Alberto Contador, espanhol que ganhou sete grandes voltas ao longo da carreira (dois Tours, três Vueltas, dois Giros), tem feito ao longo de três semanas algumas partes de cada etapa da Volta a Espanha de 2022 para o Eurosport. Sabe do que fala. Na montanha, um terreno onde conseguia fazer as diferenças, ainda mais. E na análise à etapa com passagem e chegada a Navacerrada, o antigo corredor tinha poucas dúvidas: o ataque teria de surgir a 40 quilómetros da meta. Mais uma vez, acertou. Pelo menos nessa parte. Numa outra, nem por isso. E a hipótese de Enric Mas ganhar uma etapa acabou mesmo por cair por terra.

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Fruto do trabalho feito no pelotão para ir cortando espaços perante a anormal quantidade de grupos que se foi formando logo a partir da primeira subida a Navacerrada, a Quick-Step não conseguiu manter ninguém com Remco Evenepoel quando a Movistar agarrou na corrida. A certa altura, o próprio olhar do belga em cima da bicicleta parecia indiciar que teria pela frente “o” grande teste na Vuelta, perante todas as hipóteses estratégicas que o conjunto espanhol passava a ter. Miguel Ángel López, que procurava ainda chegar ao pódio, foi até o primeiro a atacar mas Enric Mas tentou também perceber se era ali o início do momento de viragem. Em todos os momentos, Remco Evenepoel esteve intratável. E aquilo que seria uma etapa com tudo em aberto deixou mossa apenas em Carlos Rodríguez, que desceu de quinto para sétimo na geral ainda com as mazelas da 18.ª etapa a fazerem-se sentir no dia de nova vitória de Richard Carapaz.

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“Não sei o que se passa na minha cabeça e no meu corpo neste momento. É algo incrível. Respondi a todas as críticas e comentários negativos que recebi no último ano. Trabalhei muito para chegar aqui na melhor forma possível. Ganhar esta Vuelta é simplesmente incrível. É a primeira grande volta que consigo começar bem de saúde. Estou muito contente por ser o primeiro a ganhar para Patrick Lefevere como diretor desportivo, para a Bélgica, o meu país, para os meus companheiros, pelos meus pais e para a minha namorada”, comentou Evenepoel após a etapa que acabou com o jovem corredor em lágrimas.

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“Estava muito nervoso. Não dormi muito bem. Sabia o que me esperava e acabou por ser uma etapa super dura. Estou muito contente com a vitória na Vuelta. Respondi com as pernas. Nunca pensei em ganhar a etapa, só queria a classificação geral. Só tinha de controlar e confiar nas minhas forças. É o dia mais bonito da minha vida. Foi um ano fabuloso. Ganhar um monumento como a Liège-Bastogne-Liège, ganhar duas etapas e a geral e, logo, casar-me no inverno… É o melhor ano que podia ter imaginado e desejado”, frisou ainda o líder da Quick-Step, que teria agora em Madrid o seu momento de consagração.

44 anos depois, a Bélgica voltava a ter um vencedor numa grande volta, depois do surpreendente triunfo de Johan De Muynck no Giro de 1978. Tão ou mais importante, Remco Evenepoel provou que é um corredor de três semanas, uma das poucas dúvidas que existiam ainda depois de tudo o que fez até ao grave acidente na Volta à Lombardia e da confirmação de que tinha recuperado a 100% após uma ausência de nove largos meses. A ideia de poder chegar ao recorde do compatriota Eddy Merckx (11 triunfos em grandes voltas, com cinco Tours, cinco Giros e uma Vuelta) não passa de um sonho muito distante até pela concorrência também nova que tem como Tadej Pogacar. Ainda assim, e depois de festejar o triunfo (e de se casar), o belga assume que é tempo que projetar da melhor forma o futuro a breve prazo, sendo quase certo de que a hipótese de fazer o Tour irá apenas ser colocada a partir de 2024 ou mesmo 2025.

Para já, num dia que seria mesmo mais de passeio do que de competição até à chegada (aí havia ainda um triunfo por decidir) e que motivou a colocação de um ecrã gigante na Praça da Bolsa, em Bruxelas, para os belgas fazerem também a festa – e com uma surpresa também do seu país quando cortou a meta, com a visita de Courtois, guarda-redes do Real –, existia apenas margem para o momento de consagração. Com muitas conversas entre os corredores, com muitos sorrisos quase de alívio pelo fim das três semanas duras, com registos estatísticos como aquele que colocava Juan Ayuso como o top 3 mais novo em mais de um século (Henri Cornet, vencedor do Tour em 1904), com as muitas mensagens de despedida para Alejandro Valverde, que fazia a sua última edição da Vuelta. Tudo num ambiente de descontração e acalmia.

Luke Plapp (Ineos) e Julius Johansen (Intermarché) conseguiram sair em fuga depois de terem sido cumpridos todos os “planos” do dia (incluindo deixar que Valverde andasse sozinho na frente na despedida) mas na penúltima volta ao circuito de Madrid o pelotão começou a partir com as equipas que contavam com unidades mais rápidas a trabalharem já para anularem a vantagem para os dois da frente e prepararem os seus elementos para o sprint. Só mesmo nos últimos dois quilómetros os fugitivos foram alcançados, com Ivo Oliveira a surgir na frente a lançar dois corredores da UAE Emirates e Juan Sebastián Molano a conseguir surgir na frente de Pascal Ackermann para uma vitória inesperada na última etapa.