Houve vários momentos relevantes até hoje na candidatura conjunta de Espanha e Portugal à organização do Mundial-2030. Em outubro de 2020, a assinatura de um protocolo para estabelecer estratégias comuns e plataformas de cooperação a nível técnico e de organização de eventos desportivos, entre outros pontos. Em junho de 2021, a apresentação oficial que contou com as presenças do rei Felipe VI de Espanha e com Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República de Portugal. Num detalhe que vale o que vale, aquela intervenção de Aleksander Ceferin no Football Talks organizado pela Federação Portuguesa de Futebol, presidente da UEFA que disse ter a certeza de que “o Mundial-2030 seria disputado nos dois países”.
“Ambos sentem o futebol. É uma candidatura vencedora e faremos tudo para ajudar estes países que têm paixão pelo futebol, vivem e respiram futebol e têm boas infraestruturas”, acrescentou. No entanto, e com o passar dos meses, a evolução natural dos outros projetos, entre desistências e aumento das ambições, foi tirando gás à hipótese ibérica. Não por demérito próprio, por mérito de outros. E quando uma nova ideia parecia começar a cair no goto de Gianni Infantino, presidente da FIFA, as contas voltaram a mudar.
Em Nyon, casa e coração da UEFA, os dois presidente das Federações de Futebol de Portugal e da Espanha, Fernando Gomes e Luis Rubiales, confirmaram de forma oficial aquilo que tinha sido revelado na noite de segunda-feira pelo The Times: a Ucrânia juntou-se à proposta ibérica, que passa a ser tripartida.
“Para alguns, esta decisão pode parecer surpreendente e inesperada. Para nós, foi uma decisão lógica e natural. A devastação, a fuga de milhões de ucranianos, a incerteza em relação ao futuro pesou na nossa vontade de integrar a Ucrânia nesta candidatura, que mereceu desde a primeira hora incondicional apoio do presidente da UEFA [Aleksander Ceferin], a quem desde já quero agradecer. Tem um especial significado fazer este anúncio na casa do futebol europeu. O futebol é muito mais que futebol. E não seria necessário invocar outra razão para justificar o que aqui nos traz hoje. Futebol é superação, compromisso, resiliência, inspiração”, reforçou Fernando Gomes após a conferência que oficializou a integração.
“Certamente, haverá muitas pessoas que vão pensar que o mais fácil para Portugal e Espanha seria seguir com esta candidatura tal como estava, indiferentes ao que se passa na Ucrânia. Permitam-me discordar. Acho que seria isso o mais difícil e incompreensível. A Ucrânia não pode desaparecer das nossas memórias depois de a guerra acabar. Quando esse dia chegar, tenho a certeza de que continuará a precisar de ajuda e nós queremos e estaremos presentes. Ajudar os ucranianos significa integrá-los em projetos desta dimensão, dar-lhes esperança em relação ao futuro. Apesar das poucas certezas há algo que sabemos: o futebol tem uma força mobilizadora única que não pode ser desperdiçada. É nisso que apostamos. Que este seja o Mundial que reafirme os valores estampados na Carta das Nações Unidas, de tolerância e paz”, acrescentou ainda o líder federativo, falando para Andriy Pavelko, homólogo da Ucrânia.
“Já demonstrámos capacidade para organizar eventos de primeira linha. Portugal e Espanha estão prontos para receber, juntamente com a Ucrânia, o Mundial de Futebol de 2030. Queremos um campeonato para a paz, mostrar o melhor do desporto, mas também os melhores valores da Europa”, disse António Costa, primeiro-ministro de Portugal, numa ideia partilhada pelo homólogo espanhol, Pedro Sánchez.
Com esta junção, há três impactos diretos que saltam desde já à vista: 1) a Ucrânia garante que continuará a ter o foco de todos os países num período pós-guerra (assim se espera) que será marcado por uma longa reconstrução do país a vários níveis – e foi por isso que o próprio líder do país, Volodymyr Zelensky, deu parecer positivo e com especial entusiasmo à possibilidade hoje confirmada; 2) Portugal e Espanha, que já tinham o forte apoio da UEFA neste projeto, colocam a escolha num plano que vai mais além do futebol e reforçam esse mesmo apoio europeu em torno da candidatura, podendo ainda recolher muitos votos fora do Velho Continente pelo que está em causa; 3) para haver uma possibilidade de triunfo, a guerra terá de chegar ao fim pelo menos até ao próximo Congresso da FIFA, realizado em 2024.
Com isso, e de acordo com a imprensa internacional, a candidatura ibérica mais Ucrânia voltou a ganhar espaço perante o projeto organizado por Arábia Saudita, Egito e Grécia que pela primeira vez juntava três confederações diferentes numa mesma competição, com o contra de voltar a haver um Mundial no inverno como vai acontecer em 2022 (algo com o qual clubes e jogadores não concordam, tendo em conta o impacto que tem depois no resto da temporada). Infantino terá mantido alguns contactos nas últimas semanas com responsáveis da ideia, que pretendiam assinalar o 100.º aniversário da primeira edição do Mundial com uma edição mais “global”. Dinheiro, mais uma vez, não seria uma problema, até porque a Arábia Saudita, que procura também organizar os Jogos Olímpicos de Inverno, lidera o projeto.
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