Era uma vez uma bela rapariga do País de Gales e um simpático príncipe sueco. Os protagonistas são estes, contudo, a partir daqui o encantamento desta história da realeza limita-se ao amor que sentiam um pelo outro. Como no enredo de um romance histórico, a vida desafiou-os a criarem um conto de fadas à sua medida e eles assim o fizeram. Conheceram-se numa cidade de Londres bombardeada durante a guerra, viveram durante 30 anos uma relação iluminada pela felicidade, mas que tinha de se manter na sombra e casaram-se já sexagenários. Lilian e Bertil deram parte da sua vida à Suécia, ela por amor a ele e ele por dever à pátria. A sua história dava um conto sueco e, quando passam 10 anos da morte da princesa que a Suécia aprendeu a amar, vamos contá-lo.

Um príncipe sueco e uma mulher casada apaixonam-se sob as bombas em Londres

Decorria já a década de 1930 quando, com apenas 16 anos de idade, a jovem Lillian May Davies trocou o País de Gales pela cosmopolita cidade de Londres. Nasceu em Swansea a 30 de agosto, filha de pais que se separaram ainda nos anos 20 e viriam a divorciar-se em 1939. William John Davies e Gladys Mary, um ex-trabalhador de minas e uma assistente de loja.

Na capital britânica Lillian tirou partido da sua beleza natural e foi modelo, de chapéus e luvas em anúncios, bem como fotográfica e há mesmo meios de comunicação que afirmam que apareceu na Vogue. Pelo meio deixou cair um dos “l’s” do seu nome e passou a ser Lilian. Também trabalhou como atriz, com pequenas participações em filmes, e foi com um colega de profissão que se casou em 1940. Ivan Craig era um ator escocês e, pouco depois do casamento, juntou-se ao exército britânico. Com a chegada da II Guerra Mundial, partiu para África onde esteve em serviço, enquanto a mulher esteve a trabalhar numa fábrica que fazia rádios para a marinha (Royal Navy) e num hospital para soldados feridos.

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Chegados a 1943, Lilian e o príncipe Bertil da Suécia conheciam-se nessa mesma capital britânica, num elegante clube noturno, o Les Ambassadeurs. Ele estaria a admirá-la através da pista de dança, e quando lhe disse que era príncipe da Suécia, Lilian terá respondido: “E eu sou a Rainha de Sabá”. Este primeiro encontro aconteceu quando Lilian estava quase a completar o seu 28º aniversário. Para o segundo, teve a iniciativa de o convidar para um cocktail festa de anos que fez em sua casa.

O príncipe cumpria funções da Marinha na embaixada sueca em Londres e o romance despontou quando, depois de um ataque aéreo sobre a zona onde Lilian morava, Bertil terá andado de carro à sua procura para a manter em segurança, segundo terá contado a princesa no seu livro de memórias lançado em 2000, My Life with Prince Bertil, escrito com a ajuda do autor Omar Magnergård. “Ele era tão bem parecido, o meu príncipe. Especialmente fardado. Tão encantador e amável. E tão divertido. Oh, como nos rimos juntos”, escreveu a princesa, citada pelo Guardian.

A guerra continuava e Lilian era, afinal, casada. Quando o conflito acabou, o marido regressou a casa com o desejo de refazer a sua vida com outra mulher. A separação satisfazia ambos e o casamento acabou num divórcio amigável a 7 de novembro de 1947. Quando Bertil regressou à Suécia, a sua relação com Lilian, uma plebeia divorciada, viria a revelar-se uma questão sensível, mas tal não impediu a amada de rumar ao país escandinavo para estar com o seu príncipe.

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A princesa Lilian na casa que tinha com o príncipe Bertil no sul de França

Regras, deveres e 30 anos de espera na Suécia

O Rei Gustavo VI Adolfo da Suécia casou-se com a britânica Margaret de Connaught (neta da Rainha Victoria de Inglaterra) e  tiveram cinco filhos, quatro homens e uma mulher. A única filha casou com o herdeiro do trono da Dinamarca e tornou-se a rainha Ingrid, mãe da atual Rainha Margarida. Dos quatro filhos, o mais velho morreu, dois casaram-se com plebeias e, para tal, renunciaram ao seu lugar na linha de sucessão ao trono porque as regras assim obrigavam. Sobrou o terceiro filho, o príncipe Bertil.

Quando o Rei Gustavo VI Adolfo (era o 6º Rei Gustavo do país) subiu ao trono da Suécia, em 1950, o seu filho mais velho e com nome igual ao seu (Gustavo Adolfo), tinha morrido em 1947, num acidente de avião. Não chegou a reinar nem a ser príncipe herdeiro, uma vez que morreu quando o avô era Rei, mas deixou um herdeiro, o príncipe Carlos Gustavo (o atual Rei da Suécia), que na altura tinha menos de um ano de idade. Era o mais novo de cinco irmãos, mas como tinha quatro irmãs mais velhas, sé ele tinha lugar na linha de sucessão.

Dadas as circunstâncias, caso o Rei morresse, Bertil teria de assumir o papel de regente até o sobrinho ter idade para reinar. Durante cerca de 26 anos, esteve na iminência de ser chamado a tomar conta do reino e, mais do que estar no banco de suplentes sempre a postos, o príncipe tornou-se a rede de segurança da sua dinastia. Seguiu as instruções do pai e não se casou, porque ao casar com Lilian não poderia ser Rei, caso tal fosse necessário, e a dinastia Bernadotte ficava então em risco. O Rei só viria a morrer em 1973, quando o neto já tinha 27 anos. Bertil nunca teve de assumir a regência. O Rei Carlos XVI Gustavo ascendeu ao trono a 15 de setembro desse ano.

Bertil e Lilian viveram juntos discretamente durante cerca de 30 anos. Dividiram o tempo entre Estocolmo e Sainte-Maxime, no sul de França (perto de Saint Tropez), onde Bertil comprou uma casa em 1946, que se tornou o refúgio de eleição do casal. Lilian habituou-se a viver na sombra, mas as revistas publicavam imagens do feliz casal a jogar golf, a andar a cavalo e de mota, e a Suécia acabou por se deixar conquistar pela sua Cinderela. “Quando ele ia cumprir os seus deveres voltava sempre para mim. Ele estava sempre lá”, disse a princesa Lilian à CNN. “Tivemos uma vida maravilhosa juntos. Sempre nos divertimos, tínhamos o mesmo sentido de humor.”

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Os príncipes Lilian e Bertil, com os Reis Carlos Gustavo e Silvia, no dia do seu casamento, em dezembro de 1976

Dois casamentos reais: um que foi ponto de partida e outro que foi ponto de chegada

Depois de décadas de espera, em 1976 houve dois casamentos reais na Suécia. O Rei Carlos Gustavo casou-se a 19 de junho com Silvia Sommerlath, uma bela alemã que se tornou a nova rainha da Suécia. Agora, Bertil e Lilian já podiam oficializar a sua relação de tantos anos. O Rei aprovou rapidamente o casamento do tio com a companheira de longa data. Os tempos, e também as regras, haviam mudado e ele próprio tinha acabado de se casar com um plebeia. Nesse mesmo ano, Bertil e Lillian casaram-se (finalmente) a 7 de dezembro na capela do Palácio de Drottningholm. Lillian tinha 61 anos, o noivo tinha 64 e terá dito que eram “o casal não casado mais velho do mundo”.

“Há talvez uma coisa de que nos arrependemos: de não nos termos podido casar antes, e por isso não termos podido ter filhos. Isso é algo bastante triste”, disse o príncipe Bertil numa entrevista dada pelo casal antes do casamento. Depois fez um pesaroso encolher de ombros, olhou para a Lilian e disse: “Mas, no final, continuamos a ser muito felizes, não somos?”. Ao que ela respondeu: “Muito, muito felizes”.

Bertil tratava Lilian por Lily e, muito apropriadamente, a noiva levou um ramo de lírios do vale (lily of the valley, em inglês) quando se casou. Quanto ao vestido, foi uma peça muito especial e fora da tradição. Para começar, tinha um tom de azul claro com um ligeiro brilho. Foi uma criação da designer Elizabeth Wondrak, com estúdio em Londres, numa seda rígida e com linhas muito simples. Com decote redondo e justo ao pescoço, mangas compridas, a parte de cima segue as linhas do corpo e a saia tem uma ligeira amplitude. Na parte de trás, uma linha de botões percorre as costas. Ao contrário da tradição das noivas reais, esta não usou uma tiara, mas sim um acessório de cabeça, tipo bandolete, com plumas da mesma cor do vestido. E como joias usou ainda um colar com três linhas de pérolas, uma pregadeira joia e brincos de pérolas.

Elizabeth Wondrak trabalhava com Lilian desde a década de 1950 e desenhou 29 vestidos que a princesa usou tanto nas cerimónias dos prémios Nobel como em outros eventos. O vestido de noiva foi um presente da designer, que haveria de receber uma carta da noiva, na qual expressava a felicidade com a criação. “Estava realmente um sonho e foi admirado por toda a gente”, pode ler-se no site dos palácios reais da Suécia, a propósito de uma exposição com os vestidos de noiva das mulheres da família real, que incluiu o da princesa Lilian.

Lilliam tornou-se princesa da Suécia e duquesa de Halland e passou a ter funções e estatuto de membro da família real. Tinha uma relação muito próxima com a rainha Silvia e, mais tarde, com os três filhos dos Reis, as princesas Victoria e Madalena e o príncipe Carlos Filipe. Passou a ser uma presença assídua na cerimónia de entrega dos prémios Nobel. Falava sueco, mas nunca o chegou a adotar como sua língua, mantendo-se fiel ao inglês. Era também reconhecido o seu gosto por música, tanto adorava ópera como Bruce Springsteen, e foi mesmo assistir a um concerto do cantor norte-americano em Estocolmo quando já tinha 87 anos.

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A rainha Silvia com a princesa Lilian na entrega dos prémios Nobel, em 2004

Uma princesa até ao fim

“Se tivesse de resumir a minha vida, tudo andou à volta do meu amor”, disse Lilian sobre Bertil, quando fez 80 anos. “Ele é um grande homem e eu amo-o.” O príncipe Bertil morreu a 5 de janeiro de 1997 em casa e acompanhado até ao fim pela mulher. Desde então e até  2010, a princesa Lilian continuou a representar a família real em várias ocasiões, era patrona de instituições e assumiu algumas das funções que eram do marido, com especial interesse quando o tema era crianças e desporto.

Depois de duas quedas que a deixaram debilitada, em 2010 foi anunciado que sofria de Alzheimer e foi retirada da vida pública. Não chegou sequer a estar presente no casamento da princesa herdeira, Victoria, com Daniel Westling a 19 de junho desse ano. Passou os últimos anos de vida na sua casa, Villa Solbacken, na zona de Estocolmo.

Lilian morreu a 10 de março de 2013 com 97 anos, poucas semanas antes do casamento da princesa Madalena, que aconteceu a 8 de junho. Não foi anunciada ao público uma causa de morte oficial, mas a família tê-la-á acompanhado no fim de vida. A princesa Madalena cancelou a festa de despedida de solteira que a irmã lhe tinha organizado com amigas nos Alpes suíços e, na cerimónia do casamento, a princesa Victoria usou a tiara coroa de louros da Boucheron que pertencia à princesa Lilian, numa forma de lhe prestar homenagem. A joia foi uma herança que o príncipe Bertil recebeu da mãe e era Lilian quem costumava usar a tiara em eventos oficiais.

O funeral da princesa foi transmitido na televisão e o país esteve com as bandeiras a meia haste em sinal de luto. Lilian foi sepultada junto do marido, o príncipe Bertil.