Na estreia no Mundial do Qatar, enquanto defensora do título e a defrontar um adversário teoricamente inferior como a Austrália, França tinha tido o maior aviso de todos logo no primeiro jogo do dia: a derrota da Argentina contra a Arábia Saudita. Os três pontos desta terça-feira eram cruciais num Grupo D onde Tunísia e Dinamarca já tinham empatado sem golos e uma escorregadela obrigaria a matemática desnecessária.

Tudo isto no contexto da seleção que, muito provavelmente, foi a mais castigada com lesões na antêcamara do Campeonato do Mundo. O Senegal perdeu Mané, a Alemanha perdeu Reus e Werner, Portugal perdeu Jota e Neto e Espanha perdeu Gayà — França perdeu Pogba, Kanté, Nkunku e Benzema. Ou seja, dois campeões do mundo, o melhor marcador da Bundesliga e o melhor jogador do mundo. Contra a Austrália, era preciso mostrar que o azar tinha ficado à porta do relvado.

Assim, no Estádio Al Janoub, Didier Deschamps lançava Rabiot e Tchouaméni no meio-campo e apostava em Griezmann, Dembélé e Mbappé no apoio a Giroud. Do outro lado, sem que existisse uma enorme referência individual, Graham Arnold tinha Mitchell Duke como referência ofensiva e o experiente Aaron Mooy, que tem muitos anos de Premier League, no setor intermédio.

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O pesadelo saudita passou pelo encontro e, ainda dentro do quarto de hora inicial, a Austrália abriu o marcador por intermédio de Goodwin (9′) — sendo que, adicionalmente, Lucas Hernández ainda ficou lesionado no lance do golo e teve de ser substituído pelo irmão, Theo. França procurou reagir à desvantagem e, já depois de quase sofrer o segundo golo com um pontapé de longe de Duke (22′), chegou mesmo ao empate por intermédio de Rabiot, que cabeceou ao segundo poste na sequência de um bom cruzamento de Theo Hernández (27′).

A seleção francesa deu a volta ao marcador ainda antes do intervalo, com Giroud a finalizar após um bom desequilíbrio de Rabiot na esquerda (32′), e a Austrália foi para o balneário a perder depois de já ter estado a vencer a campeã do mundo. A segunda parte foi bem menos equilibrada, com França a assumir o controlo absoluto da partida e a instalar-se no meio-campo australiano à procura do terceiro golo — que apareceu já nos derradeiros 25 minutos, com Mbappé a cabecear certeiro na sequência de um cruzamento de Dembélé na direita (68′).

Até ao fim, numa altura em que a Austrália já tinha claramente capitulado e estava apenas a tentar gerir danos, Giroud ainda teve tempo para bisar de cabeça após uma arrancada de Mbappé na esquerda (71′): igualando Thierry Henry como melhor marcador da história da seleção francesa, com 51 golos. França goleou os australianos, não se deixou toldar pelo deslize da Argentina contra a Arábia Saudita e isolou-se na liderança do Grupo D face ao empate entre a Dinamarca e a Tunísia.

A pérola

Um golo, uma assistência. Adrien Rabiot está a viver um dos melhores períodos da carreira, sendo titular indiscutível na Juventus, e é cada vez mais uma das figuras principais da França de Didier Deschamps. Depois de ter perdido grande parte do próprio percurso — e daquela que seria a melhor fase em termos de faixa etária e frescura física — devido às birras que fez para forçar a saída do PSG, tendo até passado seis meses afastado dos relvados por sanção disciplinar, o médio de 27 anos está agora a criar todas as condições para ser um dos grandes nomes do futebol europeu nas próximas épocas.

O joker

É o patinho feio de todas as equipas que integra, do Arsenal ao Chelsea e passando pelo AC Milan e pela seleção francesa. Assim que a lesão de Benzema ficou confirmada, depressa se antecipou que seria Olivier Giroud o substituto natural do avançado do Real Madrid — um substituto que, na opinião de quase todos, nunca iria chegar perto daquilo que era esperado do último jogador a levantar a Bola de Ouro. No fim, histórias à parte, aí está ele: marcou dois golos, chegou aos 51 por França e é agora o melhor marcador da história dos franceses em igualdade com Thierry Henry.

A sentença

A contrário dos Estados Unidos, que empataram com o País de Gales mas mostraram que podem dar muito ao Mundial, e ao contrário da Arábia Saudita, que partia como automaticamente eliminada mas surpreendeu a Argentina, a Austrália não conseguiu fugir ao praticamente inevitável. É uma seleção curta, que não tem as referências de outros tempos como Harry Kewell, Mark Viduka ou Mile Jedinak e que não soube fechar-se atrás de forma a proteger a pouco expectável vantagem conquistada numa fase embrionária da partida. Assim, adivinha-se um futuro pouco auspicioso para os australianos no Qatar.

A mentira

Ao contrário do que se podia pensar, a seleção francesa soube renovar-se face à ausência de jogadores mais experientes como Pogba, Kanté e Benzema e apresenta-se com uma nova geração de ouro que tem todas as condições para ir atrás de mais títulos. Konaté, Upamecano, Tchouaméni e o óbvio Mbappé são todos muito jovens, foram todos titulares e encabeçam todos o futuro de França e dos objetivos de Didier Deschamps. No banco, adicionalmente, ainda havia Saliba, Marcus Thuram ou Eduardo Camavinga, numa clara demonstração da profundidade e da versatilidade do plantel francês.