A UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) estima que o impacto orçamental em 2022 do apoio extraordinário de gás natural às empresas atingirá os mil milhões de euros, mas fala em escassez de informação na proposta do Orçamento do Estado para 2023.
“Só foi possível apurar este impacto após uma investigação aturada a várias fontes. O cruzamento de dados feito pela UTAO sustenta a sua presunção de que esta medida impactará o saldo orçamental totalmente no ano em curso, encontrando-se estimada em despesa de capital pelo montante de mil milhões de euros”.
Aliás, a UTAO salienta mesmo que “apesar do mediatismo do anúncio, a informação sobre o Pacote de Apoio à Fatura Energética das Empresas (conhecido a 12 de outubro) é muito pobre sobre as suas implicações orçamentais e deixa questões económicas importantes sem resposta”, e a proposta de Orçamento “ajudou muito pouco a reconhecer as implicações para os contribuintes de um pacote que pretende injetar cerca de 3.000 milhões de euros em subsídios no preço para os consumidores empresariais de fontes de energia primária intensivas na emissão de gases com efeito de estufa”.
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, anunciou em conferência de imprensa o apoio de 3.000 milhões de euros, mas a UTAO diz que “a informação revelada na conferência de imprensa e no documento é
demasiado vaga e deixa sem resposta questões económicas certamente relevantes para os
cidadãos”.
A UTAO é, aliás, bastante crítica sobre a informação que foi revelada. Em relação ao gás natural, “soube-se então nesse dia que haverá uma transferência do Orçamento do Estado na ordem dos mil milhões de euros para produzir descontos de cerca de 42 euros por MWh na faturação dos clientes industriais”, mas, realça, “não foi explicado em que ano ou anos será realizada a despesa pública e recebidos os descontos nem as classificações económica e orgânica da transferência”.
E, em relação à eletricidade, “ficou sem se perceber quem pagará os restantes 2.000 milhões de estímulos por iniciativa pública vertidos no ‘apoio extraordinário à eletricidade para 2023′”, e “também não foram identificados os beneficiários deste dinheiro”.
Assim, “utilizar receita com que já se contava (por exemplo, receita de leilões de licenças de dióxido de carbono e a receita da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético) para este fim tem um custo
de oportunidade que deveria ter sido comunicado aos cidadãos”, tal como “a propósito das outras
medidas regulatórias e das medidas de política que não foram sequer apresentadas”. Por isso para a UTAO “torna-se impossível verificar se estas medidas irão ser mesmo novas ou se já estão incluídas no cenário orçamental final da proposta de Orçamento do Estado para 2023″. Os 2.000 milhões de euros da eletricidade até poderiam ser destinados a amortizar o défice tarifário, reduzindo a fatura da eletricidade para todos os utilizadores, salienta o organismo liderado por Rui Baleiras. “Omitir este custo impede a sociedade de se interrogar sobre o mérito relativo deste pacote energia, até porque a subsidiação dos preços pagos pelos utilizadores de fontes primárias de energia emissoras de gases com efeito de estufa contradiz as
políticas nacional, europeia e de muitos outros países de adaptação e mitigação das alterações climáticas”.
Além de que não existe informação, salienta a UTAO, sobre as implicações nas contas públicas. “Nada é dito sobre os 500 milhões de euros que o PowerPoint atribui a medidas de política na área da eletricidade que não apresenta e não surge nenhuma referência explícita ao chamado ‘apoio extraordinário ao gás natural’. Só com um trabalho de detetive, cruzando informação granular no projeto de plano orçamental,
no relatório da POE, na base de dados da POE, no PowerPoint e nas declarações do ministro do Ambiente e da Ação Climática a 12 de outubro é que a UTAO conseguiu presumir fundamentadamente que a referida transferência do Orçamento do Estado de cerca de mil milhões de euros será registada em despesa de capital e consumada integralmente no ano de 2022 (na ótica das contas nacionais)”, segundo se lê no relatório sobre a apreciação preliminar da proposta de Orçamento do Estado para 2023.
Outro impacto orçamental efetivo incerto é o da redução da retenção de IRS na fonte para mitigar o
serviço das dívidas com habitação, “sendo certo que ele será revertido no ano de 2024 aquando
do acerto de contas entre contribuintes e a autoridade fiscal”.
A UTAO diz que teve de recorrer a várias fontes de informação para contabilizar o impacto orçamental das medidas do pacote inflação. O Governo prevê a manutenção destas medidas durante, pelo menos, parte de 2023. De acordo com os dados fornecidos na POE/2023 “prevê-se que o impacto negativo destas medidas corresponda a 917 milhões (0,4% do PIB), inferior em 4233 milhões (1,9% do PIB) ao registado em 2022”, realça a UTAO. E os custos orçamentais por causa da Covid-19 em 2023 serão pequenos, “prevendo-se apenas encargos com a aquisição de vacinas contra o vírus SARS-CoV-2, pelo que o conjunto de medidas Covid-19 dará o contributo positivo de 2,2 mil milhões de euros (1,0 pontos percentuais do PIB) para a redução do défice orçamental”.
Assim, é contabilizado um impacto de 917 milhões de euros, sendo o principal contributo a perda de receita fiscal. “A despesa com estas medidas tem uma expressão reduzida”.
Na análise à proposta de Orçamento, a UTAO considera que “a política orçamental no ano em curso (2022) deverá ser pró-cíclica e expansionista, refletindo uma deterioração do saldo estrutural primário para valor negativo em contexto de melhoria do ciclo económico”, mas para 2023, “caso se concretizem as previsões da POE/2023, a política orçamental será restritiva pró-cíclica visto que o aumento do saldo primário estrutural irá contribuir para ampliar os efeitos da deterioração da atividade económica, i.e., em 2023 haverá uma consolidação orçamental em contexto de deterioração da conjuntura.”
Ainda assim, a UTAO tem dúvidas sobre as projeções aí contidas. “A enorme incerteza do contexto geopolítico, aliada às dificuldades das intervenções dos banco centrais até à data para domar a inflação, juntamente com a degradação contínua das previsões económicas realizadas por instituições de referência, alimentam dúvidas sobre a plausibilidade do crescimento de 1,3% para o PIB real”. E, por outro lado, há riscos a forçar uma inflação mais alta do que os 4% projetados pelo Governo. Igualmente há sinais de que o preço do petróleo projetado para os 78 dólares por barril “parece otimista”, “assim como as previsões de ausência de depreciação do euro face ao dólar e de taxa Euribor a três meses na ordem dos 2,9%”.
Neste relatório, a UTAO critica ainda a falta de informação sobre eventuais impactos orçamentais da TAP e do Novo Banco.
UTAO diz não ser de excluir possível impacto da TAP e do Novo Banco nas contas públicas de 2023