O Dia de S. Martinho, celebrado a 11 de novembro, é, na tradição portuguesa, indissociável de comida, bebida e festa, com as castanhas, a jeropiga, o vinho e a água-pé quase sempre presentes. Martinho de Tours foi o homem (real) que originou tudo isto, mas é a lenda de S. Martinho, a ele associada, que inspira a efeméride.

Para o mundo vitivinícola, é uma data com particular relevância. O famoso provérbio “no dia de S. Martinho, vai à adega e prova o vinho”, tem, na verdade uma explicação técnica, que devido às alterações climáticas não é hoje tão aplicável: por esta altura de novembro, noutros tempos, já teria havido frio suficiente para o vinho (resultante da colheita do mesmo ano) ter clarificado naturalmente, ou seja, para que as borras em suspensão, e outros sub-produtos residuais da fermentação, tivessem precipitado para o fundo do depósito, com a ajuda do frio. Assim, o vinho estaria pronto para ser provado pela primeira vez.

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Mas o dia 11 de novembro é também muito importante para a tradição do Vinho de Talha do Alentejo. Este método de vinificação milenar, que faz parte do dia a dia da cultura alentejana, tem, nesta região, o seu ponto alto no Dia de São Martinho, o tão aguardado momento da “abertura das talhas”, no qual o vinho, que esteve até esse dia dentro da talha de barro com as suas “massas” (películas, polpa, grainhas, etc) é amplamente consumido nas adegas e tabernas. Aqui, o vinho de talha branco, tinto ou “petroleiro” (mistura de uvas brancas e tintas), acompanha uma grande variedade de petiscos regionais, sem esquecer as castanhas, as nozes e os marmelos. Hoje, são várias as empresas de vinho profissionais do Alentejo que produzem Vinho de Talha certificado. Esta certificação, criada e atribuída pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, tem várias regras acopladas, e neste caso a tradição transformou-se em lei: um Vinho de Talha não pode ser retirado da mesma antes do dia 11 de novembro.

Aqui fica uma sugestão de vinhos para celebrar o São Martinho, de talha e não só, de várias regiões, preços e estilos.

Quinta da Lagoa Velha Blanc de Noirs Espumante Baga branco 2017

Bairrada, Quinta da Lagoa Velha, 12,5%, €13,90

Algo que as gentes da Bairrada sabem bem, é que castanhas combinam com espumante. Sobretudo os mais secos e tensos, porque contrastam com a perceção de gordura e densidade elevada da castanha. Nesse aspeto, esta região dá as melhores cartas, e este Baga da Quinta da Lagoa Velha é um bom exemplo. Complexo no nariz, traz notas de maçã, flores secas e levíssima panificação. Como é bem cremoso na boca, liga também à textura da castanha. Vivo, harmonioso, persistente.

(4*) Qualidade a um preço justo. Um espumante que traz todo o lado bom da casta Baga em “branco”.

Primavera Blanc de Blancs Espumante Bical Reserva branco 2015

Bairrada, Caves Primavera, 12,5%, €8,50

Depois de um Blanc de Noirs, um Blanc de Blancs, feito de Bical, outra casta muito apreciada na Bairrada. É um espumante de 2015, mas ninguém diria, pois está bem jovem e nervoso, com acidez no topo e sugestão de fruta cristalizada na prova de boca. Ao nariz traz-nos pimentas e flores secas, mas tudo em contenção.

(3*) Versátil e muito competente à mesa, com a vantagem de ser um espumante de 2015 por um preço imbatível.

Lello branco 2021

Douro, Sociedade dos Vinhos Borges, 12,5%, €4,59

Porque também há momentos para simplificar, sem deixar de desfrutar, há vinhos como o Lello, bem feitos, “diretos ao assunto”, frescos, fáceis de beber. Este branco tem bastante crocância no nariz com citrinos e casca dos mesmos, também verdes delicados. Na boca tem leveza e equilíbrio, num conjunto alegre e convidativo.

(2*) Um branco sem grandes pretensões, mas a cumprir perfeitamente o seu objetivo: um vinho agradável, bem feito, que não magoa a carteira.

Gorro Alvarinho branco 2021

Vinho Verde Monção e Melgaço, PBW – Portugal Boutique Winery, 12,5%, €14

É fácil associar Alvarinho a esta altura do ano mais fria, porque é uma casta que, sobretudo na sub-região Monção e Melgaço, origina muitos dos comummente chamados “brancos de inverno”. O Gorro Alvarinho é isso mesmo, e tem num aroma subtil e sério de citrinos e pedra raspada. De corpo elegante, e sabores longos, é “crispy”, tem uma acidez que estala e muito boa estrutura.

(4*) Um branco que revela a pureza e autenticidade da sua casta e região, com um rótulo cheio de carácter.

Herdade da Candeeira Encruzado branco 2021

Alentejo, Herdade da Candeeira, 12,5%, €12,50

A marca é uma novidade absoluta no mercado, e foi apresentada ao público em outubro. A Herdade da Candeeira pertence ao grupo Parras Wines, e estreou-se com três vinhos, um deles este Encruzado de nariz bonito, com flores e notas vegetais. Intenso nos sabores, macio e amplo, é fresco e traz à boca fruta de caroço como pêssego e ameixa branca.

(4*) Novidade “fresquinha”, com personalidade, harmonia e muito sabor.

Quinta de Ventozelo Loci tinto 2020

Douro, Quinta de Ventozelo, 14,5%, €25

Em latim, um dos significados de “Loci” é “lugar”, ou “espaço”. O novo tinto da Quinta de Ventozelo pretende reunir, numa garrafa, os vários lugares da propriedade duriense, com uvas vindas de vinhas plantadas em diferentes pontos da quinta. O lote contém Tinta Amarela (50%), Tinta Roriz, Tinto Cão, Touriga Nacional e Sousão, fazendo um tinto de aroma bem bonito e expressivo, muito puro nos frutos do bosque e nas notas de pimenta e flores. Extremamente elegante, sedoso e delicado.

(5*) Um tinto ambicioso, fino, com muita classe.

Quinta de Lemos Touriga do Bosque tinto 2015

Dão, Quinta de Lemos, 14,5%, €105

Quando provamos este vinho pela primeira vez, não estamos à espera de encontrar o Outono engarrafado, mas é mesmo isso que lá está. O nome faz-lhe jus, porque este Touriga Nacional tem mesmo perfil de bosque outonal, com imenso exotismo nas notas de folha de tabaco, especiarias como caril e agulha de pinheiro húmida. Muito puro nos frutos silvestres que traz à boca, tem imensa frescura natural e óptima acidez.

(4*) Para quem o preço não é um problema. Um Touriga com personalidade, para servir com temperatura mais baixa do que o costume.

Mamoré da Talha Moreto tinto 2019

Alentejo Vinho de Talha, Sovibor, 14,5%, €28

Este Vinho de Talha nasce em Borba, numa empresa que tem sido, nos últimos anos, uma autêntica revelação. Na verdade, também a casta Moreto (não muito abundante) o tem sido, sobretudo quando vinificada em talha. Um tinto muito complexo, com nariz profundo de fruta negra e vermelha, cera de abelha, resina, esteva e terra turfa, com fundo apimentado. Na boca conjuga elegância com potência, largura e corpo denso.

(5*) Um estrondo de tinto, com um preço inacreditável para a qualidade que apresenta.

José Piteira tinto 2018

Alentejo Vinho de Talha, Amareleza Vinhos, 13,5%, €15

De novo, um Moreto de talha, feito por uma das pessoas com mais conhecimento técnico e empírico sobre o vinho de talha, José Piteira. As notas aromáticas são bem interessantes, a puxar ao chá e infusões, com pureza na fruta silvestre, e também cereja. O tanino está bem presente e dá-lhe garra, mas bem integrado no conjunto que acaba com toque terroso e silvestre.

(4*) Um Vinho de Talha muito verdadeiro, fiel à tradição e à casta. Bom preço.

Mariana Lopes nasceu em 1991 e cresceu no meio de garrafas, provas e conversas de vinho. Começou por estudar Direito, mas acabou no Jornalismo, e hoje cruza a paixão pela escrita e pelo mundo vitivinícola sob o rótulo de WineMariana.