Maradona, Cruyff, Pelé, Di Stéfano, Cristiano Ronaldo, Messi. Por mais critérios, análises ou comparações que possam ser feitas, haverá sempre quem concorde a 100% ou discorde a 1.000% numa qualquer tentativa infrutífera ou talvez até sem nexo de eleger o melhor entre todos os melhores. Se o dicionário não estabelece qualquer tipo de hierarquia entre o conceito de “melhor”, o melhor é mesmo perceber o porquê de alguém entrar na lista de todos os melhores. Aí, o brasileiro tem currículo. Muito currículo. Desportivo, com os três Campeonatos do Mundo conquistados entre 1958 e 1970. Financeiro, com uma fortuna que alcançou valores estratosféricos mesmo depois de deixar o futebol. Social, com um reconhecimento que até aí só Di Stéfano alcançara por ser o símbolo das cinco Taças dos Campeões seguidas do Real. Mas era mais do que isso.

Pelé terá sempre uma simbologia especial no Santos e no futebol brasileiro como marco de uma revolução e virar de página que ainda hoje perdura. Em grande parte, foi ele que ao tornar-se Ele construiu aquilo que é o ADN do futebol mais puro e canarinho de que há memória, quebrando com a sua genialidade os traumas do futebol mais físico do Uruguai que provocou o Maracanazo na final do Mundial de 1950 e do futebol mais tático das maiores potências europeias. Para a história ficou a descrição de ginga, no campo o nome era Pelé. Sem isso, nem o futebol é o que era, nem o Brasil chegaria onde já chegou (e pode chegar). Mas o Rei tinha mais do que uma coroa e a sua ida para os EUA, onde jogou quatro anos no New York Cosmos, colocou Pelé como o primeiro fenómeno mediático de um desporto que nos anos 70 se tornara algo global.

Foi no início dessa década que Robert Vergne, jornalista do L’Équipe, descreveu o brasileiro como “talvez a quarta ou quinta pessoa mais famosa do mundo, superado por Papa, Nixon, Mao e de Gaulle”. Mais tarde, nos anos 90, um estudo feito sobre marcas e nomes mais conhecidos colocava mesmo Pelé à frente da Coca-Cola e do Papa. Como recordava o UOL, foram muitos os chefes de Estado que se encavalitavam em viagens para se cruzarem com o astro. Isabel II, que o condecorou com a Ordem do Império Britânico depois de um primeiro contacto no final da década de 60 no Maracanã, já o conhecia bem antes desse momento.

Tudo isso criava algo: valor. Em 2010, os estudos feitos sobre o número 10 avaliavam-no em 600 milhões de reais, quase 110 milhões de euros à cotação atual que nos dias de hoje valeriam quase três vezes mais. Todos os eventos onde marcava presença eram pagos a peso de ouro, o dobro quando os mesmos aconteciam fora do Brasil. Um ano antes desses trabalhos, os direitos do nome Pelé tinham passado para uma empresa norte-americana, a Sports 10. E foi a principal cara da última década a nível de representação global do tricampeão mundial de seleções, Joe Fraga, que confirmou mesmo a notícia da morte do astro aos 82 anos.

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Também nesse aspeto, e mesmo não tendo a formação para tal, Pelé desde miúdo que soube gerir o seu nome como marca (embora ainda hoje seja acusado por alguns por não ter defendido ainda mais os negros no Brasil), algo registado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial em 1961. Quatro anos antes, como recordou a Folha de São Paulo, não quis aceitar a primeira oferta publicitária feita por uma marca de aguardente de Piracicaba a conselho do então capitão do Santos, Zito. Não foi a única: a Johnnie Walker nos anos 90 falhou, as tabaqueiras idem. O avançado ainda estava a começar e já começava a perceber que seria depois da carreira que chegariam os mais chorudos contratos como aquele que assinou pelo Cosmos.

Ao longo de meio século, houve Pelé como garoto propaganda em quase tudo, da roupa às vitaminas, dos carros aos aviões, dos bancos aos telemóveis, dos refrigerantes aos produtos contra a impotência sexual. E houve Pelé muitas vezes tendo apenas as ideias ou a (pen)última palavra num caminho que, até Joe Fraga, teve antes a influência do grupo Wagner que detinha o New York Cosmos, passou pela brasileira Prime Licenciamentos e desaguou onde se encontra agora, na Sports 10. E encontra-se a todos os níveis.

O agente norte-americano, que conheceu o antigo jogador em 2022 assumiu o comando da agência que tinha os direitos de propriedade intelectual e ficou com a exclusividade da gestão de todos os negócios, não só a nível comercial mas também de produtos, de eventos públicos ou das redes sociais oficiais, que ganharam um outro impulso nos últimos anos com Pelé a ter mais dedo nas mesmas do que se poderia pensar. “Houve necessidade de nos reinventarmos durante a pandemia. Como avançámos para trabalhar dentro dos novos parâmetros que o mundo recebeu não foi fácil mas conseguimos com os media via Zoom e outras tecnologias que fizeram as coisas acontecerem”, contou ao UOL. Por exemplo, em 2021 fez uma transmissão com Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, para divulgar a opção de transação financeira via WhatsApp. “Hi, king of zap zap“, começou por dizer Pelé na interação, que rendeu mais uns milhões.

O brasileiro nunca se adaptou muito bem ao WhatsApp mas nem por isso deixou de divulgar as múltiplas funções, num extenso leque de contratos que teve sempre a Mastercard como principal referência (a render quase um milhão de euros por ano desde 1994 num vínculo que nem mesmo depois da guerra da marca com a FIFA foi quebrado). “Não tenho dúvidas que ganho mais dinheiro com campanhas publicitárias do que cheguei alguém dia a sonhar quando jogava futebol”, confidenciou o jogador à USA Today em 2002, ano em que conseguia cerca de 20 milhões de euros/ano só com vertente comercial e exploração da marca.

Em 2020, data que assinalava o 80.º aniversário e os 50 anos da conquista do terceiro e último Mundial, Pelé cancelou os encontros previstos com o Papa Francisco ou Michelle Obama, entre outras viagens por três continentes. Em paralelo, ganhou uma outra vida nas redes sociais, com Joe Fraga, que antes trabalhou com o antigo presidente norte-americano Bill Clinton, a montar uma autêntica equipa para gerir as suas páginas com dois jornalistas brasileiros e a Rebel Ventures, que trabalha com marcas da NBA, Real Madrid ou Barcelona. Havia um calendário definido com uma série de datas, ações sociais ou publicidade e uma agenda que funcionava mediante o que fosse acontecendo. Papel de Pelé? Maior do que se pensava, havendo reparos a textos e fotos que eram depois corrigidos. “Às vezes vem com uma ideia diferente da que foi imaginada pelo parceiro ou pela nossa equipa e costuma ficar melhor porque ele é assim. Às vezes quando não queria fazer algo num determinando momento, lembro que existe um contrato e até tenho uma piada para ele: ‘Ok, você é o Rei mas eu sou o chefe'”, contou Fraga numa entrevista ao Globoesporte em 2020.