Anne Hathaway, Elodie ou Ariana DeBose cimentavam o efeito cromático. No começo de julho, com o cunho criativo de Pierpaolo Piccioli, a romana Praça de Espanha acolhia as propostas de alta-costura da maison Valentino. Da primeira fila para o mundo em geral, que vai seguindo tudo com muitos zeros à direita ou em modalidade de baixo orçamento, o rosa choque impunha-se como tendência absoluta, prometendo tingir uma estação sombria, e adiantando-se na entrada em cena já este verão. De resto, o já célebre Pink PP, com direito a pantone próprio, começou a fazer o seu trajeto ainda nos primeiros meses do ano.

Margot Robbie e Ryan Gosling, na pele de Barbie e Ken, o filme de Greta Gerwig com estreia marcada para o próximo ano, em muito terão contribuído para o empurrão que faltava, deslizando de forma descontraída em Los Angeles, no set de rodagem: eis a derradeira prova de que o (assim batizado) Barbiecore está bem e recomenda-se. Porque o tempo que se vive terá tanto de negro como de iluminado por um inesperado color block e uma estética de desenho animado que de frívola tem pouco.

Do mundo das criações mais sofisticadas para a popular montra do Tik Tok, o Wall Street Journal não tem dúvidas: eis a estética de que precisávamos numa altura destas, por mais que a célebre e controversa dupla de bonecos caucasianos pareça ultra datada. “A Barbie era tudo o que não queríamos ser e aquilo que nos diziam que devíamos ser”, lembrava a ativista Gloria Steinem no documentário de 2018 “Tiny Shoulders: Rethinking Barbie”, citada por aquele meio. Sinal dos tempos, o ideal de beleza alimentado ao longo de mais de seis décadas pela Mattel haveria de ganhar uma dimensão inclusiva, alargando o seu espectro no que à profissão ou tom de pele diz respeito. Mas por mais que tenha vindo a abraçar a diversidade, seria difícil imaginar que a influência néon dos anos 70, 80 e 90, em toda a sua exuberância, vingasse em 2022, depois de uma pandemia e com uma guerra em cena — ou talvez por isso mesmo se afirme com tanta determinação, rendendo o célebre lipstick index.

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O universo da famosa boneca ganha corpo num registo “divertido e feminino, mas muito classicamente chique”, descrevem os stylists que têm gerido o conjunto de proporções exageradas, mini vestidos, plataformas de peso e muito brilho. Ou como a fórmula “mais é mais” arrasa qualquer vestígio de minimalismo e frugalidade, sendo que a inspiração pode até chegar ao cabelo.

Celebrity Sightings In Los Angeles - June 28, 2022

Margot Robbie e Ryan Gosling no set de “Barbie”, em junho de 2022, em Los Angeles © Getty Images

Segundo Erin Walsh, responsável pelo look de Hathaway para essa aparição em Roma, o conceito de Barbiecore vai, no entanto, muito além da conjugação das peças certas. Para a stylist, este é também um vincado exercício de empoderamento, sobretudo no que às formas e silhuetas femininas diz respeito, o que não deixa de ser interessante num contexto atual marcado pela fluidez. Facto é que o efeito rosa integral se manifesta de forma icónica em ambos os géneros — e Brad Pitt é um dos exemplos mais recentes dessa ausência de fronteiras. Na apresentação de Bullet Train na Coreia do Sul, o ator (que tem arriscado nas cores fortes) escolheu um fato rosa choque — nem os ténis fugiram ao denominador comum.

"Bullet Train" Premiere In Seoul

Para a história passara já a atuação de Harry Styles no festival Coachella, ou a passagem de Sebastian Stan pela Met Gala deste ano, em maio. Visuais que quase de certeza cairiam no goto de figuras tão díspares quanto Madame de Pompadour, Mamie Einsenhower ou Elvis Presley. A amante do rei Luis XV adorava de tal forma o cor de rosa que teve direito a um tom específico concebido pela porcelana de Sèvres. A antiga primeira-dama dos EUA salpicou a Casa Branca com decoração nesta cor. E quem não se lembra do Cadillac do lendário músico?

Se o imperador Valentino fez do encarnado o seu trunfo de moda, as possíveis leituras do cor de rosa dificilmente se esgotam num par de linhas (ou numa passerelle, ou passadeira vermelha). Em 2020, por exemplo, com as eleições presidenciais norte-americanas em pano de fundo, celebridades como Amy Schumer, Kerry Washington, Marisa Tomei e Zoë Saldana aderiam ao movimento #Ambitionsuitsyou, enchendo as suas redes de autênticos power suits no chamado hot pink. De Hillary Clinton a Kamala Harris, de Roe vs Wade aos comentários de Trump, a ambição feminina ganhava força de statement através da indumentária expressiva, como então descreveu o The New York Times, sobre um tom aparentemente inofensivo. Uma marcha das mulheres uns anos antes e até as escolhas de guarda-roupa de Nancy Pelosi, fosse para se fotografar entre homens em 2019 ou para visitar Taiwan, na polémica deslocação deste ano, mostram como o rosa pode afinal esconder grande simbolismo.

Se em meados do século XVIII, o rosa era tão preferido por aristocratas femininos quando masculinos, enquanto símbolo de classe e luxo, chegados ao século XX os grandes conflitos bélicos reconduziram ao fundo do armário as cores garridas. Os tons coloridos como o rosa claro passaram a cobrir em força o guarda-roupa das senhoras num esforço do pós-guerra, com as mulheres a reocuparem o seu lugar tradicional de donas de casa. A associação ao género consolidou-se nos anos 80, quando o advento da ecografia permitiu antecipar o sexo dos bebés e o mercado dos enxovais ajustados ao género ganhou embalo. Na década seguinte o tom tornar-se-ia mais neutro.

Associado a causas como o combate ao cancro da mama ou a luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA2S+, o cor de rosa habituou-se a evocar sentimentos de conforto, esperança e felicidade, num cruzamento entre o vermelho paixão e a pureza do branco. Por alguma razão, quando a vida se veste neste tom, é sinal que tudo corre de feição. Escusado será dizer que também a moda é cíclica, o que significa que se esta não é a primeira vez que o rosa faz a sua saída triunfante do armário também não será a última de certeza.

Entre Valentino Pink PP e o pronto-a-vestir

Depois desse desfile Valentino de março, a onda aumentou e inundou as redes sociais. O calendário de festivais, festas e outros palcos para as estrelas serviu, claro, de trampolim para a moda. Um Pink PP será sempre um Pink PP mas o fast fashion promete soluções igualmente vibrantes para quem prefere investir menos na tendência. De resto, pode optar por uma versão Barbiecore um pouco mais moderada, como fez Justin Bieber na cerimónia dos Grammys, optando apenas por um gorro fuchsia, enquanto Saweetie usava tudo a que tinha direito em rosa. E para algo mais desportivo, basta seguir a parceria, também saída deste verão, #CardiBxReebok.

No campeonato das influencers, mais ou menos discretas, nem Olympia da Grécia escapou ao banho adocicado. Modelo e elemento da realeza, a filha de Pablo e Maria-Chantal juntou-se ao grupo de it girls que trocaram a sobriedade dos neutros pela cor do momento. Mais de 264 mil seguidores terão visto a neta de Constantino II vestida em rosa de alto a baixo, ainda que uns furos abaixo do choque.

Olympia escolheu umas sandálias Aquazzura de 427 euros para conjugar com um vestido de malha da marca Self Portrait, de 415 euros, que já a atriz Sienna Miller fora vista a usar. Já Emma Chamberlain surge num dos modelos da casa italiana para a foto de capa da edição australiana da revista Vogue. Vogue que em julho concedia honras de primeira página a Beyoncé, agora na edição britânica. Entre mudanças de look, um futurista rosa deixava as melhores impressões.

Custom made, ou personalizado quanto baste. Eis as palavras-chave quando o assunto é a cantora Dua Lipa e uma presença no Sunny Hill Festival, já em agosto. O palco encheu-se de cor de rosa — e do luxo Valentino. O mesmo fornecedor de sonhos que apadrinhou o debute nas passadeiras vermelhas (agora já como marido e mulher) de NicolaPeltz e Brooklyn Beckham. A seda e o chiffon brilharam uns meses antes na tal Met Gala, por onde passaram outros dignos embaixadores do pantone Pink PP, como a veterana atriz Glenn Close.

Latéx, excentricidade e festas de anos temáticas. A história não poderia encerrar sem o clã Kardashian. Se Kim é a personificação do rosa por excelência, Khloé entrou em modo Glam Barbie para soprar as 38 velas em junho. No mês seguinte, a própria Barbie (quem mais?), que é como quem diz Margot Robbie, até teve direito a um bolo de aniversário a preceito.