A Lamborghini prepara a despedida dos modelos 100% a combustão. E uma das suas últimas criações sem recurso à electrificação é o Huracán Tecnica, um superdesportivo que se coloca na gama entre o mais “assanhado” STO e o EVO RWD que, como o nome indica, tem apenas tracção traseira.

Mas a marca italiana prepara uma despedida em grande, tentando atrair o maior número possível de clientes. Daí que tenha optimizado o Tecnica para ser mais rápido e eficiente em pista, perseguindo simultaneamente uma utilização mais agradável em estrada, mesmo que em ritmo de passeio. Para conseguir este cocktail difícil de apurar, a Lamborghini recorreu a tudo o que tinha à disposição em termos de tecnologias.

Um Huracán diferente para ficar colado ao asfalto

Qualquer veículo, para ser rápido em pista, tem de necessariamente ter muito apoio aerodinâmico para o colar ao solo, o que faz maravilhas na velocidade de passagem em curva e na estabilidade durante as travagens. Daí que a Lamborghini tenha retocado o Tecnica,  diferenciando-o dos restantes Huracán.

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As duas principais alterações concentram-se na frente e na traseira. Na zona frontal surge um splitter maior, destinado a colar a frente ao asfalto, melhorando a eficácia dos pneus dianteiros e conduzindo ainda o ar para as maxilas de travão anteriores, para assim resistirem melhor a uma utilização intensiva em pista. Atrás surge uma asa fixa de maiores dimensões, com a Lamborghini a anunciar que incrementa em 30% a downforce, a força que cola o desportivo ao asfalto, maximizando a aderência. Mas consegue este objectivo sem limitar a penetração aerodinâmica, uma vez que a marca italiana reivindica um S.Cx inferior em 20%, o que se irá reflectir na velocidade em recta.

Já que estava a proceder a modificações para tornar o Tecnica mais eficiente, sobretudo em pista, o construtor alterou igualmente a frente, que tornou o modelo 6,1 cm mais comprido (para fazer o splitter funcionar melhor), tendo adoptado o ípsilon que foi estreado no Terzo Millenio e uma cortina de ar, o que acontece pela primeira vez num Huracán. Atrás surgem guarda-lamas mais encorpados, reforçando a sensação de largura do superdesportivo, onde são também visíveis novas entradas de ar para melhor refrigerar motor e travões posteriores. O capot do motor e o frontal, integralmente em fibra de carbono, asseguraram um ganho de 10 kg.

O magnífico V10 ganha cavalos, mas perde tracção

A animar este Tecnica está o mesmo V10 atmosférico com 5,2 litros de capacidade, motor que é capaz de satisfazer os amantes deste tipo de veículos e por dois motivos distintos. Por um lado, porque só um V12 ultrapassa um V10 em termos de nobreza e de sonoridade. Por outro, porque ao ser atmosférico, esta mecânica não vê o seu “roncar” abafado pelo turbocompressor, o que lhe reforça o carácter.

O 5.2 V10 instalado no Tecnica debita 640 cv e 565 Nm, igualando a potência do STO, mas ultrapassando o EVO RWD em 30 cv. Acoplada ao V10 está uma caixa automática de dupla embraiagem e sete velocidades, banhada em óleo para ser mais suave e progressiva, além de permitir uma utilização intensiva em pista sem exceder a temperatura de funcionamento.

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Além do incremento da potência, o Tecnica usufrui ainda de um peso de somente 1379 kg, o que lhe confere uma relação invejável de 2,15 kg/cv. É claro que nem tudo pode ser positivo, uma vez que para atingir este peso – que corresponde sensivelmente ao de um pequeno Peugeot 208 com motor 1.2 com três cilindros, um dos modelos mais vendidos do segmento B –, o Tecnica teve de abrir mão da tracção integral. Mas o engenheiro da marca confidenciou-nos que com o novo sistema de controlo de tracção e de estabilidade, regulável e adaptável ao tipo de utilização e experiência do utilizador, é possível retirar o mesmo gozo ao volante sem necessidade de ser um superpiloto, excepção feita nas incursões por estradas com neve ou gelo.

Quatro rodas viram melhor do que duas

Outra das características que o condutor do Tecnica vai apreciar é a capacidade das rodas traseiras também virarem, com o movimento do volante. Este Huracán oferece três modos de condução, respectivamente o Strada, o Sport e o Corsa, com o primeiro a disponibilizar ao condutor um sistema de quatro rodas direccionais virado para a estabilidade e manobrabilidade, no que está associado ao sistema de torque vectoring, à regulação mais macia da suspensão, para maior conforto, e a uma afinação específica do Performance Traction Control System (P-TCS).

No modo Sport, o objectivo é perseguir a máxima diversão ao volante, com as rodas traseiras direccionais e o P-TCS a visarem uma traseira com reacções mais vivas para fomentar uma mais fácil inserção da frente em curva, enquanto a vectorização do binário assegura que o condutor não perde o controlo do Huracán Tecnica. O V10 e a caixa de velocidades também passam a exibir um mapeamento distinto, acelerando de forma mais pronta (e audível), acompanhado por passagens de caixa mais rápidas.

Em modo Corsa, o Tecnica oferece tudo o que tem para dar. As ajudas electrónicas vêem a sua entrada em funcionamento atrasada, para dar mais liberdade ao piloto, que assim pode usar o acelerador para dominar o carro, aproveitando a resposta pronta do 5.2 V10 e da caixa de dupla embraiagem. E se quem está ao volante se sentir confiante e aceitar correr alguns riscos, é possível desligar o controlo de tracção e o resto das ajudas electrónicas, passando o piloto a estar entregue a si mesmo. Neste modo de condução, a programação das rodas traseiras direccionais está optimizada para uma utilização em pista.

Como é por dentro

A ideia dos superdesportivos vazios de equipamento, para poupar peso, e desprovidos do nível de conforto e conectividade a que nos habituaram os modelos mais bem equipados do mercado, pertence ao passado. A prova está neste Huracán Tecnica, que também foi pensado para quem não deseja divertir-se em pista, mas apenas deliciar-se com o seu supercarro em passeios em estrada, ainda que a um ritmo mais vivo, mas dentro dos limites.

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A bordo há painéis em fibra de carbono para ajudar a reduzir o peso do Tecnica, para o que também contribui o sistema por fita utilizado para abrir e fechar as portas. Mas o que sobressai é o habitáculo, optimizado para apenas dois, revestido a pele virada para reforçar a sensação de estarmos perante um carro de competição. Os dois assentos, tipo bacquet, são ajustáveis em comprimento e altura, com os cintos de segurança a poderem ser convencionais, com apenas três pontos, ou de competição, com quatro pontos de fixação.

O novo HMI, de Human-Machine Interface, foi redesenhado especificamente para o Tecnica, incluindo o painel de instrumentos digital que proporciona todas as informações pertinentes e, em modo Corsa, até mesmo a temperatura do óleo do sistema de travagem e dos travões, tanto mais que as maxilas estão equipadas com um novo sistema de refrigeração. Os tempos cronometrados por volta, os G em curva e nas travagens, entre outras informações específicas, também fazem parte das indicações fornecidas a quem está ao volante.

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O painel central vertical, colocado entre a consola e o tablier, permite seleccionar mais opções para a condução em pista, mas sobretudo é aí que aparece toda a informação que pode ser necessária para utilizar o Tecnica no dia-a-dia, seja para ir às compras – sem abusar, pois a mala está limitada a 100 litros – ou de miniférias a dois. No ecrã central é possível acompanhar as opções seleccionadas no LVDI (Lamborghini Dinamica Veicolo Integrata), bem como a sua evolução em tempo real, além do acesso aos assistentes de bordo Alexa, da Amazon, e os Apple Car Play e Android Auto. Para mais tarde recordar, tudo isto fica disponível através da app Unica, da Lamborghini, que já foi descarregada em mais de 19.000 telemóveis de clientes da marca, onde ficam registados os diários on-board, os destinos e, mais interessante para alimentar conversas entre amigos e fãs da marca, os tempos por volta registados nos diferentes circuitos.

É bom em pista?

Para nos permitir desvendar os trunfos do novo Huracán Tecnica, a Lamborghini desafiou-nos a uma sessão de testes dupla, em que começávamos por conduzir o mais recente superdesportivo da casa em pista, para ver até que ponto o Tecnica estava à altura de uma utilização intensiva em circuito, mesmo quando entregue a um condutor mais exigente. A segunda fase de ensaios decorreria em estrada, nos arredores de Valência, onde o investimento em meios de detecção de excessos de velocidade e a recente criminalização dos mesmos dão acesso directo a penas de prisão se excedidos determinados limites, o que nos obrigava a uma utilização exclusivamente em ritmo de passeio.

O palco escolhido para a análise em pista do Huracán Tecnica foi o circuito Ricardo Tormo, próximo de Valência. Com cerca de 4 quilómetros de extensão e um traçado que faz recordar Jarama, apesar de ser percorrido em sentido contrário, misturando curvas de alta velocidade com zonas sinuosas e de desenho complexo, pressupunha ser todo um desafio para um veículo que, assumindo pretender dar o mesmo gozo ao volante de um carro de competição, continua a tratar-se de um automóvel de série e homologado para circular, no dia-a-dia, na via pública.

O ensaio em pista consistiu em quatro conjuntos de cinco voltas, sempre atrás do piloto da casa, no nosso caso o italiano Giacomo Barri que, quando não está a fazer baby-sitting a jornalistas ou a clientes da Lamborghini, corre nos carros do construtor transalpino em GT3 e no Lamborghini Super Trofeo Europe. Arrancámos para o primeiro set de voltas à pista valenciana no modo Sport, bom para aprender o traçado e para depois perceber as diferenças para o modo mais desportivo, o Corsa.

Barri marcava o andamento, mais comedido de início, pois o objectivo era permitir um incremento de ritmo regular, mas sem excessos que pudessem beliscar a pintura, especialmente ao nível dos pára-choques ou portas, de encontro aos rails. Mesmo em Sport, o ruído do V10 colocado ali bem atrás das costas é capaz de impressionar até um surdo, tais as emocionantes vibrações que transmite. O baixo peso facilita o trabalho de uns super travões em carbocerâmica, tudo devidamente impulsionado pelos 640 cv do motor que, se debita a potência máxima às 8000 rpm, depois de fornecer o binário máximo (565 Nm) às 6500 rpm, continua a subir alegremente de regime até pouco acima das 8500 rotações. Aí uma sucessão de luzes azuis sobre o painel de instrumentos – como acontece nos modelos de competição – avisam-nos da entrada em acção iminente do corte de ignição.

Os sets seguintes já foram percorridos em modo Corsa, com a diferença a sentir-se a vários níveis. A suspensão fica mais dura, cortesia dos amortecedores Magnetic Ride, que limitam ainda mais as transferências de massas que possam desequilibrar o Tecnica, enquanto o roncar do V10 sobe ainda mais de tom, algo que julgávamos impensável. Mas talvez a alteração mais evidente seja a regulação mais dinâmica dos sistemas LVDI e P-TCS, para o que contribuem as rodas direccionais traseiras, que em Corsa visam reforçar a agilidade do trem posterior motriz, solução a que os técnicos da Lamborghini recorreram para conseguir que a frente entre na trajectória mesmo quando o condutor é demasiado optimista.

Extremamente eficiente, o Huracán Tecnica impressiona sobretudo pela facilidade com que se conduz em pista a um ritmo impróprio para cardíacos, permitindo que todos os condutores arrisquem um pouco mais, esticando os limites da física e os seus próprios, sem que a aventura termine com um Lamborghini de mais de trezentos mil euros contra os rails, ou de capota para baixo. Muito eficaz, o Tecnica é previsível, mesmo em Corsa, em que o P-TCS permite maior liberdade de acção e até mesmo uns power slides à saída das curvas, inclusivamente quando se roda com os Bridgestone Potenza Race, homologados para circular na via pública – mas com muito cuidado em dias de chuva – mas ideais para track days.

E em estrada dá para utilizar no dia-a-dia?

Depois de enchermos a barriga de emoções no circuito Ricardo Tormo, foi a vez de arrancarmos para o ensaio em estrada, com o objectivo de avaliarmos a capacidade de o Tecnica agradar a quem apenas se pretenda deslocar a um ritmo civilizado pelas vilórias nos arredores de Valência e pelas belas estradas circundantes. Tendo sempre presente os enormes investimentos da Guardia Civil espanhola para controlar a velocidade, com recurso a uma frota de helicópteros Pegasus e a criminalização de excessos de velocidade 50 km/h acima do limite.

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Em modo Strada, os amortecedores assumem a regulação mais macia e se bem que continue a não ser aconselhável a quem sofra das costas, a realidade é que o Tecnica será considerado surpreendentemente confortável por 90% dos utilizadores. A construção é robusta e o Huracán não provoca ruídos parasitas, para o que contribuem os bons materiais utilizados. Os bancos muito envolventes são finos, mas suportam bem o corpo, com o V10 a deixar escapar aqui e ali um trabalhar mais rouco, como que a recordar quem vai ao volante que está uma verdadeira manada de cavalos sob o pedal do acelerador, apesar de ser recomendável deixar para a pista a exploração dos 325 km/h de velocidade máxima, bem como dos 3,2 segundos que o Tecnica necessita para atingir 100 km/h, ou os 9,1 segundos para chegar aos 200 km/h. Em relação aos 31,5 metros necessários para parar, quando a circular a 100 km/h, também é de bom-tom deixar para outra ocasião, uma vez que será muito difícil o carro que circula atrás demonstrar a mesma capacidade de travagem.

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O mais curioso e que certamente agradará quem se passeie num Tecnica, é o ronronar cativante da mecânica a baixa velocidade e o baixo nível de ruído a bordo. Com o motor atmosférico a funcionar muito bem a baixo regime, e a responder rapidamente ao acelerador, caso seja necessário, o Tecnica desliza pela cidade a 50 km/h em 7ª velocidade e a apenas 1250 rpm, o que corresponde a 79 decibéis, permitindo ouvir a música sem elevar o volume, ou manter uma conversação com o parceiro do lado sem ter de elevar a voz. Em auto-estrada a 120 km/h, o Lamborghini mistura-se com o resto do tráfego, com o V10 às 2900 rpm em 7ª, mais parecendo um lobo com pele de cordeiro e com consumos de passarinho. Ao contrário do que acontece em pista.

O Huracán Tecnica deverá chegar a Portugal mesmo no final de 2022, mas apenas uma unidade, com as restantes a surgirem já em 2023. De acordo com Licínio de Almeida, o responsável pela Lamborghini no nosso mercado, “o Huracán assegura tradicionalmente 40% das vendas da marca e este Tecnica, que se posiciona entre o EVO RWD e o STO, promete tornar-se na versão mais vendida”. Preços ainda não há, uma vez que “o Tecnica ainda não tem os valores de consumos e emissões de CO2 homologados, sendo estes determinantes para apurar o preço de venda ao público”. Mas Licínio de Almeida avança que o valor “deverá situar-se entre 340.000€ e 350.000€”.