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Crónica. A piada destes Óscares teve sabor a baunilha

Este artigo tem mais de 1 ano

Sabem quando o vosso editor vos sugere um texto sobre o lado humorístico da cerimónia dos Óscares e vos calha a cerimónia mais aborrecida das últimas décadas? Pois, não devem saber, mas eu conto-vos.

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Jimmy Kimmel apresentou a cerimónia pela terceira vez, mas não inovou, apesar do equipamento temporário

Variety via Getty Images

Jimmy Kimmel apresentou a cerimónia pela terceira vez, mas não inovou, apesar do equipamento temporário

Variety via Getty Images

Na sua nonagésima quinta edição, a cerimónia de prémios da Academia de Hollywood manteve a sua tradição mais coerente dos tempos recentes – entrar em pânico com as audiências televisivas em queda do ano anterior e refazer todas as mudanças que tinha feito precisamente no ano anterior, mudanças que tinha decidido a fim de combater as audiências televisivas em queda do ano retrasado.

Em 2023, o humorista Jimmy Kimmel voltou como apresentador, após a tentativa de 2022 de ter um triunvirato de anfitriãs (Regina Hall, Amy Schumer e Wanda Sykes) e três edições em que se abdicou de ter um host tradicional. Kimmel reocupou assim o papel que tinha assumido em 2017 e 2018.

Apesar das audiências estarem longe dos tempos áureos – as últimas duas edições tiveram 10.4 e 16.6 milhões de espetadores nos EUA, muito distantes dos consistentes 40 milhões que atraía nos anos 90, incluindo 55 no ano que consagrou “Titanic” como Melhor Filme – o que seria quase impossível num panorama de entretenimento cada vez mais fragmento e segmentado, os Óscares continuam a ser um dos únicos acontecimentos, sobretudo fora dos grandes eventos desportivos, que consegue a atenção simultânea e proporcionar uma experiência partilhada de um grande número de pessoas em todo o mundo.

Entre as ideias peregrinas que os produtores da cerimónia tiveram em anos recentes para tentar inverter esta tendência, além das constantes mudanças no tipo de anfitrião da noite, estão: a polémica decisão de remover várias categorias, algumas bem importantes, da transmissão – coisa que felizmente só durou um ano —; uma sede brutal de tentar criar momentos virais à força (lembre-se a famosa foto que Ellen Degeneres tirou com um record de celebridades-por-pixel e que pedinchou ao público que desse like e partilhasse, qual influencer com um código da Prozis) e um constante inconsistência no que fazer nos tempos entre prémios, como uma bizarra celebração, em 2022, dos trinta anos do filme “White Men Can’t Jump”, que sendo uma fita divertida não tinha sequer estado nomeado para qualquer estatueta três décadas antes.

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A acrescentar a isto estão algumas icónicas gaffes, como o Óscar de Melhor Filme atribuído a “La La Land” e retirado em cerca de um minuto a favor de “Moonlight” por uma confusão de envelopes (em 2018) e, claro, o episódio da estalada de Will Smith a Chris Rock no ano passado, que não poderia ser ignorado este ano.

Mas como gato escaldado de água fria tem medo, a Academia este ano decidiu fazer uma espécie de “back to basics”, mantendo a cerimónia o mais simples e normal possível, no processo, tornando-a incrivelmente baunilha e pouco memorável, exceto por alguns emotivos e marcantes discursos dos vencedores.

Caindo de para-quedas no palco, em alusão a “Top Gun”, Kimmel chegou e apresentou um tradicional monólogo de abertura, com uma boa sequência da piadas, mas sem nunca estar muito perto de pisar qualquer risco. A comparação da dupla Steven Spielberg e Seth Rogen a Joe e Hunter Biden (o presidente dos EUA e o seu filho, envolvido em algumas polémicas com drogas) a ser o momento mais arriscado de Kimmel, embora o público presente no Dolby Theater até tenha reagido com mais “bruah” à boca do host sobre o falhanço nas bilheteiras do filme “Babylon”. Como era inevitável, Kimmel falou do elefante na sala, mencionando que este ano não seriam toleradas quaisquer atitudes de violência e quem quebrasse essa regra seria punido com o Óscar de Melhor Ator Principal e direito a um discurso de dezanove minutos, em referência à sequência de eventos com Will Smith um ano antes.

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Quando Kimmel subiu ao palco na companhia da mula Jenny, outra das tentativas do anfitrião para arrancar gargalhadas. Conseguiu resultado médio

Variety via Getty Images

Dificilmente o tom das piadas sobre o famoso “The Slap” estaria perto do que Chris Rock fez no seu novo especial de stand up, “Selective Outrage”, transmitido pela Netflix naquele que foi o primeiro evento em direto na plataforma de streaming – uma semana antes do primeiro aniversário da chapada e onde Rock dedica os últimos quinze minutos do seu material a abordar, na verdade pela primeira vez, com muita violência verbal e graça, aquele que será talvez o momento mais desconcertante da história de uma cerimónia de prémios quase a tornar-se centenária. Aqui, Kimmel e a Academia optaram por não ignorar o elefante na sala – isso seria absurdo – mas seguir em frente sem colocar demasiado o foco no caso.

A nível de comédia, o monólogo de abertura acabou por ser o único momento que pode ser enquadrado como tal, até porque Kimmel voltou a aparecer bastante esporadicamente ao longo da cerimónia, dando-se primazia às duplas que iam apresentando o Óscar seguinte.

A certa altura, um dos prémios da noite foi entregue pela realizadora Elizabeth Banks e uma espécie de urso da Natura em movimento, numa tentativa de capitalizar um dos filmes mais absurdos, mas também mais falados, do momento – o “Cocaine Bear”, momento que não produziu particular riso a ninguém na sala.

Mais tarde, Kimmel anunciou que estava na hora do momento interativo da noite, com as celebridades presentes na sala a responderem a “questões” enviadas pelo público. Num momento tão mal pensado como executado, Kimmel perguntou a Malala a opinião desta sobre a pseudo-polémica de há uns meses quando a internet especulou se Harry Styles tinha cuspido em Chris Pine com base num vídeo que circulou as redes. Sem ter ficado claro se sequer sabia do que se estava a falar, a vencedora do Nobel respondeu, apenas, “só falo sobre a Paz”. Kimmel prosseguiu a brincadeira com o ator Colin Farrell, mencionando que tinha gostado muito da sua prestação em “Os Espíritos de Inisherin”, mas que não tinha percebido nada do que ele disse no filme. Farrell sugeriu que o anfitrião fosse ver o sketch do último “Saturday Night Live”, que tinha parodiado o filme recentemente, referindo-se portanto a um programa da NBC, rival da ABC onde estavam a ser transmitidos os Óscares. Mas como não há duas sem três, Kimmel insistiu no jogo, chamando agora Jessica Chastain a responder a mais uma “pergunta enviada pelo público” (neste clip podemos ver o ar de alívio de Nicola Kidman ao perceber que era Chastain que ia ser interpelada, numa reação em tudo semelhante à que tínhamos quando a professora chamava outro colega a ir ao quadro resolver a equação).

A pergunta, uma alusão à longa “rivalidade” de Kimmel com Matt Damon, era se tinha sido difícil para Jessica trabalhar com ele em “O Marciano”, já que Damon “não sabe ler e cheira a remédio de cão”. Em mais uma prova de que estes improvisos podem cair no vácuo sem graça, a atriz limitou-se a responder “pois, nós não tivemos muitas cenas juntos”.

Na verdade, a piada mais recorrente ao longo da noite foi sobre quão longa a cerimónia estava a ser e como ninguém gosta de cerimónias longas, comentários que certamente não estavam a tornar nada daquilo mais curto. Ainda assim, creio que percebi a estratégia geral da Academia para isto – se a cerimónia for tão aborrecida que as pessoas adormeçam de tédio, então elas não podem mudar de canal e baixar a audiência. E é bem pensado.

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