A Caixa Geral de Depósitos aumentou em 61% os lucros dos primeiros nove meses do ano e, com resultados de 692 milhões de euros, o banco público perspetiva que no final do ano estará em condições de pagar “o maior dividendo de sempre ao contribuinte“. Paulo Macedo, presidente-executivo do banco público, acrescenta que o banco já falou com “centenas de clientes” com vista a potencialmente reestruturarem os seus créditos, devido à subida rápida das taxas de juro. “O negócio dos bancos não é ficar com a casa de ninguém“, diz o banqueiro.
Os lucros foram suportados pelo contributo da atividade internacional e por alguma reversão de imparidades feitas durante a pandemia, que o presidente-executivo da Caixa diz, em conferência de imprensa, que foram “excessivas”. O que não “excessivo”, diz Paulo Macedo, é o lucro do banco, já que os resultados “excedem o custo de capital pela primeira vez nos últimos 14 anos”.
O indicador-chave da margem financeira (estrita) aumentou quase 25% na CGD, para 185,4 milhões de euros, devido essencialmente ao contributo da CGD em Portugal (100,7 milhões de euros). Aqui estão incluídos os rendimentos que o banco público recebeu do BCE ao abrigo do programa de TLTRO-III, um programa que visa estimular a concessão de crédito à economia e que levou a que o banco central pagasse juros aos bancos. As regras desse programa vão mudar, porém, e o BCE vai deixar de dar esse “bónus” aos bancos, que valeu à Caixa 27 milhões até ao momento em 2022 – e está “em análise” se o banco vai ou não reembolsar antecipadamente essa liquidez do banco central.
Sobre o dividendo que será pago ao acionista (Estado), só relativamente a estes lucros de 692 milhões, em nove meses, o banco calcula “um montante máximo distribuível de 286 milhões“. “Projeta-se, referente à totalidade da atividade do ano, e não se verificando qualquer impacto doméstico proveniente da evolução da situação internacional, o maior dividendo da história da Caixa, a liquidar em 2023, com impacto positivo no Orçamento de Estado, continuando a devolver aos contribuintes o esforço tido no âmbito do processo de recapitalização”, diz o banco no comunicado sobre os resultados.
“Dentro de três ou quatro anos” a Caixa sairá totalmente do edifício na João XXI, em Lisboa
A proposta de Orçamento do Estado para 2023 prevê que a Caixa Geral de Depósitos pague dividendos de 350 milhões de euros no próximo ano, referente aos lucros obtidos em 2022. Este ano, o banco público pagou ao Estado dividendos no valor de 378,3 milhões de euros, depois de um reforço extraordinário de 137 milhões devido à “situação financeira robusta” do banco.
A carga fiscal suportada no exercício de setembro de 2022 aumentou cerca de 117,5 milhões de euros (+56%) face ao período terminado em setembro de 2021. As contribuições extraordinárias sobre o setor bancário, até setembro de 2022, subiram 29% para 37,1 milhões de euros”, diz a Caixa Geral de Depósitos.
O retorno do capital investido (return on equity, ou ROE) subiu para 10,1%, o que fica em linha com os patamares de referência média na Europa. No final de setembro de 2021 o ROE da Caixa era de 6,9%. O volume de comissões cobradas aumentou 11% na atividade doméstica, de 321 milhões para 357 milhões. A Caixa não vai aumentar as comissões em 2023, acrescentou Paulo Macedo.
Paulo Macedo recusou que se possa falar em “lucros excessivos” na banca, lamentando que a Caixa não tivesse a saúde financeira que tem hoje. Isso permitiria, por exemplo, que “quando o Banif e o Banco Popular [foram alvos de resolução] foram vendidos por um euro, foi pena, porque seriam bancos que podiam ter ficado para a Caixa e continuar em mãos portuguesas“.
Essa foi parte da resposta a uma questão sobre o Novo Banco e sobre os eventuais planos de cotação do capital em bolsa. “Não vou comentar as questões se o Novo Banco vai para a bolsa ou não. Eu entendo que é bom haver instituições cotadas, pela transparência que a bolsa dá, pela possibilidade de criar um mercado de capitais mais vivo”, afirma Paulo Macedo. “Nós estamos habituados à concorrência, vivemos com a concorrência“, atirou.
“Mensagem de relativa tranquilidade” sobre subida dos juros nos créditos
Maria João Carioca, administradora-financeira do banco público, revelou que na Caixa Geral de Depósitos a prestação média mensal paga por quem tem créditos à habitação na Caixa está abaixo de 250 euros (244 euros). O banco, que quer passar uma “mensagem de relativa tranquilidade” sobre a subida dos juros, acrescenta que 90% têm uma prestação mensal inferior a 432 euros.
O banco indica que na carteira de crédito hipotecário há uma taxa de esforço (debt service to income, ou DSTI) média de 33%. Nos contratos celebrados após 2017 a taxa de esforço média é de 23%.
Paulo Macedo acrescentou que um terço dos clientes com crédito à habitação têm depósitos no banco equivalentes a 12 ou mais prestações mensais do crédito à habitação. Isto contribui para que o presidente da Caixa esteja confiante de que o impacto da subida das taxas de juro será “lidável”, desde que fique nos cenários-centrais do BCE e do FMI – que apontam para taxas de juro a subir para não mais do que 3%.
Sobre as “centenas” de clientes com os quais o banco já está em contacto, Paulo Macedo diz que a iniciativa partiu do cliente numas situações e do banco noutras. “Teremos soluções para os clientes”, diz o banqueiro, recusando que sejam “marcados” ou passem a ser alvo de um “estigma” caso peçam essa reestruturação.
O que a EBA exige (não depende do governo nem dos bancos) é que os clientes que foram reestruturados sejam assinalados no sistema. Mas nenhum desses clientes ficará afetado na relação connosco. Há clientes que podem pedir a renegociação e, por exemplo, têm uma relação positiva antiquíssima connosco e até têm depósitos”, referiu Paulo Macedo.
“Os clientes que forem objeto de reestruturação passam para stage 2“, confirmou o banqueiro, em referência aos três níveis de classificação de risco. Nas regras da EBA, um crédito em stage 1 indicam que não houve deterioração da condição financeira, stage 2 denotam alguma deterioração da situação financeira e stage 3 referem-se a um incumprimento ou reestruturação consumados.
Sobre o diploma que o Governo anunciou, Paulo Macedo diz que “vem dar uma maior segurança às pessoas” porque “traça balizas” para as taxas de esforço.
Sobre a notícia, também desta quinta-feira, que o banco vai fazer um pagamento extraordinário aos trabalhadores (que ganham até 2.700 euros), Paulo Macedo diz que houve uma decisão do banco de “fazer uma medida simples” e, questionado pelo Observador, reconheceu que “se estamos a fazer este tipo de medida isso contibui para um maior consumo e, por essa via, um eventual aumento da inflação”.
“De qualquer maneira, o valor parece-nos razoável e em linha com aquilo que deve ser uma atuação prudente mas que compense as pessoas com menores remunerações”, disse Paulo Macedo, assegurando que o banco “debateu bastante este assunto e face a todas as condições que existem, que a Caixa devia fazer este esforço adicional” e o pagamento “não foi atribuído a todas as pessoas”.