O debate entre os candidatos à liderança da Iniciativa Liberal que aconteceu nos estúdios do Observador começou com uma picardia entre os dois candidatos mais conhecidos, Carla Castro e Rui Rocha, e assim continuou — com os dois a trocarem acusações de jogo sujo e de “vitimização” e o terceiro candidato, José Cardoso, a concluir que por este andar nenhum dois dois (ambos dirigentes atuais da IL) conseguirá mudar o partido e fazer um “milagre” na Iniciativa Liberal.
A discordância começou logo de início, quando Carla Castro defendia mudanças na estratégia do partido: para a candidata, os membros e núcleos da IL devem assumir um papel “muito mais ativo” do que aquele que têm hoje e a comunicação deve ser mais ambiciosa: “Somos mais do que Whatsapp e Tik Tok, temos de sair para a rua”. Já o programa do partido deve ser desenvolvido, defendeu, sem “medidas avulso” — aproveitando o embalo para deixar já críticas a propostas de Rui Rocha, como uma farpa direta ao candidato: “A política tem de ser sustentada e não pelos títulos”.
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E apesar de Castro dizer que já antes expressava, internamente, as mesmas farpas ao rumo que estava a ser seguido pelo partido, Rocha foi rápido a lançar uma farpa: disse não ter essa “memória, essa perceção” de críticas “veementes” feitas por Carla Castro e até lembrou que a candidata é a pessoa que teve responsabilidades diretivas durante mais tempo e que não pode agora dizer que a gestão do partido é autocrática. Voltava a ficar marcada a diferença entre Rocha, o candidato da “continuidade” e da linha de João Cotrim Figueiredo, e Castro, que promete trazer mudanças aos liberais.
Mas a falta de memória de Cotrim sobre as críticas internas que Castro já faria, nos órgãos próprios, é um “apagão” que a candidata, com ironia, “estranhou”. José Cardoso, o terceiro candidato que apareceu na corrida — e que é o menos conhecido — resumiu a discordância assim: “A Carla é como o ladrão que ficou à porta” — se tinha divergências devia ter-se “demitido” da liderança e assumido a sua posição de forma mais frontal.
A conversa continuou a azedar, sobretudo, entre Rocha e Castro. Se a candidata se apressou a acusar o adversário de fazer jogo sujo, desta vez detalhou que circulam insinuações “sobre membros” da sua lista que nem sequer são “temas” — mas são, ainda assim, “sistematicamente colocados em cima da mesa”.
“Não é correto nem útil para a campanha”, atirou, garantindo que quer fazer uma campanha “elevada”. Rocha ripostou: não só disse estar “chocado” com essa “imputação” de Carla Castro, recusando estar a fazer jogo sujo, como acusou a candidata de estar a “vitimizar-se”.
Cardoso foi assistindo à troca de acusações entre os outros dois dirigentes, e aproveitou para ironizar: durante os últimos anos não transformaram o partido, vão agora operar um “milagre?”.
Repetir Açores? Carla Castro quer ouvir órgãos do partido
Uma das questões mais quentes continua a ser a política que os candidatos vão querer seguir em relação ao Chega e a acordos futuros que possam envolver o partido. E aqui continuam a subsistir dúvidas: questionada sobre o que faria se se voltasse a repetir a hipótese de fazer um acordo de governação nos Açores — e depois de ter dito, em entrevista ao Observador, que não o faria nem na Madeira nem a nível nacional — Carla Castro acabou por recordar que o acordo formal da IL nos Açores foi feito apenas com o PSD (o que não exclui o Chega de fazer os seus acordos paralelos com os sociais democratas).
Por isso, a candidata disse, por um lado, que a IL não deve “entrar em acordos em que, obviamente, seja uma hipótese de alguma forma estar o Chega” e que está “cortada a hipótese de fazer um acordo com o Chega”, enquanto ia sendo questionada sobre Rui Rocha no sentido de esclarecer se planeia excluir-se de qualquer acordo que, mesmo paralelamente, possa vir a ser sustentado pelo Chega. Acabou por recordar que quer o núcleo dos Açores quer o Conselho Nacional têm ainda uma palavra a dizer.
Rocha foi claro: a sua visão é que será viável um acordo com o PSD, com um caderno de encargos definido como já aconteceu nos Açores, mas desse acordo tem de constar uma condição extra: não haver acordos paralelos com “partidos extremistas”. Para já, frisou, o PSD precisa de ser igualmente claro sobre a sua relação do Chega (“é a pergunta que falta no sistema político português”) — e o Chega deve esclarecer o que faria num cenário em que a alternativa fosse viabilizar um Governo PS ou PSD/IL.
Já José Cardoso defendeu que a IL deve estar sempre disponível para fazer acordos de governação com partidos que não sejam extremistas nem populistas. Mas também não exclui que o PSD possa fazer acordos paralelos com o Chega na mesma — “Não tenho nada a ver com isso, isso é um problema do PSD”.
E acrescentou ainda que a prioridade do partido deve ser governação e não dar primazia a “bairrismos” — embora admitindo que isso seria impossível com “este PS, estatista, seca tudo à sua volta”.
Cardoso quer partido descentralizado, Rocha promete quebrar com bipartidarismo
Na sua apresentação inicial, e desafiado a explicar porque é que é diferente dos outros candidatos (que diz serem ambos “arroz”, ou mais do mesmo), José Cardoso garantiu ainda querer um partido “muito mais descentralizado”, com base naquilo a que chama “liberalismo de proximidade” e mais centrado no cidadão. E garantiu sentir-se “diferente” dos rivais, até porque costuma contar com o voto “contra” as suas propostas nas reuniões da atual comissão executiva — onde estão os outros candidatos.
Já Rui Rocha garantiu que tem a capacidade de apresentar uma visão “diferente” para o país, já no contexto da guerra e da crise energética e inflacionista que se seguiram, e que não existiam quando a IL desenhou o seu programa eleitoral. “Trazemos propostas concretas para uma visão de país completamente diferente”. Com a sua liderança, a IL pode “romper com o bipartidarismo”, prometeu.