As protagonistas desta história são a rainha Ana da Grã-Bretanha, a última da dinastia Stuart e primeira regente soberana, e Sarah Churchill, duquesa de Marlborough, Princesa de Mindelheim e Condessa de Nellenburg, a aristocrata que se tornou uma das mulheres mais influentes da sua época, através da relação de grande intimidade com a Rainha.

A amizade entre as duas começa por volta de 1675, ainda que não haja data exata, mas sabe-se que foram apresentadas uma à outra ainda em crianças e cresceram companheiras e confidentes pelos territórios da corte.

Quando a (ainda) princesa Ana sobe ao trono, em 1702, escolhe a então melhor amiga por quem tinha muita “estima e devoção” para se tornar a fiel depositária da sua bolsa, além de lhe delegar a gestão do guarda-roupa e joias. Sarah Churchill, a também antepassada de Winston Churchill e da princesa Diana, fica então como sua assistente pessoal e secretária financeira, cargo apenas atribuído a pessoas da mais alta confiança. Era comum por esta altura, haver um criado ou mordomo responsável pela higiene íntima dos monarcas, com direito a limpar até as excreções. Não sabemos se a melhor amiga terá chegado a tão elevado patamar pelos aposentos privados da rainha, mas o que é certo é que tinha acesso ao seu quotidiano mais restrito. A sua influência era tal que a monarca acedia às suas sugestões e pressões para nomear funcionários de altos cargos políticos. Aliás, figuras ilustres da época apostavam todas as fichas nela para chegar o mais possível perto da coroa. Uma pintura de época da Galeria Nacional de Retratos de Londres mostra Sarah a posar com a brilhante chave que daria acesso à bolsa privada da Rainha.

Por estarem tão ou demasiado perto de suas majestades – muitas vezes condenados à mais pura solidão – muitos segredos, desabafos e confidências dos próprios regentes eram-lhes confiados, tornando-os, muitas vezes, alvo de chantagem ou manipulação. Aqui não foi exceção.

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Nomes carinhosos

Segundo historiadores, Ana e Sarah trocavam correspondência quatro vezes por dia. Usavam nomes carinhosos como “Mrs Freeman’ e ‘Mrs Morley’, uma vez que nas próprias palavras da Rainha, eram “iguais”. A linguagem das cartas era floreada e romântica, repleta de detalhes íntimos, puras linhas de veneração. No entanto, Sarah era dona de um temperamento forte, feérica nas suas convicções e sabe-se que a Rainha acusava já um certo cansaço do seu controlo e possessão.

Depois da morte do rei consorte Jorge da Dinamarca e Noruega, em 1708, de quem engravidou 17 vezes sem sucesso – tiveram apenas um filho que não chegou à idade adulta — a rainha Ana entrou em depressão e parece que Sarah não foi o melhor ombro. Há relatos de não ter voltado a colocar o retrato do Rei no quarto da monarca.

A favorita

Já antes, a relação entre as duas mulheres fora pontuada por divergências políticas e pessoais. Sarah favorecia o crescimento mercantil e desejava um parlamento separado do rei, e Ana, apesar de ter introduzido o parlamento multipartidário que conhecemos hoje, inclinou-se para a política conservadora que privilegiava um monarca absoluto e cujo partido era composto pela pequena nobreza.

Porém, terá sido Abigail Masham, a dama inglesa prima de Sarah, o elemento detonador da rutura entre as duas. A monarca passava cada vez mais tempo com Abigail, que aliás chegou à corte pela mão da prima. Era das aias favoritas da rainha e o seu laço era cada vez mais forte. Um duelo entre rivais estaria próximo, já que Sarah preparava terreno para as afastar.

Gritos na escadaria

A gota de água terá acontecido numa cerimónia pública oficial nos degraus da catedral de St James. Sarah reparou que a Rainha não estava a usar as joias escolhidas por si para a ocasião e percebeu claramente que Abigail teria algo a ver com semelhante decisão. Confrontou a Rainha em pleno momento protocolar, acabando as duas a discutir, com a duquesa a mandar calar a monarca em frente à ruidosa multidão. A partir daqui, toda a coscuvilhice sobre os relacionamentos femininos de Ana ecoaram pelas ruas de Londres e muito se comentava sobre o teor das suas amizades.

A relação entre as duas estava cada vez mais deteriorada, e em abril de 1710, Sarah implorou à Rainha Ana para resolverem as suas diferenças, ameaçando-a de que iria publicar as cartas que esta lhe tinha enviado.

Foi numa sexta-feira santa que a soberana lá lhe concedeu uma “hora privada”, depois de a própria duquesa ter invadido de rompante os seus aposentos e suplicado ao escudeiro que a deixasse entrar. O pajem cedeu-lhe passagem e Sarah só parou no closet da rainha Ana, um quarto pequeno e privado. De acordo com as memórias da própria duquesa, a Rainha permaneceu calma e recolhida, dona do seu próprio espaço, e pela primeira vez não discutiram sobre Abigail. Em lágrimas, a duquesa sentiu-se derrotada , mas segundo reza a história, a monarca mostrou-se impávida e inflexível, dizendo-lhe para pôr por escrito todas as suas queixas. Sarah e o marido foram afastados da corte e as duas amigas não voltaram a estar juntas. Ana morreu a 1 de agosto de 1714, aos 49 anos, depois de sofrer bastante com vários problemas de saúde, protagonizando um dos reinados mais polémicos da monarquia inglesa. A sua história chegou ao cinema em “A Favorita”, de Yorgos Lanthimos, com Olivia Colman, Rachel Weiss e Emma Stone nos principais papéis.