Porta entreaberta e todas as possibilidades no horizonte. Pedro Passos Coelho foi esta quinta-feira confrontado publicamente com as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa — o Presidente falou num eventual regresso do antigo primeiro-ministro à vida política — e voltou a chutar para canto. Sem que, no entanto, tenha afastado definitivamente essa hipótese.
“Não há nenhuma razão para dizer que nunca mais na vida faço coisa nenhuma, seria uma tolice, um absurdo”, afirmou Passos Coelho, repetindo, mesmo assim, o mantra que tem ensaiado desde que se afastou da liderança política. “Estou muito fora de tudo e assim pretendo continuar.”
[Ouça A História do Dia sobre o eventual regresso de Pedro Passos Coelho à política ativa]
As declarações do antigo primeiro-ministro surgiram à margem de uma conferência sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que decorreu à porta fechada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. À saída, aos jornalistas, Pedro Passos Coelho explicou que o encontro foi reservado aos estudantes daquela instituição a seu pedido e por entender que a sua participação contaminaria sempre o debate público e político.
“Não estou no espaço público. Era uma aula, um ambiente académico. Não tenciono regressar a espaços políticos. As pessoas sabem disso, estou afastado da atividade política”, repetiu o antigo primeiro-ministro.
Recorde-se que apesar da especulação que vai existindo em torno de um eventual regresso de Passos à vida política ser um tema recorrente nos bastidores da direita, o tema ganhou nova dimensão depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter relançado a discussão.
Tal como Observador explicava aqui, a evocação de Passos irritou e (de que maneira) o PSD, que ficou a lamentar o facto de Marcelo ter usado o antigo primeiro-ministro para lançar uma cortina de fumo cujo único objetivo era afastar as críticas de que estava a ser a alvo à boleia das declarações que vinha a fazer sobre os casos de abusos sexuais na Igreja.
A esse respeito, os mais próximos do antigo primeiro-ministro disseram na altura que a ordem era para desvalorizar: Passos Coelho não perderia um segundo a juntar-se aos jogos de Marcelo e a alimentar a espuma dos dias da política. “A última coisa que Passos quer é o endorsement de Marcelo”, ironizava um social-democrata que conhece os dois muito bem.
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Apesar de o evento ter decorrido à porta fechada, segundo o que o Observador conseguiu apurar, Pedro Passos Coelho fez uma longa reflexão sobre o estado da Saúde em Portugal, não poupando, de resto, críticas ao atual Governo de António Costa.
À cabeça, o antigo primeiro-ministro apontou a ironia das ironias: existe um processo de privatização da Saúde em curso porque aqueles que mais juram defender a Saúde pública — o PS, leia-se — estão, pela falta de respostas eficazes, a empurrar os portugueses para o sistema privado, nomeadamente através da contratualização de seguros.
Passos foi ainda mais longe ao criticar a criação da figura de diretor executivo do SNS — uma das últimas reformas introduzidas pelo Governo socialista para responder aos desafios do setor — e vaticinou a morte inglória da ideia: o modelo não vai funcionar, porque faltam instrumentos e capacidade de decisão, e Fernando Araújo acabará como bode expiatório dos socialistas.
Apesar de estar afastado da vida pública, esta não é a primeira vez que Pedro Passos Coelho fala sobre a questão da Saúde e que aponta críticas à gestão socialista. Em junho de 2021, na sessão de apresentação do livro Um manual para a mudança na Saúde, o antigo primeiro-ministro já tinha traçado um reflexo muito negro sobre o estado do setor.
“Seria imperdoável que a esquerda, que diz que é uma espécie de ‘alma mater’ do SNS o esteja a desqualificar desta maneira e que seja o que se chama de direita sempre a tentar salvar a situação e ver se lhe consegue dar sustentabilidade”, disse na altura.
Passos, que nessa ocasião chegou a falar sobre um eventual “ponto de não retorno na Saúde”, acrescentaria mais. “Há aqui um paradoxo: como é que alguém pode considerar que o SNS funciona eficientemente se sendo universal, geral e tendencialmente gratuito, não consegue evitar que cada vez mais pessoas se dirijam às ofertas privadas gastando do seu próprio bolso. Alguma coisa aqui não está a funcionar bem. Não devíamos divergir quanto à realidade. Pelo menos. Se não estivermos a ver bem a realidade dificilmente encontraremos soluções que resolvam os problemas que temos”.
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