Em agosto de 1991, Stefan Edberg era o líder do ranking ATP. O sueco venceu seis torneios do circuito, incluindo o US Open, e foi considerado o Tenista do Ano à frente de nomes como Boris Becker, Ivan Lendl ou Pete Sampras. O que Edberg não sabia, nessa altura, era que um muito jovem tenista suíço o tinha como ídolo. Um muito jovem tenista suíço que, nas três décadas que se seguiram, acabaria por tornar-se um dos melhores de sempre dentro do court.

Ora, em agosto de 1991, Roger Federer tinha apenas 10 anos. Com Edberg como exemplo maior — sendo que o sueco, curiosamente, acabou por treiná-lo durante um breve período entre 2014 e 2015 –, foi com essa idade que apareceu na ronda inicial do torneio juvenil de Grüssenhölzli de Pratteln, um subúrbio de Basileia. O adversário era Reto Schmidli, três anos mais velho, e a partida era totalmente lateral e desprovida de interesse. No fim, Schmidli venceu rapidamente por 6-0, 6-0: um resultado que se tornaria histórico.

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Isto porque, depois desse dia de verão há mais de 30 anos, Roger Federer não voltou a perder por 6-0, 6-0. Na verdade, nas 1.526 partidas e quase quatro mil sets que disputou até à passada sexta-feira, o tenista suíço só concedeu um set sem ganhar um único jogo em quatro ocasiões, sendo a mais recente na final de Roland Garros, em 2008, contra Rafa Nadal. Reto Schmidli é, para sempre, o único tenista que venceu Federer em dois sets sem qualquer tipo de resposta. Mesmo que hoje em dia pouco ou nada tenha a ver com o ténis.

“Honestamente, nunca prestei muita atenção a esse jogo nos anos seguintes. Depois houve um amigo que me disse que o Roger tinha dado uma entrevista a uma revista, nos Estados Unidos, em que lhe perguntaram se alguma vez tinha perdido 6-0, 6-0. E ele respondeu que só tinha acontecido uma vez, no torneio de Grüssenhölzli de Pratteln, contra mim”, contou o suíço, agora com 43 anos, ao jornal Marca. Atualmente, Reto Schmidli é polícia em Basileia, nunca chegou a ser tenista profissional e confessa que, naturalmente, era impossível antecipar aquilo que Federer acabou por se tornar.

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“Não significou muito. Ainda que fique orgulhoso porque, no fim, ficou como uma marca. O Roger estava a jogar os seus primeiros torneios, tinha 10 anos e eu tinha quase 13. Não existiam tenistas suficientes da idade dele para existir uma categoria própria então ele subiu. Nunca tinha ouvido falar dele. Algumas pessoas diziam que tinha um toque muito bom, uma boa mão, mas nada mais do que isso”, recordou Schmidli, cujo caminho depressa se afastou do de Federer.

O tenista que se retirou na passada sexta-feira entrou no centro nacional de ténis e Reto Schmidli também prosseguiu o respetivo percurso — ainda que nunca ao mesmo ritmo. “Mais tarde, acabei por entrar no clube onde o Roger tinha estado, o Old Boys, e acabei por ir para a Austrália para jogar no clube do Patrick Rafter. Estive numa família de acolhimento, jogava todos os dias. O objetivo era progredir e aprender inglês. Voltei a Basileia, tinha um bom serviço e uma boa pancada mas acho que nunca tive o talento necessário para me converter num grande jogador. Para chegar lá é preciso querer muito e que não queria. Gostava muito de jogar ténis mas, se tivesse de treinar duas semanas seguidas, acabava por me fartar”, revelou o suíço, que nunca foi além de um 40.º lugar no ranking nacional.

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Reto Schmidli entrou na universidade, começou a estudar Psicologia Desportiva mas depressa cedeu ao impacto da série policial “Columbo” e inscreveu-se para integrar a corpo de polícia. Continua a jogar ténis no clube local, participa em torneios para maiores de 35 anos e reencontrou-se com Roger Federer uma única vez. “Voltei a vê-lo só uma vez, fui assistir a um torneio de pista coberta em Basileia em que ele estava. Reconheceu-me mas não falámos do jogo em questão. Na altura, ele apareceu acompanhado pela mãe. Claro que não imaginava que tinha acabado de vencer um absoluto génio do ténis. Aquilo de que me lembro é todas as bolas dele saíam fora. Era como se já tivesse a ideia do ténis que queria jogar mas ainda não tivesse os meios necessários para a tornar realidade. As bolas iam fora e, por isso, ganhei facilmente. Mas digamos que a filosofia de jogo já lá estava”, indicou na entrevista ao jornal Marca.

Naquele agosto de 1991, Schmidli chegou à final do torneio mas perdeu contra outro jovem suíço de apelido Scheidegger de quem a História também não reza grandes feitos. No ano seguinte, Roger Federer, então já número 2 nacional na respetiva faixa etária, ganhou o torneio. Atualmente, o court de Grüssenhölzli de Pratteln já não existe — no seu lugar, nos últimos, nasceu um gigantesco IKEA. E Reto Schmidli garante que, se pudesse voltar atrás no tempo, teria feito tudo de forma diferente. “Só pensava em ganhar o jogo, claro que não pensava em ser amável com ele. Mas, se pudesse voltar àquele mesmo sítio, de certeza que o tinha deixado ganhar um jogo”, brincou.