Está revelada a data para o renovado Cinema Batalha voltar a abrir portas e a ser devolvido à cidade do Porto: 9 de dezembro. Mais de uma década depois de ter sido encerrado, a mítica sala vai voltar e já tem programação definida até julho do próximo ano, começando com o ciclo temático “Políticas do Sci-Fi”, dedicado à ficção científica.
“Mais do que uma sala de cinema, pertence à memória coletiva da cidade e é um dos seus principais elementos identitários”, referiu Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, durante a apresentação do projeto do Batalha Centro de Cinema, que decorreu esta quarta-feira. Para o autarca, a reabertura do Batalha não é o “resgatar do esquecimento uma velha sala de cinema, num gesto de mero diletantismo nostálgico”, mas sim o recolocar deste espaço cultural “no centro das vivências da cidade do Porto e das suas gentes”.
As obras no espaço estarão a decorrer até 31 de outubro. Além das duas salas de projeção preparadas para exibição de formatos digitais e analógicos — a Sala Grande com 341 lugares e a Sala Estúdio com 126 lugares –, o Batalha Cinema Centro reabre também com um espaço de galeria dedicado às artes visuais, uma biblioteca especializada em cinema, uma filmoteca e uma cafetaria e bar. Foi também reabilitado um painel da autoria de Júlio Pomar, em 1948, que foi ocultado pelo anterior regime devido às suas posições políticas.
Na programação anunciada esta quarta-feira por Guilherme Blanc, diretor artístico, estão incluídos ciclos temáticos, retrospetivas e focos em práticas contemporâneas, bem como ligações entre o cinema e outras artes.
Para março, maio e junho estão programados três ciclos temáticos que abordam e debatem questões sociais, culturais e políticas: “Domesticidade(s)”, “El Futuro Ya No Está Aqui” e “Contra-Fluxos”, um ciclo temático sobre a água, migrações e clima, com a curadoria de Almudena Escobar Lopez e Margarida Mendes.
Na programação há também ciclos dedicados à filmografia de cineastas e artistas nacionais e internacionais, entre eles Melvin Van Peebles, André Gil Mata, Zacharias Kunuk, Luísa Homem, Joanna Hogg, Lorenza Mazzetti, Basil da Cunha, Annemarie Jacir e Mai Zetterling. O primeiro ciclo é centrado em Claire Denis, um dos nomes mais influentes do cinema contemporâneo.
O Batalha terá também lugar para o cinema português, com exibições semanais (Seleção Nacional) e Luas Novas que mensalmente destacam novos nomes nacionais. Há também as Matinés do Cineclube para revisitar os momentos mais marcantes da história da instituição. A pensar nos mais jovens há ainda o programa Escolas, um programa de cinema gratuito para as escolas do Porto, dividido em quatro temáticas: Ecologia, Amizade, Identidade e Diáspora.
Guilherme Blanc sublinha que a programação foi pensada “para que as pessoas pudessem aceder a cinema contemporâneo, novo cinema, numa dinâmica de complementaridade com o novo cinema que já é apresentado em estreia comercial no Porto, mas também para que fosse uma oferta que pudesse ligar as pessoas ao cinema clássico ou ao cinema de arquivo”. O Cinema Batalha, reforça, não vai fazer estreias comerciais.
O Batalha vai funcionar numa dinâmica de complementaridade relativamente aos cinemas que já existem na cidade — nos centros comerciais ou de rua, como o Trindade ou o Paços Manuel. Não vamos fazer sessões comerciais, o que nos vai diferenciar imediatamente relativamente a outros operadores. Por outro lado, achamos que há uma expressão a nível de públicos que pode fazer esta constelação funcionar. Achamos que o Batalha pode ser um motor importante para amplificar os públicos do cinema“, explicou o diretor artístico do Cinema Batalha.
Também Rui Moreira reforçou a importância de se alcançarem novos públicos: “Há uma nova gramática relativamente ao cinema — e também muito ligada às crianças e que é à parte formativa. Uma parte significativa da programação será dedicada exatamente a esses públicos, para voltarmos a criar público, voltarmos a criar desejo e inquietação que o cinema revela”, referiu o autarca em declarações aos jornalistas.
As bilheteiras do Cinema Batalha abrem no dia 17 de novembro, sendo que a média de sessões por semana será de sete filmes e o preço dos bilhetes é de 5 euros.
Uma obra de reabilitação que durou três anos
Inaugurado em 1947 e projetado pelo arquiteto Artur Andrade, o Cinema Batalha foi sala de cinema até 2000, altura em que foi encerrado. Manteve-se fechado até 2006, quando reabriu como espaço cultural pelas mãos da Associação de Comerciantes do Porto (ACP). No fim de dezembro de 2010, no entanto, a ACP acabaria por entregar as chaves do edifício devido a “prejuízos mensais avultados”. Dois anos depois, o Batalha foi classificado como Monumento de Interesse Público.
Em janeiro de 2017 a Câmara Municipal do Porto assumiu a gestão do Batalha por 25 anos e em novembro de 2019, arrancaram as obras de reabilitação, comandadas pelos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez. O objetivo inicial era que o edifício pudesse abrir portas ao público e funcionar na plenitude até fevereiro deste ano, mas foram várias as vezes em que a obra teve de ser adiada devido a vários contratempos — desde o elevado estado de degradação do edifício a uma pandemia que veio dificultar a obtenção de matéria-prima.
Cinema Batalha: a ruína antes da mudança que toda a gente quer ver
A empreitada no histórico edifício correspondeu a um investimento da autarquia de cerca de 5,17 milhões de euros, sendo que o valor final do custo da obra, inicialmente orçada em cerca de 4 milhões de euros, “inclui os trabalhos de restauro dos frescos de Júlio Pomar, descobertos em junho, assim como algumas imprevisibilidades, tais como: a necessidade de reforço de elementos estruturais; o aparecimento de fibrocimento nas coberturas e palco; a descoberta de um poço enterrado que continha hidrocarbonetos; e, ainda, a falta de materiais e algumas alterações ao projeto solicitadas pela Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC)”, revela a Câmara Municipal do Porto.
A autarquia portuense assume os encargos das obras e vai pagar ainda uma renda mensal de 10 mil euros à família proprietária do imóvel, Neves Real, que não quis alienar o edifício.