O presidente do Instituto Ricardo Jorge defendeu esta terça-feira que se deve evitar falar de excesso de mortalidade comparado apenas números e alertou que é impossível fazer uma análise séria e cientificamente consistente em dois ou três meses.
Em declarações na Comissão Parlamentar de Saúde, onde esta terça-feira foi ouvido a pedido do PSD sobre a mortalidade por todas as causas, Fernando Almeida admitiu que a Covid-19 e todo o contexto da pandemia pode ter desequilibrado doenças crónicas, mas admitiu a dificuldade em estudar em pouco tempo as causas exatas do excesso de mortalidade.
A análise dos números a frio, sem contextualizar, é sempre de evitar. O instituto [Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge – INSA] tem feito estudos e relatórios, alguns diários, (…) de toda a mortalidade e do que é possível medir com exatidão, com a noção de que o que estamos a medir é o que queremos medir, e não apenas comparar números”, afirmou.
Questionado pelos deputados sobre se a falta de acesso aos serviços de saúde na pandemia pode ter provocado alguma da mortalidade em excesso registada em 2020, Fernando Almeida respondeu: “Tenho dificuldade em saber se foi por falta de acesso”.
“A questão do acesos vai estudar-se e garanto que se for solicitado ao instituto um estudo concreto sobre a matéria tenho a certeza de que o INSA irá fazer, sempre no âmbito do que é a metodologia correta da investigação científica”, sublinhou.
O responsável apontou fatores como o frio, o calor e a gripe, que podem contribuir para a mortalidade — lembrando que o vírus da gripe “apareceu quando não era esperado” — e insistiu que o próprio sistema imunitário foi afetado pela pandemia.
“Todas as questões são muito pertinentes e darão um debate imenso, mas que dizer se não tivéssemos tomado as iniciativas que o SNS tomou logo em março de 2021, numa altura em que não havia máscaras (…), nem vacinas?”, questionou.
O responsável apontou ainda a testagem — “começámos nos primeiros meses com 2.000 testes/dia e chegámos a 400.000 testes/dia” — e afirmou: “Se não houvesse todo este investimento, provavelmente haveria um excesso de mortalidade mais preocupante“.
“Quando comparamos, temos de nos comparar nas mesmas circunstâncias”, afirmou o responsável, exemplificando: “Há cerca de dois meses éramos o país que tínhamos a mais alta taxa de mortalidade por Covid (…), mas é preciso perceber que Portugal foi o país que recebeu as primeiras variantes”.
“Quando recebemos a variante BA.5 , que tem outro tipo de características, outros países não a tinham. Tivemos o primeiro impacto naquela altura. Mas se verificarem agora, outros países da Europa estão a começar [a ver os números da mortalidade] a subir e Portugal está a baixar”, insistiu.
A acompanhar Fernando Almeida esteve Carlos Dias, do departamento de epidemiologia do INSA, que também sublinhou que “embora o evento final seja de diagnóstico fácil, os fatores que concorrem são múltiplos e complexos”.
“Quando o INSA e outras instituições falam em mortalidade atribuível a fatores como o calor, o frio, a Covid ou a gripe, muitas vezes essa não é a causa direta final [da morte], é o que precipita”, explicou.
O especialista referiu que o INSA elabora boletins que envia às instituições competentes, como a Direção-Geral da Saúde (DGS), com previsões que cruzam igualmente dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera e que ajudam as autoridades a aplicar medidas preventivas para evitar excessos de mortalidade.
“A DGS tem planos específicos para o frio e para o calor que são implementados”, recordou, exemplificando: “quando há avisos de calor vemos pessoas a serem transferidas para zonas mais frescas e no frio vemos, por exemplo, estações do metro a manterem-se abertas para os sem-abrigo”.
Contudo, insistiu, a população sob a qual incidem estas medidas é especial: “Portugal tem a população mais envelhecida da Europa e das mais envelhecidas a nível mundial. A estes fatores precipitantes, temos de juntar as comorbilidades e as fragilidades da vida destas pessoas, entre outros fatores”.
Questionado sobre a mortalidade na população idosa, Fernando Almeida lembrou que “Portugal fez caminho fantástico de evolução no âmbito da saúde e nalgumas questões ligadas desenvolvimento que permitiram que a situação seja hoje melhor”, mas sublinhou: “ainda não é o que desejamos”
“[A mortalidade] não decorre apenas do fator A, B ou C. É de uma série de fatores, um dos quais, talvez o principal, é o desenvolvimento do país, que ainda está a afazer o seu caminho”, concluiu.