A felicidade através da dança e música dos povos indígenas e das músicas de matriz africana tomaram conta do Palácio do Planalto, num cenário que contrasta com o brutal aparato policial visível poucos metros mais à frente.
“O amor venceu e estamos aqui numa forte mensagem que os fascistas não venceram”, conta à Lusa Mara Santos, membro da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, já à saída do Palácio do Planalto, depois de assistir ao momento inédito em que a influente líder indígena brasileira Sônia Guajajara se tornou ministra dos Povos Indígenas e a ativista dos direitos humanos Anielle Franco, herdeira política da irmã, a conselheira do Rio de Janeiro assassinada Marielle Franco, se tornou ministra da Igualdade Racial.
Passados quatro dias ainda são visíveis os estragos causados no domingo por parte dos apoiantes do ex-presidente Jair Bolsonaro. Apesar das intensas limpezas e restauros, ainda se encontram vestígios do ataque ao coração da República brasileira.
Grande parte do Planalto está sem vidros, sofás rasgados e ainda se vislumbram escombros da destruição, apesar de poucos e arrumados ao canto.
No final da cerimónia, ainda dentro do Palácio do Planalto, a sala lotada virou ‘uma roda de samba’ com ‘o Brasil raiz’, os povos originários e de matriz africana, a dançar e a abraçar-se.
“Por Marielle”, gritava-se no salão, que minutos antes tinha assistido à nomeação da irmã, Anielle Franco.
“Depois dos atentados sofridos por esta casa e pelo povo brasileiro no último domingo, pisamos aqui em sinal de resistência a toda e qualquer tentativa de atacar as instituições e a nossa democracia. O fascismo, assim como o racismo, é um mal a ser combatido em nossa sociedade”, disse a nova ministra da Igualdade Racial.
“E aqui, Sônia Guajajara e Anielle convocam todas as mulheres para dizer, juntas, que nunca mais vamos permitir um outro golpe no nosso país“, declarara antes Sônia Guajajara, numa sala, com a presença do Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, onde se gritou “sem amnistia”.
Já na saída do Palácio do Planalto, grupos indígenas cantavam músicas tradicionais para regalo dos que vieram assistir à tomada de posse das duas mulheres.
“As patriotas de verdade são estas”, atirou uma mulher transgénero vestida de amarelo, agarrada a uma mulher negra vestida de verde, as cores da bandeira brasileira que foi capturada como um símbolo do ‘bolsonarismo’.
O cenário de descontração contrastava com a ‘dura realidade’ uns metros mais à frente. Do outro lado da estrada, na Praça dos Três Poderes, milhares de veículos e de pessoal das forças de segurança estavam em estado de alerta máximo para fazer aquilo que não conseguiram no domingo: defender os símbolos máximos da democracia brasileira.
Todos os acessos à Esplanada dos Ministérios, avenida por onde os simpatizantes de Bolsonaro desceram no domingo rumo à Praça dos Três Poderes, estavam bloqueados com um forte contingente policial.
Nas redes sociais de apoiantes do ex-presidente circulavam apelos para a “Mega Manifestação Nacional pela Retomada do Poder” em todo o país às 18h00 de quarta-feira (21h00 em Lisboa).
Segundo a imprensa local, apenas dois manifestantes apareceram em Brasília.
O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ordenou às autoridades em todo o Brasil que impedissem e que detivessem qualquer pessoa que tentasse o bloqueio de quaisquer estradas, autoestradas ou acesso a entidades públicas.
O magistrado ordenou também que a plataforma Telegram bloqueasse canais e perfis que promovessem tais atos, uma instrução que foi cumprida pela rede social.
Apoiantes de Bolsonaro invadiram e vandalizaram no domingo as sedes do STF, do Congresso e do Palácio do Planalto, em Brasília, obrigando à intervenção policial para repor a ordem e suscitando a condenação da comunidade internacional.
A Polícia Militar conseguiu recuperar o controlo das sedes dos três poderes, numa operação de que resultaram cerca de 1.500 detidos.
A Polícia Federal brasileira informou que cerca de 600 pessoas presas acusadas de participarem nos atos, na maioria idosos com mais de 65 anos, mulheres que têm filhos pequenos e pessoas com comorbilidades graves, foram libertadas.