Ao longo de 104 dias, Alex Drueke, 40 anos, e Andy Tai Huynh, 27, foram mantidos em cativeiro pelas forças russas. Foram interrogados, espancados, privados de comida e de água potável. Perderam perto de 14 quilos. De volta a casa a 22 de setembro, fruto da troca de prisioneiros entre a Rússia e os Estados Unidos, os veteranos militares, que serviram na Marinha, relataram numa longa entrevista ao jornal The Washington Post parte daquilo que viveram.

A ida para a Ucrânia foi provocada pelo sentido de dever: sensibilizados pelas imagens de cidadãos ucranianos a tentarem fugir do país, invadido pela Rússia em fevereiro de 2022, quiseram juntar-se à causa e ajudar na defesa daquele país.

Em abril, integraram a Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia, assinando contratos com a legião estrangeira em Lviv, no oeste da Ucrânia — mas, pouco depois, optaram por rescindir (as suas “habilidades seriam mais bem aplicadas noutro sítio”).

Acabaram por juntar-se à Task Force Baguette, uma unidade afiliada à legião estrangeira, que incluía soldados franceses. Com isto, veio o contrato militar que permitira à dupla ficar no país (os seus vistos estavam a terminar) e combater. Foram enviados para o este do país, para uma base perto da fronteira russa.

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A 9 de junho tiveram a sua primeira e última missão. Na manhã desse dia, relata o jornal americano, a unidade a que pertencia deixou Kharkiv para cumprir três objetivos: lançar drones, procurar forças militares russas e relatar aquilo que tinham observado aos seus superiores.

Aconteceu o pior: a unidade foi vítima de uma emboscada. Drueke e Huyn foram deixados para trás e o resto da unidade terá regressado à base, levando todos veículos, comida e água — o representante da Task Force Baguette negou a acusação. Detidos pelas forças russas, foram-lhes retiradas as roupas e armas. Não detalharam o local exato do cativeiro, mas confirmaram que, primeiro, foram levados para a Rússia.

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AlexDrueke, de 40 anos, foi torturado às mãos de militares russos. GettyImages

A “cidade de tendas”, as caves geladas e os gritos de dor

Depois de dias de viagem, em que os cidadãos americanos estiveram quase sempre com os olhos vendados, chegaram ao campo de trabalho, que descreveram como uma “cidade de tendas” (com seis ou sete prisioneiros em cada uma delas), limitada por duas cercas de arame farpado.

Foram submetidos a interrogatórios “horríveis” — os russos recusavam-se a acreditar que a dupla fazia parte de uma unidade militar ucraniana, insistindo que pertenciam à Central Intelligence Agency (CIA). “Eles achavam mesmo que tínhamos sido enviados pelo nosso governo ou que tínhamos muito apoio do governo”, disse Drueke.

“Eles queriam ter a certeza de que não estávamos a mentir — e tinham formas de o fazer.” Apoiados no chão pelas mãos e pelos joelhos, ao longo de várias horas (até ficarem com os pés dormentes), eram espancados caso se mexessem. Durante a noite, eram obrigados a estar e pé e impedidos de dormir.

Quatro dias depois, os prisioneiros foram transferidos para uma prisão clandestina na região de Donetsk, na Ucrânia, controlada pelas forças separatistas russas. Neste local, os maus tratos pioraram, relataram. Ali os prisioneiros eram mantidos em caves geladas, divididas por pequenas celas, com cerca de 1,5 metros de comprimento por 60 centímetros de largura.

Por dia, recebiam um pão com água, que não parecia ser potável. Ouviam-se gritos “de dor” vindos das salas onde decorriam os interrogatórios. “Essa foi uma das piores coisas”, disse Huynh. “Ouvir as pessoas a serem espancadas e não poder fazer nada.”

No andar de cima, ficavam a solitária — na chegada à nova prisão, Huynh passou aqui os dois primeiros dias; Drueke esteve ali várias semanas seguidas. Nesta cela, as forças russas punham músicas conhecidas (desde Eminem a Rammstein), tocando-as ininterruptamente, durante dias.

A violência física continuava, assim como os interrogatórios — nestes, pediam-lhes que identificassem pessoas em fotografias que os militares não conheciam. Foi-lhes também ordenado que telefonassem para organizações nos Estados Unidos, incluindo a Linha de Crise de Veteranos, que apoia militares com problemas de saúde mental.

A maioria das chamadas não tinha qualquer objetivo ou propósito aparente. No entanto, um representante da linha direta de crise forneceu a Drueke os números do Departamento de Estado e de outra agência federal americana — possivelmente, diz o Washingon Post, do Serviço de Proteção Federal. Deste segundo número, houve uma pessoa que atendeu. O militar deu-lhe as suas informações e ficou a promessa de ajuda.

Alex Drueke e Andy Tai Huynh foram também forçados a aparecer em entrevistas de propaganda, que eram transmitidas nos meios de comunicação social russos, controlados pelo Estado. Num desses momentos, foram obrigados a expressar preocupação sobre uma alegada corrupção nas forças armadas ucranianas, alertando outros americanos a “pensar duas vezes” antes de se juntarem à guerra.

Quatro semanas depois, voltaram a ser transferidos: no novo local não foram espancados, mas as condições continuavam a ser desumanas. Havia percevejos que lhes deixavam feridas em toda a pele, manchando a parede de sangue — uma semana depois de ser libertado, Hunh mantém  as costas marcadas pelos insetos.

O regresso a casa foi uma surpresa. Alex Drueke e Andy Tai Huynh não sabiam que estavam a decorrer negociações para trocas de prisioneiros entre os Estados Unidos e a Rússia. A viagem para casa foi para Drueke a pior parte: com os olhos vendados, com as mãos presas e sem quererem entrar em grandes pormenores, vieram em condições que descreveram como “agonizantes”,  “Rezei pela morte”, disse. Os dois veteranos aterraram em Nova Iorque a 22 de setembro. Continuam a receber tratamento médico.