Os membros da Comissão Independente sobre abusos da Igreja apresentaram, esta segunda-feira, as primeiras estatísticas sobre as 512 queixas validadas. Os dados, que traçam um retrato sobre a situação dos abusos sexuais na Igreja em Portugal, incidem quer sobre as vítimas, quer sobre os abusadores.
Relativamente às vítimas que apresentaram queixa, 52,7% eram do sexo masculino, enquanto 42,2% eram do sexo feminino. A socióloga Ana Nunes de Almeida, que apresentou os dados na conferência que se realizou na Fundação Calouste Gulbenkian, descreveu o número de queixas feitas por mulheres como um “dado muito interessante”: “É incomparavelmente superior a outras amostras [em outros contextos]”.
O perfil das vítimas hoje em dia apresenta também as seguintes características:
- A idade média das vítimas é atualmente de 52,4 anos.
- 88,5% residem em Portugal, a maioria em Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Leiria.
- 53% assumem-se como católicas, 25,8% das quais são praticantes.
- 32,4% são agora licenciadas e têm “profissões intelectuais e científicas”.
No que diz respeito ao momento dos abusos, a média de idades das vítimas é de 11,2 anos (nos rapazes é de 11,7, enquanto nas raparigas é de 10,5). Além disso, 58,6% das vítimas viviam com os pais ou com irmãos. Cerca de 20% estavam institucionalizadas e 7,8% estavam integradas em famílias monoparentais.
Numa perspetiva temporal, maioria das queixas recebidas datam das décadas de 60, 70 e 80. “Não houve qualquer diferença após o 25 de abril”, notou Ana Nunes de Almeida. Um total de 19,9% dos abusos ocorrem entre 1971-1980, 19,3% entre 1961-1970 e 19,1% entre o 1981-1990. Nos últimos anos — entre 2011 e 2020 — a Comissão registou 6,1% das queixas.
Ao longo do tempo, os abusos a menores do sexo feminino decorriam, no início dos anos 40, quando as crianças tinham cerca de oito anos. Com o passar do tempo, a idade foi aumentando, sendo que atualmente maioria das queixas ocorre em média em menores de 13 anos.
Por sua vez, nos rapazes, maioria dos abusos ocorriam, na década de 40, aos 12 anos. Em sentido inverso às raparigas, a idade em que decorrem os primeiros abusos mantém-se nos 12 anos.
Em termos especiais, 120 dos abusos ocorreram em Lisboa, 64 no Porto, 55 em Braga, 26 em Leiria e 21 em Coimbra. “Há um grande dispersão. Os abusos estão espalhados em todo o país”, comentou Ana Nunes de Almeida.
A Comissão também apurou quais foram as principais modalidades de abusos. “Predominam os abusos mais evasivos sobre as formas que não envolvem contacto com o corpo da vítima”, indicou a socióloga Ana Nunes de Almeida, que referiu existir uma distinção entre os abusos a rapazes e a raparigas.
Nos rapazes, os principais tipos de abusos são o sexo anal, manipulação de órgãos sexuais e a masturbação. Nas raparigas, na maioria trataram-se de formas de insinuação, conversas inapropriadas principalmente sobre o corpo.
Para além disso, 23% dos abusos tiveram lugar em seminários, 18,8% na “igreja em geral”, isto é, como explica Ana Nunes de Almeida, em “vários sítios”: “Na sacristia, no altar, entre outros”. 14,3% das vítimas contaram que foram abusadas no confessionário, 12,9% na casa paroquial e 6,9% numa escola católica.
“A esmagadora maioria das vítimas foi abusada mais do que uma vez”, adiantou Ana Nunes de Almeida, estimando-se que isso aconteceu com 57,2% das vítimas. Um total de 27,5% dos inquiridos sinalizaram que os abusos “duraram mais de um ano”.
Os abusadores: homens, padres e próximas das crianças
No que concerne aos abusadores, o perfil traçado pelo relatório dá conta de que 97% são do sexo masculino, 77% eram padres e 47% mantinham uma relação próxima das crianças, seja na Igreja, seja nos escuteiros.
Na fase classificada como pós-abuso, o inquérito indica que 52% das vítimas apenas quebraram o silêncio 10 anos ou mais tarde. Os homens preferiam confidenciar o sucedido a parceiros ou a amigos, enquanto as mulheres à família e ascendentes.
Antes de irem à comissão, um total de 43% das vítimas nunca tinham contado a ninguém os abusos de que foram vítimas — apenas revelaram o sucedido no momento da investigação. Já 77% nunca apresentou queixa à Igreja e apenas 4% avançou com uma queixa judicial.
A Comissão Independente elaborou também uma cartografia especial dos abusos com o eixo horizontal a dar conta das “características físicas dos espaços” e das modalidades de abuso. Já o eixo vertical faz a comparação entre a idade das vítimas e o espaço onde decorreriam os abusos.