Os conflitos armados em Moçambique criaram “oportunidades” para a violação dos direitos humanos, deixando vulneráveis as populações das zonas afetadas pela violência, refere o Relatório sobre Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) divulgado esta quinta-feira em Maputo.

Nas regiões centro e norte, a situação [dos direitos humanos] agravou-se, devido à ocorrência de conflitos armados que causaram a deslocação das populações e geraram oportunidades para a violação dos direitos humanos”, lê-se nas conclusões do relatório, que cobre o período 2020-2021.

Em relação à guerra na província de Cabo Delgado, onde as forças governamentais combatem insurgentes associados ao terrorismo, a avaliação observa que “persistem inquietações sobre a violação dos direitos humanos no que diz respeito ao envolvimento das autoridades de defesa e segurança”.

Reconhece, todavia, que o envolvimento das forças conjuntas da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e do Ruanda no combate aos grupos armados em Cabo Delgado resultou em avanços na melhoria da situação de segurança.

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Assinalando que os ataques à dignidade humana têm sido sistemáticos no país, a avaliação aponta igualmente as restrições impostas pela covid-19 e os desastres naturais como outros eventos que propiciaram abusos.

A Covid-19 foi usada pelas autoridades para limitar direitos de forma desproporcional e cometer atentados, indica o texto.

A pandemia também trouxe à superfície a exclusão de uma parte da população dos serviços de saúde e do direito à educação, por falta de meios tecnológicos para o acompanhamento de aulas à distância, refere o documento.

Entre 2021 e 2022, prossegue, foram relatadas execuções sumárias praticadas por agentes da lei e ordem e o envolvimento de investigadores do Serviço Nacional de Investigação Criminal (Sernic) com bandos que se dedicam a raptos.

Criou-se igualmente um ambiente de “hostilidade” ao exercício das liberdades de imprensa e expressão, através de relatos de perseguição aos jornalistas, acusa a OAM.

O relatório deplora igualmente o facto de a sociedade ter sido excluída do debate sobre o processo de descentralização, através do monopólio da discussão do tema pelos principais partidos do país.

A análise dos advogados também refere o atropelo dos direitos das comunidades nas áreas de implantação da indústria extrativa, apontando problemas ligados ao reassentamento das populações e falta de transparência na atribuição de licenças de atividade mineira, bem como na gestão de receitas cobradas nestas operações.

Do lado positivo, é referida a expansão geográfica da rede judiciária do país, através da construção de mais tribunais e ativação de serviços de assistência judiciária, bem como a aprovação de mais leis protetoras dos direitos humanos.

Em declarações aos jornalistas à margem da apresentação do relatório, o bastonário da OAM, Duarte Casimiro, afirmou que o quadro dos direitos humanos em Moçambique aponta avanços e retrocessos.

Na região centro, a instabilidade militar foi protagonizada por ações armadas de uma dissidência do braço armado da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, mas que perdeu força depois de abatido o seu líder, Mariano Nhongo.

A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

Há 784 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

Desde julho de 2021, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu recuperar zonas onde havia presença de rebeldes, mas a fuga destes tem provocado novos ataques noutros distritos usados como passagem ou refúgio temporário.