A política na Alemanha pós-Angela Merkel está crescentemente nas mãos de uma nova geração aberta ao diálogo, que traz pragmatismo e, em muitos casos, até sapatilhas brancas, afirma a escritora e jornalista Anna Sauerbrey.
“Angela Merkel saiu, e Olaf Scholz é agora o chanceler. Eles têm praticamente a mesma idade, mas, se olharmos para o governo, para os líderes dos principais partidos, mesmo os ‘número dois’ dos ministérios, podemos ver que a maior parte da chamada ‘velha guarda’ saiu com Merkel, sendo substituída por pessoas na casa dos 40, e até mesmo 30 anos”, afirmou Sauerbrey, editora de internacional do jornal “Die Zeit” e autora de um novo livro sobre o fenómeno.
“Houve realmente uma mudança geracional na política alemã”, adiantou a autora da obra em alemão “Mudança de poder – Como uma nova geração de políticos está a mudar o país” (tradução livre).
Para Anna Sauerbrey, esta nova geração de políticos, onde entram, entre outros, Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros, ou Kevin Kühnert, secretário-geral do Partido Social Democrata (SPD), “têm aspetos em comum, mas não são assim tão óbvios”.
“É a minha geração, muitos nasceram nos anos 70, ou no início dos anos 80. É uma geração que cresceu depois da queda do muro de Berlim, muitos deles na Alemanha Ocidental. Pouco se lembram das duas Alemanhas, do muro, da Guerra Fria, cresceram nos anos 90, que foi uma altura de relativa estabilidade política, um tempo de otimismo (…) em que se acreditava que a democracia se espalharia por todo o mundo. Também havia estabilidade económica”, aponta.
Para a escritora e jornalista foi importante perceber de que forma o passado teria moldado esta nova geração de políticos. Muitos cresceram depois do grande conflito ideológico que trouxe a Guerra Fria, um aspeto que, segundo Sauerbrey, lhes terá dado uma maior liberdade ideológica para pensar “fora da caixa”.
A proposta de avançar com um livro foi-lhe feita em fevereiro do ano passado pela editora Rowohlt Berlin, pouco mais de meio ano antes das eleições legislativas que ditariam a saída da União Democrata Cristã (CDU) do poder.
A idade média de Scholz e dos seus 16 ministros e ministras é de 50,4 anos — menos do que as médias de todos os inícios de legislatura dos quatro governos anteriores, liderados por Angela Merkel. O mais velho do executivo alemão é o próprio Scholz com 63 anos. Para muitos é também uma estreia em altos cargos políticos.
Anna Sauerbrey acredita que estão à altura dos desafios atuais que a Alemanha enfrenta, que vão desde a crise energética à subida generalizada dos preços, mudanças climáticas, e uma pandemia que ainda não terminou.
“Tiveram algum tempo para se ajustarem à reviravolta que deu o mundo com a crise na Ucrânia. Houve alguns momentos no início dos seus percursos como políticos que ainda têm bem presente, como o 11 de setembro e os debates sobre liberdades versus segurança, que acabaram por moldar o início do seu percurso profissional. Também a crise dos refugiados em 2015, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit, foram todos eventos que abalaram a ideia de percurso global até à liberdade e democracia”, recorda.
O pragmatismo e a fácil adaptação a novas circunstâncias são pontos a favor da equipa com três cores partidárias, que forma o governo, e que entrou em funções em dezembro do ano passado.
“Estão muito mais abertos ao diálogo e à colaboração entre partidos, algo que é absolutamente necessário atualmente porque o sistema político na Alemanha mudou muito nos últimos 20 anos. Tínhamos dois grandes partidos que formavam governo em coligação, ou um grande partido com um pequeno. Agora temos três partidos num governo federal, algo que também acontece em boa parte dos governos regionais, é quase o nosso novo normal. Por isso há a necessidade de falar”, destacou.
A autora do livro “Machtwechsel — Wie eine neue Politikgeneration das Land verändert” dá o exemplo de dois elementos dos partidos Liberal e Verdes que, durante os últimos anos do governo de Merkel, se encontraram diversas vezes, num bar em Berlim, para beber um uísque e discutir políticas e possíveis pontos de convergência.
“São bastante pragmáticos e estão abertos a falar”, conclui.