O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, demitiu a embaixadora da Ucrânia em Lisboa — que ocupava o cargo desde 2015. Inna Ohnivets diz que Kiev justificou a decisão com um “plano de rotação agendada”.

Além da embaixadora em Portugal foram demitidos os embaixadores da Geórgia e da Eslováquia. Os três tinham sido nomeados pelo antecessor de Zelensky, Petro Poroshenko.

Em declarações à SIC Notícias, Inna Ohnivets reagiu à sua demissão, adiantando que recebeu a informação de que seria demitida dois dias antes de ter sido publicado o despacho da demissão, durante um contacto com o ministro dos Negócios Estrangeiros do país — que a informou que a decisão seguia um “plano de rotação” de embaixadores.

Sobre esta decisão, posso dizer que é uma rotação agendada”, começou por dizer, rejeitando que o motivo sejam “ações ineficazes”. “Não há esta informação [de se ter tratado de “ações ineficazes”]. Na decisão do Presidente ucraniano há a informação de que os embaixadores terminam as suas funções segundo o plano da rotação”, respondeu.

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Questionada sobre se um dos motivos da demissão pode ter sido o facto de ter sido nomeada pelo antecessor de Zelensky, recusou comentar. Mas mais tarde, à RTP3, rejeitou que a demissão esteja relacionada com ligações partidárias uma vez que, assegura, não está associada a nenhum partido.

Inna Ohnivets diz que vai voltar a Kiev e que vai continuar como funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia. “Segundo a nossa legislação, os embaixadores trabalham no estrangeiro durante quatro anos, é o tempo normal, mas eu tive um privilégio de trabalhar mais de quatro anos. Para mim isso significa que também eu podia fazer muito mais para a minha pátria, especialmente nesta situação tão trágica”, disse ainda.

De acordo com a página da embaixada da Ucrânia em Portugal, Inna Ohnivets nasceu a 30 de agosto de 1962, na cidade de Zhovti Vody, na região de Dnipropetrovsk, no sudeste do país. Estudou no Instituto Estatal Pedagógico das Línguas Estrangeiras de Kyiv e na Universidade Estatal de Kyiv de Tarás Shevchenko. Foi professora de inglês e espanhol e jurista, antes de se tornar embaixadora.

Iniciou a carreira como auxiliar no laboratório no ensino de línguas estrangeiras do Colégio Militar de ensino superior de Kiev. Trabalhou no ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, onde foi adida, secretária, conselheira da secção dos assuntos estatais e jurídicos.

Em 1997, tornou-se chefe da secção dos assuntos estatais e jurídicos, função que, um ano depois, acumulou com a de chefe adjunta do departamento jurídico. Em 2001, tornou-se conselheira principal jurídica do MNE da Ucrânia e em 2003 chega a cônsul-geral em Presov, na Eslováquia, país onde foi embaixadora de 2006 a 2010. Em Portugal, era embaixadora desde 2015, tendo sido nomeada pelo antecessor de Zelensky. A agora ex-embaixadora sabe falar espanhol, inglês, eslovaco e português.

Parte da comunidade ucraniana estava “bastante descontente” com embaixadora

À Rádio Observador, José Milhazes, especialista sobre a Rússia, aponta o que diz ser o descontentamento da comunidade ucraniana em relação à embaixadora. “Sabemos que uma parte da comunidade ucraniana estava bastante descontente com ela e com a sua atividade aqui, que era bastante sectária e autoritária e mesmo no contacto com algumas entidades civis portuguesas”, sublinhou.

Alem disso, Inna Ohnivets já estava a exercer o cargo “há muito tempo” (sete anos), quando “normalmente, os embaixadora não ficam tanto tempo nos cargos”. E também lembra que todos os embaixadores demitidos foram nomeados pelo antecessor de Zelensky.

Segundo José Milhazes, o Presidente ucraniano procurará “dinamizar a atividade diplomática, torná-la mais eficaz”. Milhazes acredita que Zelensky vai escolher “pessoas da sua inteira confiança e que sejam capazes de fazer mais e melhor para que os países onde estão representados olhem para a Ucrânia e ajudem a Ucrânia”. Em Portugal, o papel de embaixador é particularmente importante, considera, devido à “diáspora ucraniana bastante numerosa e que tem de estar mobilizada”. “A atual embaixadora não tinha um apoio unânime de toda a comunidade mas só de uma parte.”

[Oiça aqui o comentário de José Milhazes sobre a demissão da embaixadora ucraniana]

Milhazes: “É preciso uma embaixadora agregadora”

À CNN Portugal, Tiago André Lopes, professor de diplomacia, explicou que esta não é a primeira vez que o Presidente ucraniano demite diplomatas nomeados pelo antecessor. Em 2019, demitiu de uma só vez 11 embaixadores nessa situação, para os substituir por representantes da sua “confiança política”.

As demissões agora anunciadas juntam-se ainda a notícias recentes de que Zelensky “queria substituir a elite de segurança do estado“, por considerar que alguns diretores de segurança permitiram “fuga de informação” e falhas de segurança, frisa Tiago André Lopes. “Zelensky voltou-se para dentro do seu círculo“, nota o docente, que lembra as declarações de Boris Johnson, segundo o qual há a perceção de que alguns Estados europeus estão a pressionar a Ucrânia para aceitar um acordo de paz o mais rapidamente possível. “Passa a imagem de algum desespero diplomático”, frisou.  Além disso, aponta a participação da embaixadora em iniciativas políticas e partidária, o que, considera, “fragilizou” a sua imagem em Kiev.

Tiago André Lopes defendeu ainda que Ohnivets foi, em “momentos-chave”, “menos visível” em comparação com colegas em Espanha ou em Itália. E viu-se “assoberbada por de repente ter uma missão que escalou para uma dimensão que não tinha quando foi nomeada”.

Na sexta-feira, a embaixadora tinha comentado à Rádio Observador a atribuição pelo Conselho Europeu do estatuto de candidato à Ucrânia, que caraterizou como uma “decisão histórica”, com um “significado simbólico”.

“Leva a Ucrânia a um caminho direto para a adesão à União Europeia (UE). Quanto tempo esse caminho levará, dependerá das duas partes. Da Ucrânia e da UE, mas principalmente da Ucrânia”, respondeu.

Ucrânia mais perto de aderir à UE. “É simbólico, mas vamos trabalhar ainda mais”, garante embaixadora