O candidato presidencial brasileiro Ciro Gomes, que se apresenta a votos pelo Partido Democrático Trabalhista e pretende ser uma terceira via numas eleições marcadas pela polarização entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva, foi ser entrevistado na noite desta terça-feira no Jornal Nacional da TV Globo. Foi o segundo candidato a participar na ronda de entrevistas agendada para esta semana no principal noticiário televisivo do Brasil, depois de na segunda-feira ter sido entrevistado o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, recandidato pelo Partido Liberal.
No início da entrevista, Ciro Gomes afirmou que o seu objetivo é “unir o país em redor de um projeto” e salientou que o Brasil vive hoje uma “grave crise”, com mais de 30 milhões de pessoas a passar fome. “Cento e vinte milhões de pessoas não fizeram as três refeições hoje”, disse, acrescentando que se vai “esforçar por reconciliar o Brasil”.
Questionado sobre as duras críticas que tem dirigido aos seus adversários, por vezes com palavras ofensivas, Ciro Gomes recorreu a uma das suas citações habituais, lembrando que, para Einstein, “a ciência da insanidade é você repetir as mesmas coisas e esperar resultado diferente”. Multiplicando-se em críticas ao Partido dos Trabalhadores (PT), força política a que Ciro Gomes pretende captar eleitores, o candidato do PDT diz que “a corrupção é um flagelo no Brasil”.
Ciro Gomes alonga-se no discurso técnico sobre as reformas que propõe para o país e garante que quer reformar por completo o sistema económico brasileiro. “A minha proposta é transformar a minha eleição não num voto pessoal, mas num plebiscito programático”, diz Ciro Gomes. “Apelo para que a gente discuta ideias.”
Com um grande foco nos números e nas ideias, o candidato do PDT afirma que representa um “movimento abolicionista de um sistema escravista”.
“O Brasil não aguenta mais isto”, diz Ciro Gomes, lembrando que a eleição de Jair Bolsonaro foi uma resposta do Brasil aos escândalos de corrupção protagonizados pelo PT — e, agora, a rejeição de Bolsonaro parece encaminhar-se para um regresso ao PT. “O Brasil não aguenta mais”, insiste, salientando que a crise no Brasil já leva 20 anos.
Ciro Gomes aponta também objetivos concretos: elevar os padrões de qualidade de vida no Brasil até aos níveis de Portugal; criar cinco milhões de empregos nos próximos anos com uma forte aposta nas obras públicas e na urbanização de favelas e bairros sociais; e ainda tornar o ensino público brasileiro num dos dez melhores do mundo.
O candidato do PDT resumiu, no último minuto da entrevista, o seu objetivo de captar votos à direita e à esquerda para romper com a polarização: Você que vota no Bolsonaro porque não quer o Lula de volta, me dá uma chance. Você que vota no Lula porque não quer mais o Bolsonaro, há um país para governar. Me dê uma oportunidade. E você, indeciso, sabe quantos são vocês? Mais de metade da população. Está na mão de vocês mudar o Brasil.”
A terceira via numa eleição que parece só ter dois candidatos
Numa corrida eleitoral essencialmente marcada pela polarização extrema entre o atual presidente, Jair Bolsonaro, à direita, e o regressado Lula da Silva, à esquerda, os eleitores brasileiros que tentem fugir destas duas opções estão, provavelmente, de olho em Ciro Gomes, o candidato do Partido Democrático Trabalhista, que surge em terceiro lugar nas sondagens mais recentes — embora muito distante dos dois primeiros, reunindo apenas 7% das intenções de voto contra 47% para Lula da Silva e 32% para Bolsonaro.
Advogado e professor universitário, Ciro Gomes está na política brasileira desde o início da década de 1980, altura em que foi eleito deputado estadual no estado do Ceará, com apenas 26 anos de idade. Manter-se-ia na vida política ativa durante várias décadas, ocupando sucessivos cargos: foi prefeito de Fortaleza (a capital do Ceará) e governador daquele estado, eleito pelo PSDB, durante o início da década de 1990.
Em 1994, após uma bem sucedida passagem pela governação do estado do Ceará, Ciro Gomes chegou à política federal brasileira, como Ministro da Fazenda (Finanças) durante o governo de Itamar Franco.
Em 1998, Ciro Gomes candidatou-se pela primeira vez à presidência brasileira, pelo Partido Popular Socialista (PPS), formado por antigos membros do Partido Comunista Brasileiro. Nessas eleições, ficou em terceiro lugar, atrás de Fernando Henrique Cardoso (que venceu a presidência) e de Lula da Silva, que se candidatava pela terceira vez à presidência. Voltaria a candidatar-se em 2002, na primeira vitória de Lula da Silva, que apoiou na segunda volta.
Um ano depois, foi convidado por Lula da Silva para fazer parte do governo, como ministro da Integração Nacional. Entre 2003 e 2006, teve a seu cargo vários projetos de infraestruturas importantes. Abandonou o cargo ministerial para se candidatar a deputado federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) — cargo que exerceu até 2010. Manteve-se ativo no panorama político brasileiro, incluindo como responsável de empresas públicas, durante os últimos anos. Em 2015, filiou-se no Partido Democrático Trabalhista — hoje é vice-presidente do partido. Em 2018, candidatou-se às eleições presidenciais que terminaram com a vitória de Jair Bolsonaro, ficando em terceiro lugar, com 12,47% dos votos.
Quatro anos depois, Ciro Gomes volta a concorrer — e as sondagens relegam-no, novamente, para o terceiro lugar.
De acordo com a campanha do PDT, o objetivo é “furar” a polarização extremada entre Bolsonaro e Lula, assumindo-se como uma oposição de centro-esquerda, alternativa ao PT. À Folha de São Paulo, o presidente do partido, Carlos Lupi, assumiu que as eleições estão muito polarizadas e que a corrida “parece ter apenas dois candidatos” — mas disse ter esperança de que o processo de campanha eleitoral, que agora arranca, possa ser decisivo para inverter a tendência das sondagens.
“As eleições ainda não começaram para a maioria da população”, disse Carlos Lupi àquele jornal.
Como explica a Folha, a campanha de Ciro Gomes tem-se focado justamente na busca de argumentos para romper com a polarização, atraindo eleitores da área do PT — por exemplo, anunciando uma proposta para um programa de rendimentos mínimos para todas as famílias abaixo da linha da pobreza e apontando os escândalos de corrupção em que Lula da Silva se viu envolvido no passado como causa da vitória de Bolsonaro.
As eleições presidenciais brasileiras deste ano estão agendadas para o dia 2 de outubro. À semelhança do sistema eleitoral português, no caso de nenhum dos candidatos conseguir obter mais de 50% dos votos, haverá lugar a uma segunda volta entre os dois mais votados no dia 30 de outubro. Para esta semana estão ainda agendadas entrevistas com Lula da Silva (quinta-feira) e com Simone Tebet, do MDB (sexta-feira).