O mau tempo desta quarta-feira estava previsto?
No ponto de situação que fez esta quinta-feira ao início da madrugada, André Fernandes, comandante da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, explicou que ao longo das últimas horas a “situação meteorológica agravou-se repentinamente” na região da Grande Lisboa.
A verdade é que esta quarta-feira de manhã, às 7h59, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) emitiu um comunicado em que previa chuva “por vezes forte” e “acompanhada de trovoada e rajadas” na região sul de Portugal Continental.
“Ao longo do dia 7, a precipitação estender-se-á gradualmente às restantes regiões do território continental, de sul para norte, mantendo-se sob a forma de aguaceiros fortes no dia 8, que diminuirão de intensidade e frequência a partir da tarde de dia 9”, pode ainda ler-se no comunicado, que não faz qualquer referência ao distrito de Lisboa.
Apesar de pela manhã de quarta-feira já estarem previstos valores de precipitação “significativos” ao longo dos três dias, podendo “atingir localmente entre 60 e 120 mm, em especial na região Sul”, até às 22h30 não existiam em Portugal continental distritos acima do alerta laranja.
Só nessa altura, numa fase em que já existiam vários registos de inundações em vários concelhos do distrito de Lisboa, é que o nível de alerta para “precipitação forte acompanhada por trovoada” passou para o nível máximo, vermelho. Seguir-se-iam, minutos depois, Santarém e Faro.
De acordo com Miguel Miranda, presidente do Conselho Diretivo do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), entrevistado esta quinta-feira pela 1h na SIC Notícias, graças ao tamanho dos “sistemas” em causa, que serão “muito pequenos”, torna-se mais difícil prever em que pontos exatos do território vão ocorrer.
“Há muito pouco tempo estávamos a prever um inverno seco. Este episódio mostra como a tecnologia e os supercomputadores ainda são insuficientes para o que as pessoas esperam do sistema meteorológico”, assinalou ainda. “Temos melhorado bastante nas últimas décadas, mas ainda há muito por onde melhorar.”
Em entrevista à RTP3, no final da noite desta quarta-feira, o climatologista Mário Marques garantiu por seu turno que “esta probabilidade de ocorrência” estava prevista “há quase uma semana” e criticou o facto de, pelas 18h, a Proteção Civil continuar a manter Lisboa sob alerta amarelo.
Em resposta às críticas dirigidas ao IPMA, que aponta o dedo à instituição por ter demorado a emitir avisos meteorológicos mais graves, Miguel Miranda recusa que os meteorologistas tenham subestimado a tempestade. Em entrevista à Rádio Observador, o presidente do IPMA assegura que as decisões são tomadas com base na melhor informação científica disponível a cada momento.
Nas últimas horas choveu muito mais do que é costume para esta altura do ano?
De acordo com o IPMA e a Proteção Civil, ao longo das últimas horas caiu na região da Grande Lisboa 10% da chuva que costuma registar-se em média durante um ano inteiro.
Como enfatizou o presidente do Conselho Diretivo do IPMA, os valores de precipitação registados esta quarta-feira em algumas estações meteorológicas foram “muito, muito, muito elevados” na comparação com o “registo histórico”.
“Tivemos chuva de quase 100 milímetros num período temporal muito curto. É muita água. Os sistemas de escoamento existentes não são capazes de fazer desaparecer milagrosamente toda esta água. Não é possível”, garantiu ainda Miguel Miranda.
É normal chover tanto num espaço tão curto de tempo?
De acordo com o presidente do Conselho Diretivo do IPMA não há dúvidas de que o fenómeno que aconteceu nas últimas horas na região da Grande Lisboa será um dos “sinais significativos da mudança climática na Europa”.
Fazendo referência a um relatório publicado há cerca de duas semanas, Miguel Miranda recordou que a temperatura média no continente já subiu 1,5ºC nas últimas três décadas e recordou, uma vez mais, o problema de seca e de falta de água nas barragens por que Portugal e o resto da Europa estavam a passar a apenas algumas semanas.
“É normal que tenhamos precipitação, mas estes picos de precipitação são raros. Por isso é que são alertas laranjas ou amarelos”, realçou ainda o especialista.
Qual foi o distrito mais afetado pelo mau tempo?
De acordo com a Proteção Civil, ao início da noite o distrito de Lisboa foi o mais afetado pela chuva, mas o mau tempo não é exclusivo da região.
Perto da meia-noite, também os distritos de Faro e de Santarém passaram a estar em alerta vermelho para a precipitação e trovoada.
A essa hora a Proteção Civil tinha 203 ocorrências em curso em todo o país, em que intervinham 423 operacionais e 162 viaturas.
A maioria, 83, concentrava-se no distrito de Lisboa. Em Algés, no concelho de Oeiras, uma mulher de 55 anos morreu, depois de a cave onde se encontrava ter ficado alagada.
No Algarve, sobretudo na região do sotavento, salientou Miguel Miranda, também estão a ser registadas inundações.
Na Grande Lisboa, quais foram as zonas mais afetadas?
Explicou o comandante José Miranda, da Proteção Civil, à Rádio Observador, as zonas com maior ocorrência de precipitação e “atividade elétrica” foram, dentro da Grande Lisboa, os concelhos de Lisboa, Cascais, Amadora, Sintra, Loures e Almada.
Todos os concelhos ou freguesias mais próximas do rio Tejo estão também sujeitas a maiores inundações, frisou ainda o responsável da Proteção Civil.
Minutos mais tarde, André Fernandes, comandante da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, recomendou às pessoas que “vivem em zonas mais baixas” que “procurem abrigo nas zonas mais altas dos edifícios”.
Para além de estradas cortadas — casos da Radial de Benfica e do IC20, que liga Almada à Costa de Caparica —, várias estações de comboio e de metro ficaram inundadas e foram interditas.
A circulação de comboios entre a estação do Oriente e a de Alverca, na linha Norte, também foi interrompida.
Prevê-se uma melhoria do estado do tempo nas próximas horas?
Por muito que a chuva tenha começado a amainar pelas 2h da madrugada desta quinta-feira, hora que o IPMA tinha previsto para o fim do alerta vermelho no distrito de Lisboa, os meteorologistas não arriscam para já previsões.
O mais certo, diz Miguel Miranda, é que a um período de melhoria se suceda novo agravamento do estado do tempo, sobretudo nas regiões centro e sul do país.
Avançando que os alertas vermelhos podem ser prolongados, o presidente do Conselho Diretivo do IPMA alerta para o “efeito cumulativo” que se espera ao longo dos próximos dias e que não deverá dar tréguas à Proteção Civil — “a água vai-se juntar à água”, diz Miranda.
Para além das inundações registadas nas cidades, recordou o líder do IPMA, as próximas horas devem revelar deslizamentos de terras nas zonas mais rurais.
Para além disso, acrescenta, o estado do mar também vai piorar, situação que se deverá manter ao longo de vários dias. “Esta depressão que se formou sobre o Atlântico causa uma variação da superfície do mar e uma ondulação forte”, explica Miguel Miranda.
No final das suas declarações à CNN Portugal, o meteorologista voltou a pedir à população que se mantenha, sempre que possível, em casa. “Os episódios de precipitação intensa ainda não terminaram”, concluiu.