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No Primavera, o Revenge of the 90's é indie: Beck levou todos os estilos do mundo, Pavement a classe suprema do indie-rock

Este artigo tem mais de 2 anos

A veterania foi cabeça de cartaz no 2º dia do NOS Primavera Sound, mas os miúdos King Krule, Rita Vian e Maria José Llergo deram valentes lições de como se faz boa música nos dias de hoje.

Beck, que não quis ser fotografado, e os Pavement foram os cabeças de cartaz do segundo dia do festival portuense
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Beck, que não quis ser fotografado, e os Pavement foram os cabeças de cartaz do segundo dia do festival portuense

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Beck, que não quis ser fotografado, e os Pavement foram os cabeças de cartaz do segundo dia do festival portuense

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Ao segundo dia de Primavera, a noite pôs-se mais fria do que a anterior. Hoje o mar quis ser protagonista de ondas feitas e não se inibiu de soprar a sua brisa. Sentámo-nos na relva por uns breves momentos, ainda Amaia desfilava ali ao lado, no palco Super Bock, as suas canções com aquela dor ingénua que fica bem instalada em qualquer coração teenager. Parar, às vezes, é tão necessário quanto andar a cirandar de um palco para o outro. Há atuações que nos exigem uma certa reverência, que nos preparemos devidamente para elas, e a que se seguia era um desses casos.

Beck, vestido com uma indumentária a honrar o tempo áureo do disco — casaco e calças brancas, boca de sino assumida — deu-nos uma atuação camaleónica, reflexo de uma carreia brilhantemente inquieta. Durante uma hora saltou de época em época como quem brinca num riacho, pé esquerdo numa pedra, pé direito na outra, gingando no risco, arrastando-nos com ele corrente fora.

Por trás daqueles óculos escuros que envergou o tempo todo, dentro daquela cabeça loira, farol de criatividade imensa, os estilos interligam-se como se fosse esse o desígnio natural das coisas. Hip-hop, rock, funk, pop, dub, tudo no mesmo bolo e tudo deliciosamente certo. “Viemos de Los Angeles para estar aqui com vocês, por isso dancem”, incitou, pedindo que este se transformasse no melhor fim de semana de verão de sempre.

Dito isto, atirou-se para um medley frenético de êxitos atrás de êxitos. “Dreams” encadeia em “Devil’s Haircut”, transição com “Colors” e ora aqui vai “The New Polution”. Aguenta coração, entramos em “The Valley of the Pagans”, bem-vindos à Califórnia, toca a mandar cá para fora o rap de “Wow”, BOOM. As passagens são tão lestas que o público até nos pareceu algo baralhado, trôpego a entrar no ritmo. Beck está uma mudança acima de nós.

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Conseguimos respirar em “Morning”, esse canto de vulnerabilidade que nos baixa a guarda e nos põe a levitar. Por momentos quase cremos que não há nada aquém e além disto. Mas há, pois, nem que seja um grupo de pessoas que achou por bem começar a gritar a “Aqui ao luar” dos Xutos & Pontapés, mesmo no meio da plateia, atropelando Beck e todos quanto ali estavam ao redor. É impressão nossa, ou o silêncio é uma espécie em vias de extinção nos festivais? Beck parece que nos ouve e responde, you’re a lost cause.

Primavera Sound 2022 - Primavera A La Ciutat

Beck, que exigiu não ser fotografado por repórteres esta sexta-feira no Porto, fotografado no Primavera Sound de Barcelona, a 5 de junho

Xavi Torrent/WireImage

Num alinhamento que pouco espaço teve para diálogos ou improvisos, eis que somos brindados com uma adenda ao guião. “Agora sou só eu e vocês”, a banda apaga-se em palco, Beck pega na guitarra acústica e começa a cantar o tema “Everybody’s Got to Learn Sometime”, do filme Eternal Sunshine of the Spotless Mind. Todos precisamos de amor, tal como precisamos do nascer do sol, mensagem transmitida assim de forma simples, direta, como só as coisas belas sabem ser ditas.

Claro que o ponto alto do concerto ainda estava para vir. “Loser”, alguém berrou da plateia, e “Loser” logo ali aconteceu. Há malhas que têm riffs épicos, imunes à passagem do tempo. Transitam de geração em geração como se fizessem parte de um ADN coletivo invisível. “Loser” é uma dessas grandes malhas: porventura alguém conseguirá ficar quieto quando aquele cilindro de aço começa a deslizar pelo braço da guitarra? Agora sim, deixem lá o silêncio de lado e toca a encher os pulmões, Soyyyyyyy un perdedooooor / I’m a loser baby, so why don’t you kill me. O anfiteatro cheiinho, não tão a abarrotar como na noite anterior, fez-se coro durante uns minutos, indicador e médio a disparar contra a cabeça, este era o momento pelo qual muitos ansiavam.

“Where It’s At” encerrou uma atuação coesa, que teve igualmente “E-Pro”, “Girl” ou “Hotwax”. Beck despede-se do Porto, casaco ao ombro, vénia para a plateia, classe de dândi que lhe assenta que nem uma luva. Não podemos dizer que tenha sido a hora mais memorável das nossas vidas, mas o serviço estava cumprido. E quando cumprir se refere a Beck, não temos razão alguma para nos queixarmos. Aos 51 anos, ele ainda sabe como nos encher as medidas.

Pavement: como um reencontro de secundário, 20 anos depois

Depois de uma cara dos anos 90, a coroa. Como Beck, e ainda que este tenha continuado a fazer música para lá desse período (basta lembrar que também os 2000’s foram época de ouro, com o trio de discos Sea Change, Guero e The Information, e que Morning Phase é de 2014), os Pavement ajudaram a definir o som dessa década. Fizeram-no, porém, de um modo muito distinto, não misturando tanto géneros musicais como plasticina mas encontrando a sua própria versão — destrambelhada, quase inexplicavelmente bela e talvez por isso única — , do que poderia ser o rock alternativo.

Esta sexta-feira, no Porto, o Parque da Cidade pareceu uma reunião de velhos amigos do secundário mais de 20 anos depois do diploma. Um reencontro deles mesmos, depois do fim da banda em 1999 e de uma série de concertos em 2010 (Portugal ficou fora) quando a saudade apertou e possivelmente quando as contas bancárias pediram — ainda que saibamos que se o dinheiro orientasse o rumo, andariam a tocar juntos todos os anos numa digressão sem fim. Mas foi também uma reunião entre eles, os cinco Pavement, e os velhos fãs que esperavam pela oportunidade há mais de duas décadas, que fizeram segundas vozes a cada canção e a cada letra, que denunciavam a alegria em sorrisos de garotos que foram e nas t-shirts exibidas.

O concerto foi mais curto do que no Primavera Sound de Barcelona e, se o arranque pareceu titubeante em “Grounded”, rapidamente a sintonia apareceu, a velha química provou-se acesa. Para a juventude que ali estava por causa dos Tame Impala (não, não vimos mal) ou por confiança no festival em si, foi uma oportunidade para perceber de onde veio a inspiração para boa parte do indie-rock que foi vingando nas décadas últimas.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto dos Pavement, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Stephen Malkmus, guitarrista e vocalista dos Pavement

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Se o que vimos não é uma seita, é pelo menos um culto. Sem que alguma vez tenha sido a maior banda rock do planeta ou sequer remotamente perto disso, era visível olhando atentamente para os espectadores das filas da frente que os Pavement são como um segredo só seu, um grupo que se proclama e jura ser a melhor banda que o seu tempo não reconheceu — e que este tempo em grande medida esqueceu.

Excluindo os cabelos e as rugas, porém, Malkmus, Nastanovich, Kannberg, West e Ibold não pareciam propriamente marcados pelo tempo. Talvez a energia não seja a mesma, mas as canções não mudaram, a banda ainda as sabe tocar e veem-se até alguns sinais — um sorriso rasgado ali, um “adoro esta música ali”, um Stephen Malkmus a saltitar acolá — que as saudades tornaram o prazer de estar em palco maior.

Percorrer o alinhamento de mais de 20 canções seria exaustivo. É claro que alguns temas, como “Gold Soundz”, “Range Life” e sobretudo “Cut Your Hair” (o êxito mainstream dos Pavement), tiveram um impacto mais generalizado, mas quem foi ao Porto ver Pavement não foi para ver “hits”, porque só há um, ou singles memoráveis. Foi para ouvir o velho amor de adolescência ou jovem idade adulta, as canções devoradas uma atrás da outra. Foi um regresso feliz, sóbrio, a satisfazer a nostalgia melómana.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto dos Pavement, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto dos Pavement, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto dos Pavement, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto dos Pavement, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O concerto matou as saudades que os velhos fãs tinham da banda, que terminou em 1999

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

King Krule e a beleza dos detritos

Antes da dupla de pesos pesados da noite ouvimos King Krule, no palco Cupra. A música do britânico de 27 anos alimenta-se de despojos do rock, do pós-punk e do jazz mais fumarentos e sujos, por isso mesmo com tanta pinta — de guitarra elétrica nos braços, acompanhado por um saxofonista-MC espalha-brasas, guitarras e baixos, teclas e maquinaria eletrónica, foi alapando canções umas às outras, aplicando distorção à música e enevoando-a como se quer.

A voz é um dos segredos: grave, rugosa, cortante, absolutamente inconfundível, quase estranha para um rapaz com a idade e a aparência de Archy Marshall. Mas basta ouvi-lo cantar e a imagem muda, imaginamo-lo já a vagabundear por ruas de má fama de Londres, por pubs esconsos de chão a derrapar, inspirando-se para a sua eletricidade rock dissonante, espreguiçada.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de King Krule, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de King Krule, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de King Krule, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de King Krule, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

King Krule a atuar no palco Cupra, esta sexta-feira no festival NOS Primavera Sound, no Porto

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Atrás da banda, um ecrã ia mostrando imagens caninas. Estranhámos, até Krule clarificar: “Digam olá ao meu cão”. Mas foram as canções que se iam enlançando umas nas outras que nos foram prendendo as atenções: primeiro “Stoned Again” e “Cellular”, ótimos temas do disco recente Man Alive! (2020), mais tarde “(A Slide In) New Drugs” (do disco The Ooz, de 2017), a arrancar delicada até subir de volume.

O finl, antes do encore que já não vimos para não perder pitada de Beck,  garantiu que este não seria só mais um concerto: o saxofone a ser soprado com vigor, o groove a instalar-se infetando as palavras cuspidas mais e mais alto, “Biscuit Town” e “Underclass” a sucederem-se, “Half Man Half Shark” a manter o tom festivo, “Baby Blue” (o êxito maior) a erguer Instagram’s e “Easy Easy” a rematar em sintonia. Já não ouvimos o que veio depois, mas fim melhor seria difícil.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de King Krule, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

No ecrã do palco Cupra, a cadela de Archy Marshall (King Krule) em grande destaque

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Uma tarde a projetar o futuro da canção ibérica, com Rita Vian e Maria José Llergo

O futuro está a passar por aqui, o futuro já chegou, é afinal o presente a avançar a alta velocidade. Responde pelo nome de Rita Vian e o que traz consigo é uma nova ideia de canção portuguesa. Não é coisa pouca, é valentia de acreditar que se pode enquadrar a tradição em palcos, pistas e ritmos atualizados e sem fronteiras.

Quando revelou o seu primeiro mini-álbum, gíria técnica para nos referirmos a uma primeira coleção de canções agrupadas e que se pressupõe relacionarem-se umas com as outras (o EP CAOS’A), escrevíamos aqui que na voz traz um travo fadista e no ritmo a batida eletrónica. O canto ligeiramente mais arrastado, melancólico, denuncia-lhe o gosto pela tradição da saudade portuguesa mas as palavras são novas e embrulham-se em andamentos mais rápidos, resgatados às pistas de dança do futuro.

Foi essa fusão entre tradição vocal e batidas notívagas, na sua maioria assinadas por Branko, que Rita Vian mostrou no palco mais bonito do festival, o Binance, um bosque encantado que tem nas árvores os seus muros de fortificação. Fê-lo em horário fim de tarde, precisamente aquele em que o Binance se torna um paraíso verde. Desconfiamos que até nós munidos de ferrinhos e castanholas nos deixaríamos inspirar pela paisagem, desafiando a inépcia, mas felizmente Rita Vian levava consigo bem mais do que isso.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Rita Vian, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Rita Vian, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Rita Vian, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Rita Vian, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A portuguesa Rita Vian começou o seu concerto às 18h

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O momento era importante, Rita Vian fazia questão de o dizer depois de uma entrada com o tema “Plana”: “Já fui muito feliz no Primavera Sound — e foi a primeira confirmação que tive quando lancei o EP CAOS’A“. Fomo-la ouvindo entoar as suas letras suficientemente crípticas para nos intrigar, acompanhada por um músico e DJ, agradecendo repetidamente ao Porto e mostrando-se feliz por ali estar.

Os temas do mini-álbum de cinco canções (lançado no ano passado) dominaram o alinhamento, mas houve tempo para “Sereia” — canção que começou por revelá-la como compositora e cantora e que, contou, foi “uma música gravada atrás da porta do meu quarto” —, “Purga”, garantidamente uma das melhores canções escritas em língua portuguesa nos últimos anos, e versões de temas alheios.

Vimo-la ajoelhada, a dar voz às canções que os avós “tocavam em dueto”, trazendo “um pouco de casa” para o Parque da Cidade. Vimo-la projetar no presente um novo futuro para a canção lusitana, emergir (pela qualidade da escrita e da voz) como a autora mais promissora desta vaga de renovadores pop da canção lusófona. Não a perderemos de vista.

De Rita Vian, seguimos para Maria José Llergo, ali bem ao lado, no palco mais próximo. Ainda de óculos de sol na cara e um céu azul limpo a querer mostrar-nos que, ao contrário de quase todas as outras edições, vai poupar-nos à maçada da chuva, demos de frente com uma das vozes que nos deve merecer toda a atenção nos próximos tempos.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Maria José Llergo, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Maria José Llergo atuou ao final da tarde, a partir das 19h

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Maria José Llergo entrou de mansinho, pela lateral do palco, quase sem darmos conta dos seus passos. Não precisa de qualquer aparato para se anunciar para além da sua voz. Amparada pelo guitarrista Marc López, nós da mão no tampo da guitarra, dedos irrequietos a rasgar as cordas, está pronta para lançar o seu flamengo sobre nós. Flamengo que sai das entranhas, mão ondulante, cabeça atirada para trás quando os floreados da voz esvoaçam pelo ar, como pássaros.

É a primeira vez que se apresenta em grandes festivais portugueses, depois de ter pisado o Theatro Circo, em Braga, na semana passada. “Sinto-me abraçada pelo meu país vizinho”, declara-se à plateia. Nós também nos sentimos abraçados por ela. “Niña de las dunas” deu-a a conhecer ao mundo, em 2018, tema que escreveu a pensar nas mulheres mais importantes da sua vida, “a minha mãe e a minha avó” e que no Parque da Cidade dedicou a todas as mulheres ali rendidas aos seus pés. Maria, 28 anos, canta batendo com a sandália de salto alto contra as tábuas do palco e de coração descarnado, como se estivesse a cantar numa taberna da sua ardente Córdoba, Andaluzia no sangue a cada verso flanqueado ao microfone.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Maria José Llergo, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Maria José Llergo, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Natural da Andaluzia, Llergo mostrou no Porto ser um dos grandes talentos emergentes de Espanha

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A canção que ela nos oferece vem do povo, das “gentes do campo”, de mestres que, não sabendo ler as palavras, sabiam ler a vida, como o seu avô Pepe, o seu maior mestre, dir-nos-ia. Porém, o cancioneiro não se esgota na tradição, flui leve pelos labirintos da eletrónica, sem abusar dela, um exercício de expansão e contenção como a sua presença em palco: ora corpo erguido a tourear a plateia, qual Manolete (¡OLÉ!), ora sentada, discreta, mirando a guitarra de Marc, madeira com vida própria. É impossível não nos vir à mente uma Rosalía ainda a desabrochar, aquela que, sentada ao lado de Refree no Reina Sofia diante da solene Guernica, nos esventrava com uma poderosíssima “Catalina”. Maria ainda está a começar a trilhar o seu caminho, mas, por esta amostra, ele já nos parece bastante promissor.

Não nos deixámos ficar até ao fim da atuação, não porque não estivéssemos a gostar, longe disso, mas um festival também se faz de ecos. Ao mesmo tempo que Maria José Llergo tocava na relva do Super Bock, Rina Sawayama arrancava histerismo da plateia do Cupra. Os ecos fizeram-se ouvir à distância e nós não lhes resistimos. Queríamos perceber que epifenómeno estava a acontecer na outra face do primavera.

Quando lá chegámos, já Rina perguntava, “do you want a litte bit more?”. O YEAAAAAAAH geral foi claro, o ambiente estava a escaldar. Com 31 anos feitos, a artista nipo-britânica cresceu programada com o chip pop dos anos 90, aquele terreno fértil de girlbands como as eternas Spice Girls – ainda ontem vimos por aí uma t-shirt de spice up your life a circular – e que deu à luz nomes como Britney ou Aguilera.

Estar num concerto de Rina é viver um outro Revenge of the 90’s, mais próximo do original, com todo o glitter e coreografias que a circunstância exige e isso, para os trintões que ali se agruparam, foi a loucura total. “Vocês são a melhor plateia de sempre”, atirou a sorrir. Acabou com “Free Woman” de Lady Gaga (ela que se apresenta ao vivo com uma banda exclusivamente feminina) e o público a berrar o seu nome até os técnicos de palco arrumarem a casa para a próxima atuação.

Outro fenómeno popular que esta sexta-feira passou pelo NOS Primavera Sound foi Chico da Tina, que atuou no palco Binance. Entrou pouco depois das duas da manhã a garantir que não estava ali só para cumprir calendário, “entreguem-se ou vão para as filas de trás”. Estava feito o ultimato para que, dali para a frente, o concerto virasse ramboia total.

NOS Primavera Sound 2022: Concerto de Chico da Tina, no segundo dia do festival. 10 de Junho de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O português Chico da Tina atuou já de madrugada (2h)

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Quem não dominava a cartilha trap star minhota, viu-se às aranhas para entender o que raio se estava ali a passar. “This is a guy who makes music for fun”, alguém resolveu explicar a uma curiosa estrangeira, que arregalou os olhos quando Fredo, o sidekick de Chico, começou a distribuir vinho verde tinto de garrafão aos fãs da primeira fila. Seguiu-se um momento de desgarrada, Francisco já de concertina na mão, e a apresentação de um novo tema, com direito a gravações para o futuro videoclip. A ver vamos se será mais um sucesso. A fórmula continua a agradar os seguidores, mas o bem-bom também pode acabar rápido. Põe-te fino, Chico da Tina.

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