O Ministério Público (MP) pediu esta quarta-feira a condenação do ex-assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves e dos funcionários judiciais José Augusto Silva e Júlio Loureiro no julgamento do processo E-toupeira, embora sem fixar duração das penas.
Nas alegações finais do julgamento, cuja leitura do acórdão ficou marcada para 4 de novembro, pelas 14h30, o procurador Luís Ribeiro considerou que o tribunal está “em condições de concluir que à atuação de Júlio Loureiro, em conjunto com José Augusto Silva, correspondeu como contrapartida de Paulo Gonçalves um tratamento preferencial, consubstanciado em bilhetes, convites, acesso ao parqueamento e ‘merchandising’ do clube”.
Espera-se que seja proferida decisão condenatória”, salientou o magistrado, notando relativamente ao antigo assessor jurídico dos ‘encarnados’ e ao funcionário José Augusto Silva “o elevado grau de ilicitude” e as “elevadas exigências de prevenção geral”. Já em relação ao funcionário Júlio Loureiro, Luís Ribeiro assumiu ter havido uma “intervenção mais limitada” nos factos que constam da acusação.
O pedido de condenação dos três arguidos pelo MP foi também acompanhado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) e pelos ex-árbitros Bertino Miranda e António Perdigão, todos assistentes neste processo, com os antigos juízes auxiliares a solicitarem também o deferimento pelo tribunal dos pedidos de indemnização cível.
Em sentido inverso, as defesas dos arguidos refutaram a grande maioria dos crimes que eram imputados e pediram a absolvição.
O advogado Tiago Rodrigues Bastos, que representa Paulo Gonçalves, criticou a atuação do MP para rotular o caso E-Toupeira “uma mão cheia de nada”, defendendo que a forma como foram autorizadas escutas no início do processo assentou numa “profunda ilegalidade” e constituiu “prova proibida” e invocando a declaração de inconstitucionalidade da Lei dos Metadados recentemente proferida pelo Tribunal Constitucional.
Atrevo-me a dizer que a prova cairá toda. Toda a prova obtida em geolocalizações e emails é através do fornecimento dos metadados pelas operadoras. Deve deitar para o lixo toda esta prova e creio que a acusação não sobreviverá depois disso. Tem necessariamente de retirar do elenco probatório tudo o que seja metadados, escutas e elementos fornecidos pelas operadoras de telecomunicações, que aqui foram imprescindíveis”, afirmou.
Tiago Rodrigues Bastos alegou ainda que os crimes imputados a Paulo Gonçalves, com exceção da corrupção, são todos em coparticipação e questionou os fundamentos para o MP associar o antigo assessor jurídico do Benfica a estes alegados ilícitos.
“Com o julgamento não ficámos a saber nada do que é que Paulo Gonçalves fez nos acessos. E como é que se coparticipa com alguém que fez os acessos e não sabemos quem os fez?”, disse o advogado, resumindo: “É assustadora a forma como se vai fazendo o processo penal em Portugal”.
Por sua vez, Rui Pedro Pinheiro, advogado de Júlio Loureiro, recorreu a citações do cientista americano Benjamin Franklin e do líder pacifista indiano Mahatma Gandhi para sustentar a inocência do funcionário judicial neste processo. “Em relação a Júlio Loureiro não há nada com relevância criminal. Daí ter dito que este processo E-toupeira, para nós, é nada”, atirou.
Apenas o advogado Paulo Gomes, mandatário de José Augusto Silva, admitiu o cenário de uma condenação para sublinhar o caráter do funcionário judicial e a sua integração plena na sociedade, pedindo ainda que os crimes fossem considerados como crime continuado e não de forma isolada e separada.
“Não obstante a quantidade de indícios, a prova feita em julgamento não foi suficiente para pôr em causa a dúvida razoável e isso terá consequências na apreciação global da prova e dos crimes imputados, designadamente no crime de corrupção”, referiu, sem deixar de notar: “Creio que as dúvidas permanecem e, na dúvida, deverá decidir em favor do arguido”.
A terminar, o coletivo de juízas deu ainda a palavra a Paulo Gonçalves. O ex-assessor jurídico da SAD do Benfica enalteceu a sua postura ao longo de todo o julgamento e pediu para se fazer justiça com base na prova em tribunal e não pela opinião pública.
“Penso que o tribunal já percebeu quem é o arguido Paulo Gonçalves. Poderia dizer como católico praticante que me preocupo só com a justiça divina, mas isso não é verdade. Também me preocupo com a justiça dos homens e estive sempre aqui, embora pela justiça pública já esteja condenado. Em face do que se passou e da postura que demonstrei, que o tribunal faça a justiça do tribunal e não a justiça da opinião pública”, declarou.
O funcionário judicial Júlio Loureiro está acusado de um crime de corrupção passiva, enquanto o funcionário judicial José Augusto Silva responde por um crime de corrupção passiva, seis de violação do segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, 28 de acesso ilegítimo e um de peculato.
Paulo Gonçalves, antigo assessor jurídico da SAD do Benfica, está acusado de seis crimes de violação do segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, em coautoria, além de um crime de corrupção ativa, dois de acesso indevido e dois de violação do dever de sigilo.