Os 4.815 casos de abuso sexual estimados pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica não são um número mínimo ou médio de vítimas estimado pela equipa. Nem são uma contabilização exata. São um número “potencial” — e resultaram de cálculos efetuados com base numa tabela de equivalência.
É o que vem explicado no relatório final, com quase 500 páginas, disponibilizado na íntegra ao início da tarde A estimativa é “grosseira” e realizou-se “por defeito”, assume a Comissão, mas parte de um número concreto: as 512 vítimas de abuso sexual no seio da Igreja Católica que preencheram o inquérito disponibilizado pela comissão independente e cujos depoimentos foram considerados válidos.
A cada um deles foi perguntado se sentiam que eram a única vítima daquele abusador ou se sabiam da existência de outros casos. Uma parte das vítimas — 13% das 512 pessoas — não respondeu às questões. Três em cada 10 (28,5%) declararam que sentiam que eram as únicas vítimas.
Mas quase seis em cada 10 destas vítimas (58,5%) disseram saber de outras crianças e adolescentes abusados. E foi a resposta destas últimas à pergunta que obrigou a comissão a criar uma tabela de equivalência para estimar o número total de vítimas.
É que algumas das respostas eram muito descritivas: “Em alguns casos, apresentam quantificações muito precisas e detalhadas que incluem, por exemplo, os nomes de outras vítimas, uma referência específica ao abusador e ao local ou circunstância em que o abuso teve lugar”, descreveram os autores do relatório. Noutros, as respostas foram “vagas, impressionistas e especulativas”.
Por isso, para esses casos, os membros da comissão estipularam um número estimado de vítimas para cada tipo de resposta — um “exercício de quantificação” que foi sumarizado numa tabela. Não é claro no relatório que metodologia foi utilizada para estabelecer um número estimado para as respostas mais vagas.
Aliás, os autores admitem mesmo que “a quantificação da rede de pessoas vítimas” seria sempre “arriscada e difícil tendo por base um instrumento desta natureza” — e, por isso, “torna-se particularmente imprecisa”.
Com base nestes cálculos estimados, a Comissão Independente estipulou que, tendo em consideração o número de vítimas equivalente às respostas que haviam enviado, os 512 sobreviventes tinham conhecimento aproximado de outras 4303 vítimas. É a soma desses milhares de casos com as 512 vítimas de abuso sexual que permite chegar às 4815 pessoas abusadas no seio da Igreja Católica anunciado na apresentação do relatório.
No relatório, e no ponto relativo à “estimativa de quantas outras pessoas eram vítimas”, a Comissão Independente indica que os 4815 casos são “um número potencial” de vítimas e que esse valor “resulta da soma dos testemunhos individuais (512) com esta estimativa (4303)”.