As crianças são muitas vezes esquecidas nos casos de violência doméstica e falta atuação rápida na sua proteção, uma realidade que a Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens quer contrariar garantindo uma resposta célere e apoio psicológico.
O projeto-piloto chama-se “A teu lado” e “nasceu para colmatar a preocupação em relação às crianças vítimas de violência doméstica“, explicou à Lusa a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), segundo a qual a experiência mostra que “há um olhar atento para as vítimas adultas”, mas “esquecem-se das vítimas crianças, que são sempre vítimas”.
Segundo Rosário Farmhouse, o projeto, que é financiado pelo mecanismo EEGrants e arrancou em finais de 2021, quer pôr o foco nas crianças “que tantas vezes ficam esquecidas no meio do conflito“, sensibilizando as várias entidades com responsabilidade e atuação em violência doméstica e criando “mecanismos mais céleres e articulados”.
A vice-presidente da CNPDPCJ, Maria João Fernandes, apontou que “tantas vezes” a criança passa por um episódio de violência doméstica e na manhã seguinte vai, como habitualmente, para a escola, onde não sabem o que se passou e não compreendem, por isso, comportamentos que a criança possa ter ou necessidades efetivas, acabando a criança por ser “duplamente vitimizada”.
Esta responsável salientou que na base do projeto estiveram alguns dados recentes, como o facto de ter havido um aumento de cerca de 30% nos casos denunciados de violência doméstica.
Concretamente nos casos que culminam com um homicídio, Maria João Fernandes destacou que “uma questão que se colocava era como é que as entidades se articulam e qual o tempo de resposta”.
“Porque aqui a ideia é no mais imediato possível providenciar todo o tipo de resposta à criança e a resposta tem de ser articulada, eu tenho de ter a ocorrência da situação, com a intervenção das forças policiais, e automaticamente a intervenção do sistema de promoção e proteção”, explicou.
Segundo a vice-presidente da CNPDPCJ, o projeto-piloto implica a identificação de pontos focais em cada uma das entidades e, dando novamente como exemplo a escola, explicou que o procedimento será o das forças policiais que tomam conta da ocorrência comunicarem automaticamente à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) territorialmente competente que, por sua vez, comunica ao ponto focal da escola e, dessa forma, a escola estar mais atenta à criança que foi vítima.
Rosário Farmhouse acrescentou que estes pontos focais terão forma de contacto permanente e a funcionar 24 horas por dia.
Maria João Fernandes acrescentou que na forma de atuação do projeto-piloto as situações são comunicadas às CPCJ e dalí para as escolas nas 24 horas subsequentes ao episódio de violência doméstica.
O projeto-piloto tem a duração de 24 meses e está, neste momento, na fase de formação de todos os envolvidos, “para uniformização conceptual e definição de procedimentos, quando não existam, ou articulação dos mesmos quando já estão identificados como boas práticas”.
Por outro lado, conta com a participação da Ordem dos Psicólogos, através da qual será garantido o acompanhamento psicológico às crianças vítimas, apesar de esta ser uma componente que só estará no terreno depois de concluída a fase de formação.
Tem também a participação do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa para acompanhamento, monitorização e avaliação.
Quando arrancou envolveu os concelhos da Amadora, Seixal, Olhão, Faro e Loures, aos quais se juntou recentemente Almada depois de reforço financeiro do projeto.
Segundo as responsáveis, a escolha destes concelhos teve a ver com o facto de, nos relatórios de atividades das comissões, serem os que apresentavam mais casos reportados de violência doméstica.
A presidente da CNPDPCJ destacou também que o “A teu lado” tem igualmente como objetivo “quebrar o ciclo intergeracional da violência”, uma vez que está comprovado que quando não há a devida intervenção em crianças vítimas, há “uma enorme probabilidade de replicar esses comportamentos”.
Daí que o projeto tenha dois grandes eixos, desde logo o acompanhamento da criança, seja a nível psicológico, mas também jurídico ou social, e o acompanhamento diário no decorrer dos episódios de violência.
“Há estudos que demonstram que as crianças em contexto de violência doméstica apresentam sintomas semelhantes a crianças em contexto de guerra”, salientou Farmhouse, destacando que na “guerra” da violência doméstica as crianças sentem que eventualmente são culpadas das agressões e se não houve uma intervenção precoce, elas normalizam esse comportamento.
Rosário Farmhouse disse ainda estar “muito otimista” dado o “enorme interesse” pelo projeto e pela respetiva formação, acreditando que este “vai fazer a diferença” a partir do momento que possa ser replicado a nível nacional, depois de terminado o piloto em final de 2023.