– Pensaste no que aconteceu e refletiste? Sei que te aproximaste do árbitro e disseste algo sobre o que se passou.
– Por que é que estás a perguntar isso agora? Não foi há dois dias? É porque não tens nada para escrever hoje?
– Pergunto porque há uma investigação em curso.
– Hoje joguei contra o Krajinovic. Não queres saber como joguei hoje?
– Eu vi-te jogar. Estiveste fantástico.
– Então? Porque não me perguntas nada sobre isso?
– Porque há uma investigação…
– Estás a investigar tu?
– Não.
– Então… Por que é que queres saber?
– Porque te envolve a ti.
– Ainda estou vivo em Wimbledon. Falemos disso…

“Não gosto de bullies que não respeitam os outros” vs. “Ele é mole, não somos farinha do mesmo saco”: o round 2 do duelo Tsitsipas-Kyrgios

Após vencer o encontro da segunda ronda diante de Filip Krajinovic com uma exibição de sonho só em três sets (6-2, 6-3 e 6-1), Nick Kyrgios quis deixar uma espécie de statement ao mundo do ténis. “Só queria isto, mostrar às pessoas que sou realmente bom. Às vezes sinto que não sou respeitado como devia”, destacou. No entanto, e nessa conferência de imprensa, a maioria das perguntas ainda diziam respeito à partida da ronda inicial com Paul Jubb, quando no final cuspiu em direção de um adepto que o estava a criticar já depois de ter insultado o árbitro e o público que torcia pelo jogador da casa. Ah, mas não ficou por aí. E como o encontro foi a cinco sets e a conferência demorou, começou a responder enquanto comia sushi.

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Apenas mais um episódio na vida do australiano, que no encontro seguinte deixou Stefanos Tsitsipas à beira de um ataque de nervos a atirar bolas para as bancadas e a responder a serviços por baixo tentando acertar no adversário e que a seguir ganhou a Brandon Nakashima de novo a cinco sets deixando a parte da polémica quando quis fazer mais um break nas sempre restritas regras de Wimbledon trocando de ténis e colocando um boné vermelho da marca Air Jordan antes das entrevistas rápidas ainda no court. Mais uma dose de Kyrgios, o jogador que levou a BBC a perguntar aos adeptos ingleses presentes na catedral do ténis se era bom ou mau para a modalidade com respostas distintas como “Podia conter-se um bocadinho mas é um grande jogador” até “Devia ser castigado, banido e sobretudo ir fazer terapia”. De tudo um pouco, sendo que só nesta edição o jogador já tinha sido alvo de duas multas por parte da organização.

Agora, na antecâmara da partida que lhe podia valer a primeira presença de sempre numa meia-final de um Grand Slam, o jogador voltou a ser notícia por assuntos extra ténis com uma acusação de violência doméstica feita pela antiga namorada que o vai levar ao Tribunal de Camberra a 2 de agosto. “É no contexto de um relacionamento doméstico. A natureza da alegação é séria e o [Nick] Kyrgios leva-a muito a sério. Uma vez que o assunto está no tribunal, não temos qualquer comentário para emitir neste momento, mas a seu tempo faremos um comunicado”, comentou o advogado Jason Moffett ao Canberra Times, jornal que diz estar em causa um alegado agarrão à antiga companheira punida até dois anos de prisão.

Voltando ao ténis, Kyrgios diz ter mudado. Tem mais estabilidade, segue mais regras, conseguir encontrar uma outra forma de estar comprometido com o jogo com uma maneira de ser que não disfarça. “Há três anos, o meu agente foi buscar-me a um pub às 4h para jogar a segunda ronda com o Rafael Nadal, no court central de Wimbledon, e fiquei muito chateado com ele… A partir daí, percorri um longo caminho e mudei muita coisa. Agora, tenho bons hábitos diários e conto com o apoio de uma equipa incrível. O meu fisioterapeuta é um dos meus melhores amigos, o meu agente é o meu melhor amigo. Também tenho a melhor namorada do mundo. Ter tanta gente boa por perto faz com que sejamos melhores em certos aspetos”, comentara, já depois de ter assumido o abuso de álcool e drogas numa fase em que tinha “pensamentos sombrios”. E foi isso que o empurrou para o maior feito da carreira num Grand Slam.

O primeiro set do encontro frente a Cristian Garín foi um exemplo paradigmático de como as alterações positivas que teve fora dos courts têm de alguma forma reflexo naquilo que faz depois em jogo: apesar de ter começado o jogo a consentir nove pontos ao adversário que lhe valeram um 0-2 a abrir, nunca deixou de reclamar consigo mesmo em voz alta dizendo que tinha chegado tarde à partida mas recolocou as contas de novo empatadas ao fazer um break no 3-3 conseguindo uma improvável concentração sobretudo nos jogos de serviço do chileno que lhe foram dando winners e pontos nos momentos chave. Depois do eclipse após o 0-30 no sétimo jogo ainda houve uma fase de menor clarividência mas o australiano fechou mesmo com um jogo em branco no serviço de Garín o 6-4 que lhe valeu o primeiro parcial e um audível “Let’s go!”.

Quase de uma forma assumida, o número de erros não forçados de Kyrgios era maior do que o adversário mas os pontos em catadupa assentes num serviço canhão que lhe resolve vários problemas e numa grande variabilidade de jogo meio a “correr” entre tentativas de amorties e bolas na linha fundo que deixou Garín sem soluções. E foi isso que lhe acabou por valer um break decisivo na parte inicial do segundo parcial, que lhe valeu um triunfo por 6-3. Depois, acabou por vigorar aquilo que o australiano tem menos: paciência. E no set mais equilibrado de todos, com 12 jogos de serviço ganhos pelos dois jogadores e mais uns palavrões mais ou menos disfarçados que nunca passavam ao lado das bancadas, fechou o tie break do terceiro parcial com 7-5, garantido a primeira presença de sempre numa meia-final de um Grand Slam.