(em atualização)

“Parecia que tinha uma missão a cumprir.” Foi assim que duas testemunhas oculares do tiroteio desta sexta-feira em Paris descreveram o francês de 69 anos que matou três membros da comunidade curda. “Não tinha expressão na cara”, contaram, sob anonimato, à BFM TV. “Estava sozinho, avançava sozinho, como nos filmes.” Depois do incidente, num dos bairros parisienses onde há uma forte presença da comunidade curda, centenas de pessoas manifestaram-se e envolveram-se em confrontos com as autoridades.

O incidente — que a comunidade curda já considerou ser um ataque terrorista — aconteceu perto do centro cultural curdo Ahmet Kaya, no 10.º arrondissement. O francês, detido no passado por crimes raciais, disparou vários tiros, matando dois homens e uma mulher, e fazendo vários feridos. Para o Presidente francês, tratou-se de um “hediondo” ataque à comunidade curda.

Foi na rua onde aconteceu o tiroteio que a tensão entre curdos e polícia estalou. Onze agentes terão ficado feridos.

Libertado da prisão há dias, já tinha atacado centro de migrantes com um sabre. Quem é William M., o homem que disparou nas ruas de Paris?

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O ministro francês da Administração Interna, que esteve no local, durante a tarde, para fazer um balanço do sucedido, afirmou que o homem, detido pela polícia e presente a interrogatório, agiu sozinho e tinha intenção de atingir estrangeiros, mas não necessariamente curdos.  “Não é certo que queria assassinar estas pessoas”, disse, por seu lado, Gérald Darmanin, ou sequer que “o tenha feito especificamente contra os curdos”. Apesar disso, o ministro afirmou que o francês “queria, obviamente, ir atrás de estrangeiros”.

A comunidade curda reagiu: vê este incidente como um ataque direto aos curdos, acusa a Turquia de estar por trás do sucedido e diz que a sua “cólera vai ser sentida em Paris” numa manifestação convocada para sábado, 24 de dezembro.

Segundo a France Info, foi exatamente quando o ministro francês falava que a tensão aumentou. A multidão presente no local dirigiu-se ao cordão policial — que selava a zona do tiroteio e o local onde falava Gérald Darmanin — e lançou projéteis na direção das autoridades. As forças de segurança responderam com gás lacrimogéneo.

Os manifestantes também queimaram caixotes de lixo e ergueram barricadas, segundo a AFP.

“Erdogan assassino” era uma das palavras de ordem. O nome do Presidente da Turquia surge entre os manifestantes numa altura em que o exército turco tem levado a cabo vários ataques contra bases curdas no Iraque e na Síria.

Gérald Darmanin garantiu que vão ser mobilizadas forças para proteger os locais onde a comunidade curda se reúne. Uma das queixas da comunidade é exatamente a falta de segurança. O gabinete do ministro também irá estudar se há outras ameaças contra a comunidade curda em França, disse aos jornalistas.

Quanto ao atirador, forma feitas buscas no seu apartamento, segundo a imprensa francesa.

Para sábado está convocada pelo Conselho Democrático Curdo de França uma “grande manifestação” na capital francesa, com início ao meio-dia na Place de la République. No comunicado de imprensa, o organismo fala de um “infame ataque terrorista” que acontece depois de “múltiplas ameaças feitas pela Turquia”.

Nesse mesmo dia, o chefe da Polícia de Paris irá reunir-se com os líderes da comunidade turca, “a pedido do Presidente da República e do ministro do Interior”, esclareceu o seu gabinete no Twitter.

Na mesma rede social, o Presidente Emmanuel Macron escreveu que “os curdos da França foram alvo de um ataque hediondo no coração de Paris” e deixou os seus sentimentos às famílias das vítimas e o agradecimento às forças de autoridade.

Comunidade curda reage: “A nossa cólera vai ser sentida em Paris”

Em conferência de imprensa, e pela voz de Agit Polat, porta-voz do Conselho Democrático Curdo em França, a comunidade atacada deixou vários alertas.

Ao Presidente francês, os curdos pedem vontade política para resolver o problema da violência contra a comunidade, acusando as autoridades francesas de complacência com a Turquia quando se trata da segurança dos curdos. “A situação política na Turquia leva-nos a acreditar que estes são assassinatos políticos”, afirmou Polat.

Polat disse que este foi um “ato terrorista” e acusou o regime de Recep Tayyip Erdogan de estar envolvido no incidente. “Estamos revoltados porque avisámos várias vezes” de que algo do género poderia acontecer, disse o porta-voz da comunidade turca.

“A comunidade curda está a sofrer”, disse, pedindo a Macron uma política inclusiva. “Se a justiça não for feita continuaremos a protestar e a procurar que se faça justiça. A nossa cólera vai ser sentida nas ruas de Paris”, reforçou Agit Polat, referindo-se à manifestação de sábado.

Reações políticas: esquerda francesa fala de racismo e ódio

“O racismo e o ódio fizeram várias vítimas no centro da capital.” Foi assim que François Hollande, antigo Presidente francês reagiu, no Twitter, ao ataque que vitimou três pessoas. “Penso esta noite em todos aqueles que foram afetados, nos curdos de França que merecem apoio, solidariedade, proteção e justiça perante este ataque mortal.”

Na BFM TV, vários políticos de esquerda apontaram o dedo à extrema direita. “A extrema direita e o racismo matam”, disse o deputado Julien Bayou, do partido ecologista Europe Écologie les Verts (EELV). “Acho que é preciso dizer e repetir que a extrema direita é um perigo.” Do mesmo partido, Sandrine Rousseau afirmou que “os curdos não foram protegidos”.

O secretário nacional do Partido Comunista Francês defendeu que “a fraternidade está em declínio” no país. “Há um clima de ódio, um clima de racismo desinibido que está a crescer”, acrescentou Fabien Roussel.

Jean-Luc Mélenchon, a cara da esquerda radical francesa e o terceiro candidato mais votado nas presidenciais francesas de 2022, esteve no local, junto da comunidade curda. O líder do partido França Insubmissa esclareceu que entre os três “ativistas curdos mortos, estava a líder das mulheres curdas” em França. E relembrou o que Agit Polat já tinha dito: “há 15 dias” os líderes políticos curdos tinham alertado para a possibilidade deste tipo de incidente.

Fora de França também surgiram reações e o chanceler alemão foi um dos políticos que escreveu sobre o ataque no Twitter. “Um ato terrível que abalou Paris e a França hoje. Os meus pensamentos estão com as vítimas e as suas famílias”, escreveu Olaf Scholz no Twitter.

Dos Estados Unidos, chegou a reação do secretário de Estado. “Os meus profundos sentimentos vão para as vítimas do ataque ao centro cultural curdo em Paris”, escreveu Antony Blinken no Twitter, acrescentando que os seus pensamentos estão com os membros da comunidade curda e o povo da França “neste dia triste”.