Os alunos que escolherem cursos nas áreas ligadas às ciências e engenharias vão chegar mal preparados às universidades devido às mudanças nos currículos do ensino secundário, alerta o presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM).

“O problema está nos programas de Matemática do ensino secundário que, na nossa opinião, não vão preparar bem os alunos para o ensino superior”, disse José Carlos Santos em declarações à agência Lusa, a propósito do Dia Internacional da Matemática, que se assinala esta terça-feira.

Numa retrospetiva de como o ensino da Matemática tem evoluído em Portugal, José Carlos Santos, que assumiu o cargo no ano passado, começou por notar que o país parece não conseguir desenhar “um programa que se mantenha estável por uma ou duas gerações”.

A alteração mais recente vai entrar em vigor no próximo ano e procura corrigir o modelo atualmente em vigor, definido no mandato do ex-ministro da Educação Nuno Crato.

Um dos princípios que orientou o novo modelo para o ensino secundário é o de uma matemática para todos e para a cidadania e, entre as principais novidades, a partir de 2024, os alunos do 10.º ano vão ter um primeiro período de aulas semelhante, independentemente de estarem em ciências, humanidades, artes ou cursos profissionais.

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A SPM já se tinha manifestado contra as alterações e no início do ano acusou mesmo o Ministério da Educação de atirar a aprendizagem da Matemática no ensino secundário para “mínimos históricos inexplicáveis”, apontando “múltiplos e graves problemas” num parecer às novas aprendizagens essenciais.

“Este programa sacrificou a unidade lógica da Matemática e as ligações lógicas entre as várias coisas. Fica mais um conjunto de factos separados e é mais fácil aprender assim, o problema é que quando o aluno vai para um curso científico não está preparado”, insistiu José Carlos Santos, que é também professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

“E das duas uma: ou se dá muito mal no ensino superior ou, alternativamente, o ensino superior terá de baixar o nível. Qualquer um dos casos é muito triste”, acrescentou.

O presidente da SPM tem, por outro lado, dúvidas quanto aos objetivos dos novos programas, que pretendem que os alunos se sintam mais à vontade com a matemática. Para José Carlos Santos, o resultado será alunos expostos a menos conhecimento sob a ilusão de que estão mais aptos para usar a matemática no dia-a-dia.

Mas isso não vai acontecer, antecipa o matemático, justificando que “a Matemática que tem usos em situações reais é demasiado avançada para aquilo que é razoável dar no (ensino) secundário” e isso vê-se nos problemas “altamente artificiais” que, habitualmente, são colocados aos alunos nessa fase do seu percurso escolar.

Além dos conteúdos programáticos, a SPM está preocupada por considerar que as alterações tornam os programas mais vagos, dificultando a avaliação objetiva e comparável dos alunos, e lamenta que as sociedades científicas de Matemática e Estatística não tenham sido ouvidas.

“O que seria desejável — mas não estou a ver que seja o que vá acontecer — era as sociedades científicas e as associações dos professores juntarem-se e concordarem com um programa básico”, defendeu.

O Dia Internacional da Matemática assinala-se esta terça-feira com atividades organizadas por várias instituições de ensino superior e ligadas à ciência. No Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, vão realizar-se encontros, debates e feiras durante todo o dia, sob o tema “Todas as horas contam”, em colaboração com a SMP.

A Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa escolheu o tema “Matemática para todos” e tem programado palestras até quinta-feira para alunos do ensino básico e secundário e professores. A Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa realiza, durante esta tarde, um encontro de matemáticos sobre o papel da disciplina na sociedade.