O filho do antigo diretor da TVI Sérgio Figueiredo, Sérgio Ribeiro, diz que quem negociou com ele a parceria que levou a câmara de Lisboa a conceder um apoio de 350 mil euros a um evento organizado pela sua empresa foi um “vereador independente” e não Fernando Medina — autarca que tinha então sido contratado como comentador televisivo pelo seu pai. Numa carta aberta que enviou ao Observador este domingo, Sérgio Ribeiro revela que o evento vai voltar a realizar-se daqui a dois meses e conta com o apoio da autarquia agora liderada por Carlos Moedas — embora, sabe o Observador, não haja um valor de apoio financeiro definido.

O esclarecimento de Sérgio Ribeiro surge três dias depois de o semanário Novo ter noticiado que a câmara de Lisboa, liderada por Fernando Medina, concedeu um apoio à sua empresa para a realização de um evento na área da sustentabilidade chamado Planetiers World Gathering 2020. Este facto ganhou especial relevância numa semana em que Sérgio Figueiredo desistiu do cargo de consultor para o qual tinha sido nomeado pelo agora ministro das Finanças, Fernando Medina.

Sérgio Ribeiro tenta ainda demonstrar, na mesma carta aberta, que o apoio da câmara de Lisboa foi apenas uma pequena parte do custo total do evento. O filho de Sérgio Figueiredo (que lamenta ser “culpado de ser filho do meu pai”) diz que o projeto em causa custou três milhões de euros, que foram angariados entre investimento público e privado. Ou seja: o apoio da autarquia representou cerca de 12% do custo total do projeto. Houve outra entidade pública, o Turismo de Portugal, que deu um apoio maior, superior a um milhão de euros.

Para desvalorizar o apoio da autarquia, Sérgio Ribeiro elencou ainda outros parceiros do evento, como  “a Comissão Europeia, o Centro de Informação Regional das Nações Unidas, organizações de grande reputação mundial em sustentabilidade ou o Alto Patrocínio do Presidente da República“.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda sobre uma eventual relação privilegiada com o executivo PS de Fernando Medina, Sérgio Ribeiro diz que a sua “empresa se relacionou institucionalmente com o município”: “E assim continuamos depois das mudanças na liderança da autarquia porque o parceiro institucional do evento é a Câmara Municipal de Lisboa e não o seu presidente A ou B.”

Leia aqui a carta aberta de Sérgio Ribeiro:

CULPADO DE SER FILHO DO MEU PAI

Estávamos em 2014. Tinha acabado o meu mestrado em Engenharia Biológica e entrava num momento de decisões difíceis, muito comum a milhões de pessoas por todo o mundo. Qual seria a minha vida profissional após a universidade? Trabalhei enquanto estudava, não porque precisasse, mas porque queria ser autossuficiente financeiramente. Foi das melhores decisões que tomei na minha vida. Não pelo dinheiro, mas porque queria traçar o meu próprio caminho. Todas estas experiências levaram-me a um caminho que me fez sentir pela primeira vez uma verdadeira paixão pelo que fazia. Um caminho em que ninguém me poderia acusar de não ser construído por mérito próprio: o do empreendedorismo. Assim pensava eu.

Mal sabia que, oito anos depois, após muito trabalho com os sacrifícios pessoais, de saúde e de tempo para a família,  quando se decide começar um projecto do zero, estaria envolvido numa realidade que não é a minha e que é decepcionante: arrastado para um tema que não me diz respeito.

O caso Fernando Medina – Sérgio Figueiredo, que tem enchido manchetes e espaços em media nacionais, bate-me à porta associando a ele um dos projectos mais ambiciosos e desafiantes que ajudei a construir nos últimos anos.

O Planetiers World Gathering 2020 seria um dos maiores eventos na agenda da iniciativa “Lisboa – Capital Verde Europeia” desse ano. Acabou, de facto, por ser o único, num ano atípico e que, facilmente, faria desistir muita gente. No entanto, contra ventos e marés da pandemia, o grupo de pessoas que estava envolvido no projecto manteve-se fiel ao seu propósito e ao compromisso de realizar em Lisboa o maior evento internacional dedicado à inovação sustentável.

A data prevista era Abril de 2020. Estava garantida a Altice Arena cheia com milhares de participantes, promotores de projectos inovadores, investidores e comunicação social de todo o mundo.

A pandemia, surgida semanas antes, obrigou a adiar o evento para Outubro desse ano, num formato híbrido. Cancelar podia ter sido mais confortável mas nunca foi uma opção.

Reunimos participantes de mais de 60 países. Mais de 1.000 pessoas estiveram, presencialmente, em cada dia e mais de 20.000 pessoas assistiram online em todo o mundo aos dois dias de evento.

Entre os participantes estavam prémios Nobel, representantes da ONU, Gina McCarthy, atual conselheira do Presidente Biden, Gunter Pauli, um dos inovadores mais disruptivos mundialmente na área da sustentabilidade, ou Daymond John, investidor do programa americano Shark Tank.

Mas todo este envolvimento, mobilização e comunicação internacional para tornar Portugal numa referência no desenvolvimento sustentável tem um orçamento muitíssimo superior aos 350mil euros correspondentes ao apoio da CML, que tanto comentário negativo tem originado, tanto na “praça” online como na mais tradicional. O orçamento necessário para a concretização deste projecto era de aproximadamente 3 milhões de euros, e foi precisamente esse valor que, após 2 anos inteiros exclusivamente dedicados a esta preparação, foi angariado, entre investimento público e privado, para que alcançássemos os objectivos que orientavam este projecto. Objectivos muito claros e necessários nesta Era em que vivemos, tais como: consciencializar a população para as urgências ambientais e soluções já existentes, tornar Portugal numa referência internacional para a inovação social e ambiental, apoiar empreendedores a inovar dentro destes temas, captar investimento internacional para economia portuguesa, atrair grandes organizações e nomes no mundo da sustentabilidade para trabalhar em ou com Portugal.

Dou esta explicação pública com algum detalhe para que se perceba a dimensão e importância do evento e a razão porque ele conseguiu reunir tantos parceiros privados e institucionais, nacionais e internacionais, ao longo destes anos, tais como o Turismo de Portugal, a Câmara Municipal de Lisboa, a Comissão Europeia, o Centro de Informação Regional das Nações Unidas, organizações de grande reputação mundial em sustentabilidade ou o Alto Patrocínio do Presidente da República.

Mas todos esses apoios resultaram sempre de relações institucionais entre os organizadores e as entidades públicas ou privadas envolvidas. No caso concreto que desperta agora a curiosidade dos media, o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, os contactos foram desenvolvidos com um vereador independente e não com o presidente da autarquia. E, como é público, esse apoio teve a aprovação de uma larga maioria de dirigentes da autarquia de vários partidos – se bem que estas questões nunca tenham sido uma preocupação do Planetiers World Gathering que, repito, sempre se relacionou institucionalmente com o município. E assim continuamos depois das mudanças na liderança da autarquia porque o parceiro institucional do evento é a Câmara Municipal de Lisboa e não o seu presidente A ou B.

Não escrevo este texto à espera de algum tipo de piedade. As dificuldades e contratempos são um risco inerentes aos projectos. Escrevo porque é profundamente desapontante para mim e para toda a equipa o envolvimento e a associação que está a ser feita ao assunto do momento e a este levantamento de suspeições a um evento conduzido de forma legítima, transparente e que pretendeu dar um contributo importante para um desafio global.

Não entendo. E entristece-me.

Serei culpado por ser filho do Sérgio Figueiredo? Nunca tentei, por isso, ter algum tipo de vantagem ou ser mais do que qualquer outro. Mas também não posso ser penalizado por isso. 

Foram o esforço, a dedicação, o trabalho e a valorização que tantas entidades e personalidades, nacionais e estrangeiras, fizeram que viabilizaram a Planetiers World Gathering 2020 e não o “apelido” que tenho no meu Cartão de Cidadão.

Despeço-me assim de uma discussão para onde fui arrastado e onde nunca esperei encontrar-me. Não pretendo alimentar alvoroços ou polémicas mas não consigo ficar calado quando vejo que o mérito intrínseco de um projecto que passou por muito para chegar onde chegou está a ser posto em causa.

A Planetiers World Gathering volta a realizar-se dentro de dois meses. Convido todos a participar no evento para que possam ficar a conhecer o que estamos a construir para o mundo, a partir de Lisboa e Portugal. Para discussões honestas e construtivas podem sempre contar comigo.

Agora, seguimos em frente, convictos do propósito que nos move e dos valores que nos guiam.

Sérgio Ribeiro, CEO & co fundador da Planetiers, mas aqui como filho do Sérgio Figueiredo”