Morreu, aos 66 anos, a poetisa, tradutora e professora Ana Luísa Amaral, “vítima de doença prolongada”, confirmou ao Observador Vasco David, editor da “Assírio & Alvim”.
Segundo uma nota biográfica publicada pela editora, Ana Luísa Amaral nasceu em Lisboa, em 1956. É autora de mais de três dezenas de livros da poesia, ao teatro, ficção, infantis e de ensaio. A obra está traduzida em diversos países.
Ana Luísa Amaral recebeu vários prémios em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente a Medalha da Cidade de Paris, a Medalha de Ouro da Câmara Municipal do Porto, o Prémio Literário Correntes d’Escritas, o Premio de Poesía Fondazione Roma, o Grande Prémio de Poesia da APE, o Prémio PEN de Ficção, o Prémio Vergílio Ferreira, e, mais recentemente, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana. Traduziu poetas desde Emily Dickinson (tem, aliás, um doutoramento sobre a poesia de Dickinson), a William Shakespeare ou Louise Gluck.
Era professora jubilada da Faculdade de letras do Porto e membro sénior do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, onde se dedicava às áreas de poéticas comparadas e estudos feministas.
“A poesia não tem de ter mensagem nenhuma”, diz Ana Luísa Amaral
Apesar de ter nascido em Lisboa, vivia desde os 9 anos em Leça da Palmeira e, este ano, seria homenageada na Feira do Livro do Porto com a Tília de Homenagem.
No ano passado, em entrevista à Lusa a propósito da edição do livro “Mundo”, defendeu que a “poesia não tem de ter mensagem nenhuma”, criticando mesmo a “galeria de diferentes verdades” que “extremaram” as discussões de forma “insuportável”.
O que tem de haver na poesia, dizia, “é a paixão pela língua e pelo que os outros escreveram. Todo o escritor é um leitor. Sempre”. “Isso é uma ideia um bocadinho neorrealista, na chamada poesia comprometida, que a poesia tem que ter uma mensagem, de passar uma mensagem da desigualdade, da luta de classes. Nós, enquanto seres humanos e cidadãos e cidadãs, sendo comprometidos com o mundo, é natural que essas preocupações de alguma maneira transpirem para aquilo que nós fazemos, que nós escrevemos”, explicou.
Feira do Livro do Porto com uma centena de atividades e homenagem a Ana Luísa Amaral
Foi por isso que a “chocou bastante”, certa vez, quando alguém lhedisse que “as palavras não lhe interessavam para nada, o que lhe interessava era o que elas convocavam”. “Mas então, onde está a poesia? A poesia é feita de palavras.”
Em comunicado, o Grupo Porto Editora manifesta “profundo pesar” pela morte da autora e informa que o
velório decorre na tarde deste sábado, a partir das 17h00, na Capela de Porto Santo, em Leça da Palmeira. O funeral será no domingo, às 11h15, no tanatório de Matosinhos.
Marcelo: “Nenhum roteiro da poesia portuguesa” fica completo sem Ana Luísa Amaral
Numa nota no site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa lamenta “com grande pesar” o falecimento de Ana Luísa Amaral e salienta como entre a primeira “poesia reunida”, publicada em 2005, e a segunda, em 2010, “tornou-se claro que nenhum roteiro da poesia portuguesa das últimas décadas ficava completo sem Ana Luísa Amaral, não pelas semelhanças com outros, mas pelas singularidades: determinada temática, determinada imagética, e uma certa toada, melódica e dissonante, tocante e irónica”.
Com um “percurso literário” que tem sido “amplamente reconhecido”, Marcelo Rebelo de Sousa lembra ainda a intervenção cívica e a carreira universitária, com a tese sobre Dickinson, os ensaios sobre as “Novas Cartas Portuguesas”, o “Dicionário de Crítica Feminista” e o “empenhamento em causas culturais, sociais e políticas”.
“Escapando à homogeneidade um pouco fictícia das «gerações», Ana Luísa Amaral não deixou de ser veementemente do seu tempo; diversificando os seus trabalhos, produziu uma incindível unidade. Para usarmos os versos de um dos seus poemas mais conhecidos, podemos dizer que o «excesso mais perfeito» é aquele que abdica da soberba mas não da ambição”, lê-se na nota da Presidência.
O primeiro-ministro, António Costa, enalteceu por seu turno a poetisa como “uma das maiores vozes da poesia portuguesa contemporânea”, numa publicação na sua conta oficial no Twitter.
“Deixou-nos, demasiado cedo, Ana Luísa Amaral, uma das maiores vozes da poesia portuguesa contemporânea. Tradutora, professora de literatura e uma referência dos estudos feministas em Portugal, deixa uma extensa obra poética, onde concilia o trivial com uma elevada erudição. À sua família e amigos, expresso as minhas sinceras condolências”, lê-se na mensagem deixada por António Costa.
Também o ministro da Cultura manifestou “profundo pesar” pela morte da escritora descrevendo-a como “uma das vozes mais lúcidas e inteligentes da nossa literatura” e alguém que “servirá de inspiração e exemplo”. Numa nota de pesar enviada à agência Lusa, Pedro Adão e Silva reagiu à morte da escritora, investigadora e docente universitária Ana Luísa Amaral, recentemente galardoada com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana.
“O ministro da Cultura manifesta profundo pesar pela morte de Ana Luísa Amaral, autora de uma obra de grande valor literário, mas, também, de grande significado social e político, que celebrou, deu espaço e destaque ao património cultural construído no feminino”, lê-se na nota.
A organização do festival Escritaria, dedicado à literatura, que acontece em Penafiel, no distrito o Porto, entre 16 e 23 de outubro, já anunciou que este ano vai ser dedicado à escritora.