A escolha dos candidatos nacionais à Procuradoria Europeia não pára de dar problemas aos governos de António Costa. Depois de o primeiro concurso em 2020 ter ficado ensombrado com a polémica à volta da escolha entre José Guerra e Ana Carla Almeida, é a vez de o processo para a escolha do substituto de Guerra (que termina o mandato em julho de 2023) também nascer torto.

Dos primeiros concursos apenas nasceram dois candidatos elegíveis (o juiz Ivo Rosa e o procurador José Ranito), mas agora o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) vem dizer que não chega: têm de ser apresentados no mínimo um total de três candidatos, sendo que o número ideal são seis candidatos (três para a magistratura do Ministério Público e três para a magistratura judicial).

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O parecer datado de 19 de janeiro de 2023, ao qual o Observador teve acesso, foi emitido a pedido de Catarina Sarmento e Castro e já foi homologado pela ministra da Justiça. Ou seja, o Governo acolheu a interpretação do Conselho Consultivo da PGR e deverá solicitar ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) e ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) a abertura de novos concursos.

Recorde-se que a polémica do primeiro concurso provocou a demissão de Miguel Romão, então diretor-geral da Política de Justiça do Ministério da Justiça, e levou mesmo a então ministra Francisca Van Dunem a pedir a demissão ao primeiro-ministro.

Conselho Consultivo clarifica: três candidatos é o número mínimo

A ministra Catarina Sarmento e Castro solicitou no final de 2022 um parecer urgente ao Conselho Consultivo da PGR depois de ter recebido apenas os nomes do juiz Ivo Rosa (indicado pelo CSM) e do procurador José Ranito (selecionado pelo CSMP).

Ora, a ministra da Justiça tinha dúvidas sobre a interpretação da lei portuguesa e do regulamento europeu que regula o processo de seleção dos candidatos nacionais que serão apresentados pelo Governo à Assembleia da República para uma audição na 1.ª Comissão e, posteriormente, ao Conselho da União Europeia para serem terem uma avaliação final por um comité de especialistas.

A principal dúvida de Sarmento e Castro resume-se numa pergunta: será que é legal que apenas sejam apresentados dois candidatos?

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O parecer do Conselho Consultivo, que tem como relator João Conde Correia (curiosamente, um dos concorrentes preteridos no concurso de 2020), diz claramente que os CSM e o CSMP devem indicar cada um “três candidatos”, num total de seis candidatos.

Caso tal não seja possível, lê-se no parecer, a lei impõe à mesma que o “número de candidatos apresentados à AR deverá ser igual ou superior a três”. Dito de outra forma, “poderá transmitir menos de seis, mas nunca menos de três.”

Ora, e ao contrário dos concursos de 2020 que geraram um total de quatro candidatos (um juiz que não foi considerado elegível pela então ministra Francisca Van Dunem e três procuradores), os concursos de 2022 não cumpriram o número mínimo legal de candidatos, de acordo com a interpretação do Conselho Consultivo.

Conselhos podem endereçar “convites” a candidatos

E agora? A resposta é clara: “Os conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público devem reabrir o concurso para satisfazer o número mínimo de candidatos designados”, lê-se no parecer.

E se o número de candidatos aos concursos que serão reabertos continuar a ser inferior a três? Então, “os conselhos devem convidar candidatos ao cargo de procurador europeu que não tenham sido opositores ao referido concurso”. Isto é, que não tenham concorrido.

O que dá espaço de manobra aos órgãos de gestão dos juízes e dos procuradores para procurarem pelos seus próprios meios candidatos elegíveis.

E se, mesmo assim, os conselhos não conseguirem cumprir a regra dos três candidatos? O parecer não é claro sobre o passo que deve ser dado, mas a deixa a sugestão de o Governo ponderar  “uma intervenção legislativa dirigida para a resolução das obscuridades e omissões legais detectadas.”

Três votos contra que contestam possibilidade de convites feitos pelos conselhos

Esta interpretação do Conselho Consultivo, contudo, não fui unânime. O parecer foi aprovado com cinco votos a favor e três votos vencidos que tiveram declaração de voto.

Por exemplo, o vice-procurador-geral da República Carlos Adérito Teixeira entende que o regulamento da União Europeia que estabeleceu a Procuradoria Europeia “não impôs qualquer metodologia de seleção dos três magistrados”.

Por isso mesmo, o braço direito da Procuradora-Geral Lucília Gago discorda do pressuposto essencial do parecer da autoria de João Conde Correia: a “obrigatoriedade intransigente na indicação de três magistrados por cada Conselho Superior”.

Entre outras razões, Carlos Adérito Teixeira diz que “não é possível que se venham a garantir, alguma vez, condições fenoménicas de cumprimento da obrigação”, nomeadamente de cada órgão de gestão das magistraturas indicar cada um três magistrados.

Daí que Carlos Adérito Teixeira defenda a interpretação que o próprio Conselho da União Europeia, por via da Decisão de Execução 2020/1008, “já tinha estipulado quando permitiu que o comité de seleção, após envidar todos os esforços e consultado o Estado-Membro”, deve “remeter o seu parecer ao Conselho Europeu, devidamente fundamentado, sobre apenas dois candidatos”.

Carlos Adérito Teixeira, Ricardo Matos e Eucária Vieira entendem que o método de seleção por convite “não se harmoniza” com a “independência” que caracteriza a Procuradoria Europeia.

“(…) As especiais exigências de um procedimento de seleção” do procurador geral europeu e dos procuradores europeus deverão ser “um elemento fundamental para garantir a sua independência — não se harmonizam com o método de seleção convite”, lê-se na declaração de voto da procuradora-geral adjunta Eucária Martins Vieira.

Conselho Consultivo coloca em causa recusa do órgão de gestão do MP em abrir novo concurso

Há um facto relevante no historial deste processo de substituição de José Guerra como o procurador europeu em nome de Portugal.

Tal como o Observador noticiou aqui, o CSM abriu dois concursos em 2022 para selecionar os seus candidatos. Devido ao facto de o primeiro concurso ter ficado deserto (o candidato Filipe Vilarinho Marques foi considerado inelegível), a ministra Catarina Sarmento e Castro solicitou formalmente a 9 de setembro de 2022 que fosse aberto um segundo concurso — o que se verificou a 17 de outubro de 2022, tendo-se apresentado o juiz Ivo Rosa.

No caso do concurso aberto pelo CSMP, apenas se apresentou o procurador José Ranito, tendo sido considerado igualmente elegível. A ministra Catarina Sarmento e Casto fez com o MP a mesma insistência que tinha feito com os juízes, mas a resposta foi diferente: o CSMP determinou por unanimidade não abrir novo concurso, por entender como “executadas todas as diligências” impostas pela lei.

O parecer do Conselho Consultivo da PGR vem pôr em causa a interpretação unânime do órgão de gestão do MP. A partir do momento em que a ministra da Justiça homologou o parecer a 24 de janeiro, será esta a interpretação que será seguida pelo Governo.

Logo, é inevitável que Sarmento e Castro notifique nas próximas semanas o CSM e o CSMP das conclusões do parecer e solicite a reabertura dos concursos públicos de 2022 para a seleção de mais candidatos a procurador europeu.

Tudo com uma data em mente: a substituição do procurador José Guerra, que termina o mandato em julho de 2023.