José Ornelas, bispo da Diocese de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, está a ser investigado pelo Ministério Público. Ocorrida há 11 anos, em causa está a possível “comparticipação em encobrimento” de casos de abusos sexuais de menores de um orfanato liderado por um padre dehoniano, numa cidade da província de Zambézia, em Moçambique, avança o jornal Público.
A denúncia foi enviada ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tendo em setembro a Presidência da República encaminhado o caso para a Procuradoria-Geral da República (PGR), que confirma ao Observador ter recebida a mesma. A Conferência Episcopal Portuguesa já reagiu e garante, em comunicado enviado às redações, que o bispo “deu indicações para que as suspeitas fossem investigadas pelas competentes autoridades locais da Congregação, as quais não encontraram nenhuma evidência de possíveis abusos.”
A Conferência indica também que as autoridades de investigação judicial de Moçambique e de Bergamo, na Itália, onde residia um dos sacerdotes visados também investigaram todas as situações, tendo resultado no seu arquivamento.
Diz ainda que o bispo José Ornelas foi “surpreendido” com a notícia da investigação — e que, até ao momento, ainda não foi notificado: “Passados todos estes anos, o Sr. D. José Ornelas foi surpreendido com a informação, que lhe foi prestada por uma pessoa ligada aos meios de comunicação, que decorre uma investigação na Procuradoria Geral da República a seu cargo, sem que, até ao momento, tenha recebido qualquer notificação e cujo conteúdo desconhece.”
O bispo de Leiria e Fátima foi recebido esta manhã em audiência pelo Papa Francisco, na qualidade de presidente da Conferência Episcopal, mas a reunião, de acordo com fonte da igreja ouvida pelo Observador, já tinha sido pedida há um mês (não foi marcada de urgência). E mesma fonte afastou uma ligação direta com a denúncia conhecida este sábado.
O caso terá ocorrido há mais de uma década, em 2011. Nesta altura, José Ornelas estava à frente da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus (dehonianos). João Oliveira, professor de português no Centro Polivalente Leão Dehon, frequentado por várias crianças daquele orfanato dirigido pelo Padre Luciano Cominotti, terá ouvido um aluno a relatar alegados abusos sexuais lá cometidos. A situação, diz o Público, foi relatada a José Ornelas, líder mundial dos dehonianos, seu representante no Vaticano, tendo o professor obtido como resposta apenas duas cartas a “agradecer” os alertas, mas frisando que Luciano Cominotti não estava sob a sua autoridade, por não pertencer à congregação — não havendo quaisquer provas contra o padre Ilario Peri, diretor da escola, este da ordem dos dehonianos. A Conferência Episcopal Portuguesa diz agora que “quer a Procuradoria Geral de Moçambique, quer a Procuradoria italiana de Bergamo, em Itália, onde residia um dos sacerdotes visados (cuja nacionalidade é italiana), investigaram detalhadamente todas as situações e arquivaram essas mesmas investigações, ilibando o missionário dehoniano em questão.”
Nada feito, perante aquilo que considerou de inação, 11 anos depois, João Oliveira enviou uma carta diretamente a Marcelo Rebelo de Sousa, denunciando agora o bispo José Ornelas por nada ter feito. A denúncia, a que o Público teve acesso, fala em vários casos de abusos sexuais de menores, lendo-se que o atual presidente da Conferência Episcopal Portuguesa “omitiu das autoridades o abuso de vários menores enquanto presidente da Ordem dos Dehonianos” ou ainda que “protegeu abusadores de menores em duas ocasiões distintas”, uma em Gurúè, Moçambique, e outras em Portugal, entre 2003 e 2015, quando era chefe da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus. O presidente da República remeteu a denúncia à PGR.
José Ornelas, em declarações ao mesmo jornal diz que não teve conhecimento formal da denúncia, mas frisa que agiu em conformidade: “Não sinto que tenha existido negligência da minha parte.” Garante também que cumpriu “com toda a sinceridade com os procedimentos adequados” e que “nunca, até às denúncias do professor João Oliveira, tinha havido qualquer notícia sobre abuso de crianças” naquele centro. Explica ainda que em 2011, aquando das denúncias do professor, abriu um inquérito interno — não existe, no entanto, registo do mesmo, explica, por ter sido “informal”.
A denúncia, avança o Público, foi analisada por duas procuradoras, que determinaram a abertura da investigação, apontando na direção da “comparticipação em encobrimento”, mas falando ainda em “crimes ocorridos em Portugal”.
No comunicado, a Conferência Episcopal Portuguesa garante que o seu presidente, o Bispo José Ornelas, “declara todo o seu interesse em que qualquer caso pendente seja investigado e esclarecido, declarando-se disponível para toda a colaboração a fim de que esse objetivo seja conhecido”, pode ler-se.
Termina garantindo o “compromisso de total colaboração para que, quer na Igreja, quer na sociedade civil, todo e qualquer abuso de menores seja investigado e que se tomem todas as medidas necessárias para que estas situações dramáticas sejam clarificadas”. Isto porque, reforça, a Igreja tem “a missão de proteger os mais frágeis e permitir que cada pessoa possa desenvolver-se, desde a mais tenra idade, num ambiente seguro e acolhedor.”