Não confirmei, mas quase juraria que na Lx Factory só são permitidos sacos e mochilas Fjällräven. À entrada, a segurança esconde-se numa espécie de aquário, atrás de um janelão, e ninguém nos garante que não estejam a ver se alguém com uma Eastpack tenta entrar às escondidas. Se calhar estão ou se calhar não, estão só com aquele ar musculado de seguranças para nos fazer sentir seguros.
Antigas instalações de fábricas disto e daquilo, a Lx Factory são duas ruas entre muros, com casinhas de um lado e do outro, no meio de um estaleiro, onde há lojas e sobretudo restaurantes. Também é, de longe, o sítio mais hipster da capital portuguesa, caso a palavra ainda se utilize. Quem nunca foi, saiba que fica em Alcântara, junto ao Calvário, mesmo por baixo da grande ponte que liga as duas margens do Tejo e ocupa há quase vinte anos uma parte de uma antiga zona industrial que tem vindo a ser demolida para construção de monumentais e caríssimos empreendimentos.
Na Lx Factory podíamos estar em qualquer cidade ocidental que se regenera e procura atrair negócios e visitantes, em que as zonas industriais foram adaptadas ao consumo e ao divertimento e devidamente gentrificadas. Mas sabemos que estamos em Portugal, porque nas ruas cool, empedradas e apinhadas da Lx Factory continuam a passar automóveis. Quando comentei com os meus amigos dos petit partidos de esquerda para que fizessem subir uma proposta na câmara municipal, eles lembraram-me que é só muito de vez em quando e que me deixasse de queixinhas que há causas mais importantes na agenda.
Este ano e surpreendentemente já estive por três vezes na Lx Factory. Escrevo surpreendentemente porque quem vive em Lisboa só vai à Lx Factory ao lançamento de livros de amigos e conhecidos na magnífica Ler Devagar (onde ficava uma tipografia, disse-me um amigo poeta que já lançou um livro), mas uma amiga que está decorar uma casa que comprou na praia do Meco insistiu para que fosse com ela comprar qualquer coisa diferente. Ou seja, qualquer coisa cool e hipster que ela pode dizer que comprou em Londres ou Nova Iorque, suspeito eu. Ao fim de três vistas, ela encontrou umas rosas de gesso para colocar na parede (a 60 euros cada) e eu, que fui com ela porque as mulheres andam sempre juntas como toda a gente sabe, descobri que a Lx Factory é um sítio ótimo para se estar e não somente para se ir. É possível, por exemplo, num domingo de sol, encontrar facilmente mesa ao ar livre sem ter marcado, com empregados que de facto nos atendem, a preços módicos, iguais ou melhor que outros sítios de Lisbonne sempre cheios que nos forçam a esperar uma hora ou mais como castigo de termos decidido almoçar fora na própria manhã do domingo e por isso quando tentamos marcar já não há mesas disponíveis.
Na Lx Factory, senti-me muitas vezes esquisita e demorei a perceber o motivo. Por um lado, podia ser de poder estar a viver no primeiro episódio de uma daquelas séries nórdicas que via há uns anos no canal M6, em que uma detetive com o cabelo mal lavado e que se está a divorciar é obrigada a fazer parelha com um inspetor gordacho e quase careca, para juntos descobrirem quem deixou um corpo de uma estudante do quadro de honra pendurado por uma cabo num dos dois grandes reservatórios de água do outro tempo que ainda persistem por ali. Mas também pode ser porque me senti num anúncio de uma das marcas antigas cheias de dinheiro que gosta de dizer aos seus clientes que está muito moderna. Assim uma coisa filmada em câmara lenta e em contraluz, com uma música soprada por uma voz rouca, que no fim nos declara que essas marcas têm o compromisso de estar a fazer tudo para salvar as azeitonas de Elvas e os pêssegos da Andaluzia.
Podia ser de estar cansada de estar à espera da minha amiga e das suas rosas de gesso, mas na Lx Factory não é difícil sermos transpostos para um mundo de fantasia, tantos são os cantos e recantos, as escadas, os becos e as paredes quase a ruir decoradas por grafitos em inglês em todo o lado. São tantos os estrangeiros vestidos com roupas coloridas, ar feliz e contente e calçados com aquela marca Veja que por ali passam de um lado para o outro, que qualquer um daria uma excelente vítima de policial nordic noir ou figurante de um anúncio gretiano. Só que não era nada disso. Descobri mais tarde, quando chegava a casa, que a sensação de estranheza vinha do facto de estar a passear em Lisboa numa zona absolutamente plana, sem colinas para subir e descer, sem trotinetes e sem scooters a entregar comida. Um milagre!
Se há defeito naquele local é ser um pouco confuso, o que talvez seja inevitável. As lojas são apertadas e se houver mercadinhos na rua pode ser mais difícil passar. Também há pouca singularidade portuguesa e lisboeta e não me parece que fosse complicado consegui-lo. Não falo de uma casa de fados, mas caramba, não será possível portugalizar mais a zona? Nem que seja um painel à entrada com fotografias da área ao longo dos anos, naquela era em que os nomes das coisas ainda não eram todos em inglês.
Como quase tudo em Portugal, a Lx Factory podia ser muito melhor. Podia ter mais indicações, podia não ter carros, podia ter mais e melhores WC públicos, os lojistas podiam ser menos mal encarados, mas lembremos que não se paga absolutamente nada para entrar e qualquer sítio, a qualquer hora, é bom para se comer se nos lembrarmos que não estamos no País Basco. Talvez se pague um pouco caro, talvez seja tudo com demasiado conceito, mas há garantia de ser sempre cosmopolita, com pratos com coisas que não sabemos o que são e temos vergonha de perguntar. E não há música por todo o lado a ribombar. Sim, há cerveja artesanal, sim há comida vegetariana e sim há mil e uma esplanadas, ideais para aqueles Tinder dates que se afiguram promissores e prolongados. Numa das mais bonitas e mais amplas esplanadas, num restaurante asiático de fusão com a comida do Peru (não experimentei), e certamente por causa dos estrangeiros, há aquecedores que podem estar ligados se o tempo assim o exigir. Quem disse que os turistas eram maus para a cidade?
É engraçado que a principal crítica no Trip Advisor seja o facto de a Lx Factory ser coisa de turista. Quem critica? Os turistas, o que é irónico no mínimo. Melhor assim, digo eu, porque saí da Lx Factory com a forte convicção de que há poucos locais em Lisbonne mais interessantes para quem cá vive. Não tem muitos portugueses, logo não tem muitas crianças a berrar, e tem Sushi, tatuagens, sapatos vegan, kombuchas, margaritas e, para quem precisar, um restaurante onde se podem atirar machados a um alvo. Que mais pode um hipster bon chic bon genre sem tempo ou dinheiro para uma short stay no estrangeiro, desejar?
Pour moi ça va três bien.
Patrícia Le Mans estudou Filosofia e Moda. Gosta de queijo, champagne e de ameîjoas à Bulhão Pato. Tem mãe portuguesa, pai francês, vai flutuando entre Lisbonne e Paris e escrevendo para o Experimentador Implacável.