Era um encontro entre duas equipas que estão longe, muito longe, do topo das casas de apostas. Duas equipas que estão longe, muito longe, de ter um lugar garantido nos oitavos de final. Duas equipas que estão longe, muito longe, de ter grande historial em Campeonatos do Mundo. Esta segunda-feira, no Mundial do Qatar, Estados Unidos e País de Gales encontravam-se num jogo teoricamente vazio de interesse — mas literalmente recheado de pontos de destaque.

Por um lado, os Estados Unidos voltavam ao Mundial depois de terem falhado o último, na Rússia, em 2018. Por outro, o País de Gales voltava ao Mundial 64 anos depois, já que a única e última participação foi no torneio da Suécia em 1958. Pelo meio, norte-americanos e galeses cruzavam-se num Grupo B onde Inglaterra já tinha goleado o Irão — e onde ficava cada vez mais claro que a grande corrida iria ser atrás do segundo lugar e da segunda vaga de apuramento para a fase seguinte.

No Estádio Al Rayyan, Gregg Berhalter lançava Tyler Adams, Weston McKennie e Musah no meio-campo dos Estados Unidos, com Weah, Sargent e Pulisic no ataque e Gio Reyna e Brenden Aaronson no banco. No País de Gales, Rob Page colocava Daniel James e Gareth Bale no setor ofensivo e sempre muito apoiados por Ampadu, Ramsey e Wilson — ou seja, não fazia grandes gestões de esforço ou poupanças no plantel.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os norte-americanos não demoraram a mostrar um ascendente natural e criaram várias situações de perigo no quarto de hora inicial, com Hennessey a evitar um autogolo de Rodon (10′) e Sargent a cabecear ao poste na sequência do lance (10′). A seleção dos Estados Unidos dominava com bola, construindo a partir do meio-campo sem permitir grandes aventuras ao País de Gales e deixando no Qatar um futebol perfumado que é o espelho da nova geração para consumo interno e exportação para a Europa.

Neste contexto, o golo surgiu de forma natural. Pulisic ganhou de cabeça no meio-campo, Musah também cabeceou, Sargent recuou para lançar o jogador do Chelsea e este assinou um passe brilhante para encontrar Timothy Weah; o avançado do Lille pegou na bola em velocidade, deixou Neco Williams para trás e abriu o marcador à saída do guarda-redes (36′) — recordando os golos do pai, George Weah, o histórico da Libéria que brilhou essencialmente no AC Milan e foi Bola de Ouro em 1995.

Rob Page mudou no início da segunda parte, trocando Daniel James por Kieffer Moore, e Gregg Berhalter só mexeu depois da hora de jogo para lançar Aaronson, Wright e Yedlin. Os Estados Unidos perderam fôlego depois do intervalo, permitindo uma reação do País de Gales que acabou por ter efeitos práticos já dentro dos últimos 10 minutos: Bale sofreu falta de Zimmerman na grande área norte-americana, converteu pessoalmente a grande penalidade (82′) e garantiu o empate e um ponto para os galeses.

A pérola

De forma quase inevitável, Timothy Weah. Filho de um antigo Bola de Ouro, nascido em Brooklyn em 2002, ainda andou pelas camadas jovens do PSG antes de um empréstimo ao Celtic Glasgow espoletar o interesse do Lille. Em França, nas últimas três temporadas, tem-se tornado uma das referências da equipa agora orientada por Paulo Fonseca que em 2020/21 conquistou a Ligue 1 e chega ao Mundial do Qatar com tudo para ser um dos destaques dos Estados Unidos. Esta segunda-feira, porém, viu Bale roubar-lhe a vitória.

O joker

Um joker que não envelhece nem mesmo quando o querem tornar mais velho do que é. Gareth Bale aterrou no Qatar para disputar o primeiro e último Mundial da carreira, para ser capitão do País de Gales na maior competição de seleções e para cumprir 90 minutos quando o mundo inteiro achava que não tinha condições físicas para lá chegar. No fim, sofreu a grande penalidade, converteu o penálti e foi o principal autor do empate que os galeses conseguiram conquistar contra os Estados Unidos.

A sentença

Por muito que o País de Gales tenha alcançado este empate frente aos norte-americanos, ficou notório e essencialmente na primeira parte que a seleção tem inúmeras limitações. Com Bale, com 33 anos e a jogar na MLS, como principal referência, a equipa orientada por Rob Page precisa de juventude, rebeldia e clarividência na hora de desenvolver a dinâmica ofensiva. Aconteça o que acontecer no Qatar, dificilmente os galeses conseguirão mostrar mais do que o que foi visível no Estádio Al Rayyan.

A mentira

A ideia de que os Estados Unidos não sabem jogar futebol já está ultrapassada. A nova geração norte-americana, encabeçada por Weah, Musah, Pulisic, Reyna e Aaronson, tem tudo para ser habitué em Campeonatos do Mundo e começar a ser cada vez mais um nome a ter em conta na corrida pelas rondas posteriores à fase de grupos. O futebol dos Estados Unidos — não o americano, só o futebol — está aí e tem muito para dar.