Um estudo do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) determinou como as bactérias evoluem no intestino em poucos dias, uma descoberta que os investigadores acreditam que pode contribuir para tratamento de doenças relacionadas com o envelhecimento.
“Em última análise, os resultados poderão contribuir para o desenvolvimento de terapias baseadas no microbioma relevantes para doenças relacionadas com o envelhecimento”, adiantou esta quarta-feira o IGC.
As conclusões da investigação, que foi publicada na revista científica Current Biology, revelam a “forma subtil” como as interações entre o sistema imunitário, a microbiota e os antibióticos podem influenciar a evolução de processos bacterianos, tanto em contextos de saúde como de doença.
Os milhões de bactérias que vivem no intestino integram a microbiota, uma relação entre o hospedeiro e esses microrganismos considerada essencial para a saúde, mas que está sujeita a vários fatores como a dieta, a toma de antibióticos e até o próprio processo de envelhecimento, que a podem pôr em causa.
Perceber de que forma as bactérias se adaptam a este ambiente dinâmico no intestino, onde as condições podem mudar rapidamente, foi o objetivo do estudo dos investigadores do IGC liderados por Isabel Gordo.
Nos últimos anos, o grupo tem estudado como as bactérias evoluem em ratinhos mais velhos, que apresentam mais inflamação, um sistema imunitário menos eficiente e uma microbiota desregulada, o que constitui um fator de “stress” para as bactérias.
Num estudo anterior revelaram que a Escherichia coli, uma bactéria habitual da microbiota dos mamíferos, adquire mutações específicas para se adaptar ao intestino inflamado destes ratinhos.
Uma destas mutações afeta um regulador importante do ferro e, dada a relevância deste metal nas interações entre o hospedeiro e os microrganismos, os investigadores decidiram estudar como as condições a que as bactérias estão sujeitas no intestino atuam sobre esta mutação.
De acordo com o IGC, um dos resultados mais surpreendentes mostra como o número de bactérias com esta mutação varia de forma abrupta no intestino num curto espaço de tempo.
“Ficamos surpreendidos quando vimos como o efeito da seleção natural sobre a regulação do ferro nas bactérias podia mudar drasticamente numa questão de dias“, explicou Hugo Barreto, primeiro autor do novo estudo.
O passo seguinte foi perceber quais os fatores que estavam a causar estas oscilações, o que levou a equipa de investigação a testar como bactérias com diferentes capacidades de regulação do ferro competiam em ratinhos com competências imunitárias e microbiotas distintas.
Os hospedeiros podem gerar uma “proteína imune que impede as bactérias de captar ferro, o que é particularmente importante para prevenir a proliferação de agentes patogénicos”, concluíram os investigadores.
Além disso, mostrou-se que a inflamação associada ao envelhecimento e os antibióticos podem influenciar os níveis desta proteína.
Na prática, os investigadores descobriram que a evolução destas bactérias no intestino é influenciada pelo sistema imunitário e pela microbiota do hospedeiro, assim como pelo tratamento com antibióticos.
“Juntar as peças do puzzle foi um desafio complicado, mas extremamente gratificante”, afirmou Hugo Barreto.
Isabel Gordo, investigadora principal do grupo que conduziu o estudo, salientou que os resultados permitem compreender como a evolução das bactérias pode afetar o metabolismo do ferro em ecossistemas complexos, como o intestino humano, o que é de “extrema relevância dada a importância do ferro nas interações hospedeiro-microrganismo, particularmente quando a sua disponibilidade é limitada, como é o caso das doenças inflamatórias e da anemia”.
De acordo com o IGC, compreender os fatores que moldam a evolução da regulação do ferro nas bactérias poderá contribuir para o desenvolvimento de terapias baseadas no microbioma, incluindo o uso de probióticos, por exemplo, para controlar as bactérias que proliferam nestas condições.