As mulheres que trabalham em cinema e audiovisual em Portugal ganham menos do que os homens, progridem mais devagar nas carreiras e há casos de discriminação de género, assédio e racismo, segundo um estudo inédito feito ao setor.

Estas são as primeiras conclusões, divulgadas esta terça-feira, véspera do Dia Internacional da Mulher, de um estudo sobre a condição das mulheres no cinema e no audiovisual em Portugal, numa iniciativa da associação MUTIM — Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento com a Universidade Católica Portuguesa.

A análise final do estudo só será concluída no terceiro trimestre deste ano, mas o relatório preliminar permite perceber desigualdades e disparidades de género no setor, explicou à agência Lusa a investigadora Mariana Liz, da associação MUTIM.

Uma das conclusões que é já possível retirar é que “há uma muito maior proporção de homens do que mulheres a beneficiar de salários mais elevados no setor e muito mais mulheres do que homens nos escalões remuneratórios mais baixos”, disse.

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O estudo, iniciado em novembro de 2022, com coordenação da investigadora Catarina Duff Burnay, partiu de um inquérito respondido por 515 pessoas que trabalham em cinema e audiovisual, das quais 363 eram mulheres, 143 homens e nove “não se identificam com o binário ou preferiram não responder”.

No inquérito, 59% das mulheres responderam que têm um rendimento anual até 14.999 euros brutos, contrastante com 40% dos homens. “Nos respondentes com rendimentos acima dos 25.000 euros anuais brutos podem contabilizar-se 31% de homens e apenas 15% de mulheres“.

Apesar de haver um sentimento geral de alguma progressão na carreira, ficamos com a sensação de que os homens começam mais cedo e progridem mais depressa, o que não acontece entre as mulheres”, sublinhou Mariana Liz à agência Lusa.

Outro dado já retirado do estudo é que do total de mulheres que responderam ao inquérito, “41.6% foram vítimas de discriminação de género, 37,6% foram vítimas de assédio no local de trabalho e/ou no desempenho de funções, 7,5% foram vítimas de xenofobia e 1,4% foram vítimas de racismo“.

Os resultados obtidos indiciam ainda “níveis elevados de precariedade”: há muito mais mulheres do que homens a abdicar ou a desistir de trabalhar, “por causa da conciliação com a maternidade/paternidade”; e, quanto às perspetivas de evolução na carreira, “a maioria encontra-se insatisfeita, com as mulheres a manifestarem de forma mais acentuada do que os homens esse desagrado”.

As primeiras conclusões divulgadas esta terça-feira indicam ainda que quem trabalha nesta área, em particular as mulheres, reconhece que as narrativas produzidas e realizadas na atualidade “não são plurais em termos de representações de género e étnico/racial” e que há uma estereotipação.

Para além disso, há um consenso [sobre] o papel subalternizado da mulher no ecrã em relação ao homem nas produções nacionais”, lê-se no documento.

Para Mariana Liz, o estudo “vai servir para complementar investigações histórica e teórica” sobre as mulheres e o trabalho, mas também “pode servir para desenhar políticas públicas novas ou que tenham em atenção uma óbvia desigualdade neste setor”.

A investigadora considera que “tem havido políticas que tentam colmatar as desigualdades“, mas “chegou a hora de haver quotas no setor da cultura e no cinema e audiovisual em particular”.

O estudo “A Condição da Mulher nos Sectores do Cinema e do Audiovisual em Portugal” é uma das primeiras iniciativas da associação MUTIM — Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, formalizada em abril de 2022, com o Centro de Estudos de Comunicação e Cultura e o Laboratory for Audiovisual Communication Studies da Universidade Católica Portuguesa.