, o dia todo, sem pausas. Nas últimas duas Voltas a Itália não fiz etapas assim, com montanhas super grandes e muito duras. Estou muito feliz com a minha performance e o resultado. Continuaremos a lutar até ao fim. Para ser sincero, fiquei surpreendido comigo mesmo. Desde o início fomos a todo vapor e não houve nem um momento para respirar sobretudo nas últimas duas montanhas. Não me lembro de ter enfrentado subidas tão exigentes e etapas tão duras, por isso estou muito feliz com a minha prestação e com o meu resultado, vamos continuar na luta”, reforçou o português após conservar a terceira posição na geral individual.

Obviamente tenho a camisola rosa como um objetivo. Será muito difícil porque os meus rivais foram muito fortes, mas ainda estou bem colocado na classificação, um minuto atrás do melhor. Mal posso esperar para fazer as próximas etapas. Estou feliz comigo mesmo. Tenho que seguir em frente e ver até onde posso ir”, acrescentou ainda João Almeida.

Olhando apenas para os quatro da frente, deixando de lado uma etapa com as suas vicissitudes que era uma caixa de surpresas e que acabou por ter bem mais emoção do que a certa altura se pensou, o fator mais diferenciador à parte dos momentos que cada corredor atravessa (e nesse aspeto Jai Hindley parecia ser o mais forte de todos) voltou a ser o trabalho das equipas. A forma como a Bahrain trabalhou após assumir o pelotão que estava na posse da Astana para as melhores descidas de Nibali e colocou Mikel Landa a ir na luta pela etapa, a maneira como a Ineos conseguiu ir resistindo na proteção a Carapaz, a tática que nem foi bem sucedida da Bora em mexer na corrida a partir da frente falhando na capacidade de Kämna poder ganhar a tirada. Na UAE Team Emirates, Almeida andou a fechar espaços a 70 quilómetros da meta sozinho, ainda contou mais um bocado com Formolo e Ulissi mas foi sol de pouca dura.

Fabio Baldato, diretor desportivo da equipa que conta ainda com os portugueses Rui Costa e Rui Oliveira, mostrava-se muito satisfeito com o desempenho do seu chefe de fila e projetava já as distâncias de tempo para João Almeida poder ter uma palavra a dizer no contrarrelógio de domingo em Verona, sabendo que a pequena subida com descida técnica pelo meio do percurso pode minimizar os ganhos em relação a Richard Carapaz perante as características do equatoriano. Sobre a UAE Team Emirates e o que poderia estar a preparar para fazer uma melhor defesa do português nas três etapas a subir que ainda faltavam, nem uma palavra. No entanto, e para haver ainda discussão em Verona, essa era a chave, logo a começar pela chegada a Lavarone numa tirada mais curta do que na véspera mas também difícil (168km).

E como um “mal” nunca vem só, o dia começou bem diferente do anterior com chuva, frio e nove graus que se existissem dúvidas se podiam perceber na cara do agora comentador Bradley Wiggins, meio curvado no início da etapa antes de subir para a mota e acompanhar a tirada. João Almeida não ficou atrás e equipou-se a rigor entre casaco e luvas. Se o início simbólico já costuma ser em ritmo de passeio, agora era quase num ritmo de “cuidado” com a estrada. Depois, as condições foram melhorando, ainda que só mais ou menos a meio tenha aparecido o piso 100% seco. E a etapa começou à semelhança da véspera.

Felix Gall, Attila Valter (uma das deceções entre os potenciais top 10), Hugh Carthy (que pela terceira vez seguida veio para a frente de início), Thymen Arensman (segundo classificado na véspera) e Alessandro Covi saltaram para a frente, só os três primeiros conseguiram resistir mas tendo um grupo na perseguição a 30 segundos onde entravam Mathieu Van der Poel, Santiago Buitrago, Jonathan Caicedo, Diego Andrés Camargo, Lorenzo Fortunato, Jan Hirt e Rein Taaramae além de Valter e o pelotão a 1.30 minutos. Não ia ficar por aí e seria a Jumbo-Visma a assumir muito do trabalho na frente com três unidades a pensar na camisola da montanha para Koen Bouwman e numa possível vitória de Sam Oomen (o outro era Gijs Leemreize) além de outros interessados na camisola azul como Giulio Ciccone ou Diego Rosa. Foi entre eles que se dividiram os primeiros pontos da montanha, com vitória de Bouwman sobre os transalpinos.

Santiago Buitrago ainda teve uma pequena saída que obrigou a trocar de bicicleta e fazer um esforço extra para voltar a colar numa fuga que já contava com 25 corredores entre Thymen Arensman, Felix Gall, Alessandro Covi, Hugh Carthy, Jan Hirt, Rein Taaramäe, Nicolas Prodhomme, Mathieu Van der Poel, Filippo Zana, Luca Covili, Guillaume Martin, Simone Ravanelli, Diego Camargo, Lorenzo Fortunato, Attila Valter, Koen Bouwman, Giulio Ciccone, Gijs Leemreize, Sam Oomen, Vansevenant, Damien Howson, Diego Rosa, Antonio Pedrero e David de la Cruz. O grupo chegou a andar partido em dois, voltou a colar e a 70 quilómetros do final trazia a curiosidade de colocar Jan Hirt, vencedor em Aprica e nono da geral, já à frente de Mikel Landa perante os mais de seis minutos que o pelotão levava de atraso dos fugitivos.

Sempre no plano virtual, até João Almeida foi ultrapassado pelo checo a 45 quilómetros do final, altura em que o pelotão continuava a aumentar o fosso para sete minutos. No entanto, e em termos de corrida, os dados tinham mudado com Mathieu van der Poel a descolar, a levar consigo apenas Gall, Martin e Covi, elemento da UAE Emirates que poderia no plano teórico ser muito útil a João Almeida mais para a frente. No grupo perseguidor, Hugh Carthy marcava o ritmo com Buitrago na roda tendo Bouwman quase numa marcação “homem a homem” a Ciccone na luta pela camisola azul. O britânico da EF Education, um dos vários potenciais candidatos que rebentaram logo no Blockhaus, queria ter o seu momento como Simon Yates teve em Turim e Ciccone conseguiu em Cogne, acelerando o ritmo numa zona de subida.

Covi acabou por ceder na frente, deixando os destinos da dianteira da fuga a van der Poel, Martin e Gall e caindo para um grupo que não era propriamente o mais “simpático” porque levava Hugh Carthy ao ataque para colar e lutar pela etapa. No entanto, a notícia nessa fase era outra perante a desistência de Simon Yates, que se juntou a Romain Bardet, Miguel Ángel López e Tom Dumoulin entre os potenciais top 10 (a contar por baixo, sobretudo em relação ao britânico e ao francês). E a seguinte foi a passagem de Bahrain para a frente no pelotão, de novo com um ritmo que partiu e muito esse grupo à semelhança da véspera. À partida, e perante as indicações da transmissão, João Almeida ainda tinha pelo menos Rui Costa a seu lado, contava na frente com Covi mas à partida não contava com Formolo nem Ulissi a 35 quilómetros do fim.

Lá na frente, a “fava” tocou a Hugh Carthy depois de ter conseguido ver o trabalho premiado com a chegada ao trio da liderança: Bouwman aproveitou a boleia, disparou e fechou quase as contas da camisola azul da montanha; van der Poel (que ainda teve uma pequena escorregadela que por pouco não fez com que fosse ao chão) e Gijs Leemreize aproveitaram a descida para ganhar quase 20 segundos; e Carthy lutava contra as dificuldades de uma zona mais técnica que era tudo menos a face das suas características. No pelotão, a Bahrain continuava a liderar, a distância baixara para 5.10 minutos e Rui Costa continuava a seguir ao lado de João Almeida perante as armadas não só de Mikel Landa mas também da Ineos e da Bora.

Leemreize e Mathieu van der Poel ganhavam tempo ao grupo perseguidor, num máximo de 1.40 minutos que começava a dar a sensação de que o corredor da Alpecin podia fazer aquilo que seria um feito notável e ganhar uma tirada onde começou desde início a ir embora, sozinho ou acompanhado, sem nunca quebrar. E os neerlandeses combinavam bem em conjunto, sendo que a maior e mais complicada subida estava a chegar e o corredor da Jumbo tinha de atacar pela desvantagem que teria com um final plano. Mais uma vez, Hugh Carthy assumiu as despesas da perseguição com Jan Hirt e Santiago Buitrago, deixando um terceiro grupo onde estava Bouwman a dois minutos dos líderes e a meio segundo dos perseguidores. No pelotão, os portugueses João Almeida e Rui Costa, que subiram sempre numa posição muito pouco favorável, passavam a ter a ajuda de Covi, que se deixara cair para ajudar nos previsíveis ataques.

van der Poel acabaria mesmo por ceder a pouco mais de dez quilómetros, Leemreize liderava mas com as indicações da equipa para a subida de Buitrago (que passou pelo corredor da Alpecin “de mota”. Todavia, era lá atrás que estava a ser jogada a geral e com notícias complicadas para o português: o grupo partiu, Richie Porte ficou com Carapaz, Wout Poels manteve-se com Mikel Landa, Hindley segurou-se e João Almeida descolou bem mais cedo do que noutras etapas, confirmando as indicações de que não seguia nas melhores condições. Tudo estava feito para se juntar de novo o grupo do Mortirolo que acabou junto em Aprica, com Landa a arriscar, Carapaz a responder e Hindley a ver e Wout Poels a ir novamente marcar o ritmo para descartar de forma definitiva o corredor da UAE Emirates. Más notícias para Almeida perante um Landa que não estava propriamente a fazer etapa para ser líder mas sim para segurar o pódio.

Buitrago colou, arriscou, Leemreize ainda respondeu, o colombiano foi mesmo embora na parte final da montanha e praticamente carimbou aí a vitória na etapa. A Bahrain conseguia um dia perfeito na frente da corrida, a Bahrain contava com a ajuda de Carapaz e Hindley para ter um dia quase perfeito mais atrás, deixando João Almeida para trás e discutindo depois entre eles na sexta-feira e no sábado os diferenciais para fazer o contrarrelógio em Verona com uma nuance: os dois primeiros conseguiram ainda chegar com um pequeno avanço sobre o espanhol, que ou consegue um dia de loucos na montanha ou não irá chegar à discussão do Giro. Resta-lhe o top 3. E aí ganhou um avanço importante em relação ao português.

Na classificação geral, e como Jan Hirt e Hugh Carthy retiraram a possibilidade de haver bonificações, Carapaz manteve a camisola rosa com os três segundos de vantagem sobre Jai Hindley, tendo agora 1.05 minutos sobre o terceiro classificado que é Mikel Landa. João Almeida ficou a 1.54 minutos do colombiano na quarta posição com um fosso ainda maior em relação a Vincenzo Nibali (5.48). Ou seja, e em termos práticos, os chefes de fila da Ineos e da Bora vão discutir a vitória final, ao passo que o português não pode perder mais tempo na montanha para Landa para discutir o top 3 no contrarrelógio de Verona. O outro derrotado do dia foi Pozzovivo, que caiu para a décima posição (12.30), tendo à sua frente a partir de agora Pello Bilbao (6.19), Jan Hirt (7.12), Emanuel Buchmann (7.13) e Juan Pedro López (12.17).