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Quando as tropas russas chegaram a Kherson, em março, Suedi Murekezi tinha um convicção inabalável: ia permanecer na cidade que “amava” e ajudar todos aqueles que pudesse. Mas depois de quatro meses em cativeiro, durante os quais foi interrogado e torturado, o norte-americano quer agora regressar aos Estados Unidos para junto da família.
Nascido no Ruanda, Murekezi, de 35 anos, adquiriu a cidadania nos EUA depois de fugir do país, após o genocídio de 1994. Por lá passou seis anos na Força Aérea antes de começar a investir em ações e criptomoedas, um interesse que acabou por levá-lo à cidade ucraniana de Kherson. Quando a guerra veio até à sua porta, recusou partir daquela que se tornou a sua terceira casa nos últimos três anos, apesar dos avisos das autoridades norte-americanos. “Não queria fugir. Eu amava Kherson”, afirmou em entrevista ao jornal The Guardian.
Murekezi acabou por ser detido pelas forças separatistas pró-russas durante o verão, quando conduzia o seu Dodge Challenger, enviado dos EUA. “Olhando para trás, conduzir um carro desportivo com matrícula norte-americana no meio de um cenário de guerra era definitivamente um pouco suspeito”, admite.
Seguiram-se quatro meses em cativeiro, primeiro numa prisão em Kherson, onde foi interrogado e torturado por duas vezes. O que passou não se compara, porém, à forma como assistiu os russos agirem para com os ucranianos, que eram tratados com maior dureza.
Vi coisas piores a acontecer aos ucranianos lá. Parece errado queixar-me da minha situação.”
De Kherson, Murekezi foi levado para Donetsk, onde a procuradoria local o acusou de “crimes de ódio”, com base em fotografias em que aparecia em protestos anti-russos que decorreram no final de fevereiro. “Era tudo um pouco ridículo. Eles sabiam que eu não era um espião americano ou um combatente estrangeiro, por isso usaram as imagens para me deter”, disse ao jornal britânico.
Durante o cativeiro em Donetsk, acabou por partilhar uma pequena cela com Alex Drueke e Andy Tai Ngoc Huynh, dois militares norte-americanos capturados pelas tropas russas depois de se alistarem na Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia.
Viviam daquilo que os russos lhe davam: água, pão e uma papa misturada com pedaços de carne. A maior parte do dia era passada na cela, uma vez que só lhes era permitido sair durante uma hora. “Como um grupo, tivemos bons momentos e tivemos maus momentos. Mas éramos uma equipa e sabíamos que tínhamos de sobreviver juntos“.
O grupo viria a ser separado quando Drueke e Huynh foram libertados a 20 de setembro, numa troca de prisioneiros com Moscovo da qual Murekezi ficou de fora. Só viria a ser libertado no final do mês, depois da Rússia anexar quatro regiões ucranianas, incluindo Donetsk. Foi-lhe dito que a região passara a pertencer à Rússia e que todas as acusações contra ele deixaram de se aplicar, uma maneira “conveniente” que encontraram para se livrarem da situação.
Três meses depois da libertação, Murekezi continua sem conseguir sair de Donetsk porque ficou sem os documentos de identificação. “Estou muito feliz por estar livre, mas não sei o que fazer a seguir. Os russos nunca me devolveram o passaporte e sinto-me preso aqui”, afirmou. Até agora as autoridades norte-americanas ainda não entraram em contacto consigo, mas não desistiu de encontrar uma solução para partir e tem esperança de poder regressar para junto da família até ao Natal.