O PIB nacional aumentaria quase 80 mil milhões de euros se o trabalho não pago de cuidado e doméstico fosse incluído, concluiu um estudo nacional, segundo o qual a sua valorização poderia alterar o cálculo de pensões ou subsídios.

O estudo, “O valor do trabalho não pago de mulheres e de homens”, financiado pelo mecanismo financeiro EEGrants, foi feito por uma equipa de investigadores do CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social entre 2020 e 2022, incluindo-se na área de estudos sobre os usos do tempo, que a entidade investiga desde há vários anos.

Em causa, tratou-se de atribuir valor monetário a um conjunto variado de atividades, desde prestação de cuidados diretos, como ajudar uma pessoa acamada a comer ou lavar-se, a tarefas domésticas como passar roupa a ferro ou cuidar dos filhos, entre outras.

Em declarações à agência Lusa, um dos elementos da equipa de investigação adiantou que a principal conclusão do estudo foi a de que se o sistema de contas nacionais adotasse uma conta satélite do trabalho não pago de cuidado e doméstico, o valor do Produto Interno Bruto (PIB), que reflete o valor da riqueza nacional, “seria incrementado de uma forma significativa”.

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“De acordo com as nossas estimativas, e quando considerada a metodologia que usa como referência o ganho médio horário nacional, o valor do PIB seria incrementado para cerca de 292 mil milhões de euros“, adiantou Heloísa Perista.

A investigadora explicou que, para a realização do estudo, foi tido como referência o ano de 2019, quando o PIB nacional era de 212,3 mil milhões de euros, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o que significa que o aumento poderia ter sido de 79,7 mil milhões de euros.

“O que concluímos é que o peso deste trabalho não pago de cuidado e doméstico representaria mais de 26% do total deste valor acumulado do PIB“, referiu Heloísa Perista, apontando que em causa está o valor de referência de 2019 acrescido dos valores estimados com base na monitorização do trabalho não pago de cuidado e doméstico.

Segundo a investigadora, havendo a produção regular de dados estatísticos nacionais sobre o uso do tempo de homens e mulheres, seria possível “superar os limites que têm vindo a ser identificados em relação ao PIB enquanto indicador de bem-estar social”.

Apontou, por outro lado, que da investigação resultou uma outra conclusão, a de que “são as mulheres que asseguram cerca de 70% do valor de todo o trabalho não pago de cuidado e doméstico”.

Ressalvou que essa conclusão se manteve em qualquer uma das metodologias adotadas, tendo em conta que para a atribuição de um valor ao trabalho não pago foram consideradas diferentes metodologias testadas e validadas a nível internacional e que “depois de apurada reflexão” e consulta de vários especialistas optaram por recomendar a adoção do ganho médio horário nacional para o cálculo do valor monetário do trabalho não pago de cuidado e doméstico.

“Esta nova perspetiva representaria uma mudança de paradigma ao nível do sistema de contas nacionais, que daria centralidade à igualdade, entre mulheres e homens, enquanto componente do desenvolvimento económico”, considerou Heloísa Perista, que assumiu ser objetivo dar visibilidade ao trabalho das mulheres.

Salientou, a propósito, que a partir do momento em que é definido um valor monetário de referência para o trabalho não pago, uma das consequências poderá ser passar a haver fundamento para a “adoção de um critério legal para a fixação de compensações, quer em caso de divórcio ou cessação de união de facto”.

Por outro lado, e complementarmente, o valor de referência “poderia constituir-se como referência ao nível da segurança social para, por exemplo, o cálculo do montante do subsídio de cuidador informal ou até para o cálculo de montantes compensatórios ao nível da constituição das carreiras contributivas para a segurança social”.

Dessa forma, explicou Heloísa Perista, “injustiças sistémicas”, como o pagamento de salários mais baixos a mulheres que depois se refletem em pensões com valores mais baixos, poderiam ser “corrigidas de algum modo se se considerasse o valor do trabalho não pago como referência para eventuais montantes compensatórios”.

A investigadora apontou ainda que esta investigação espera “conferir reconhecimento ao valor do trabalho das mulheres”, mas também dar visibilidade e quantificar a “enorme transferência de recursos que o trabalho não pago assegura para a sociedade, para a geração de bem-estar e também para a criação de riqueza”.