São dois dos clubes com mais história em termos europeus, até 2009 apenas se tinham cruzado uma vez e na final da Taça dos Clubes Campeões Europeus quando um golo de Alan Kenedy decidiu o encontro de gigantes no Parque dos Príncipes, em 1981. A partir daí, tornou-se algo quase normal com sentidos distintos entre as vitórias fáceis dos ingleses nos oitavos da Champions de 2009 e o domínio total dos espanhóis que se seguiu entre decisões que valeram títulos. Ainda assim, há algo diferente num duelo entre Real Madrid e Liverpool: nunca nada é normal. E a primeira mão dos oitavos da Liga dos Campeões foi um exemplo paradigmático disso mesmo, com os reds a terem um início de sonho com dois golos em 15 minutos e os merengues a mostrarem na segunda parte o porquê de serem a equipa com maior ADN europeu de sempre.

Así, así, así gana el Madrid: Liverpool entra a ganhar com calcanhar de Darwin mas acaba “atropelado” pelo Real (em memória de Amancio)

Contas feitas, estava tudo resolvido. O futebol pode dar muitas voltas mas perante um 5-2 em Anfield pouca ou nenhuma margem existiria para desviar o campeão espanhol dos quartos da Champions. No entanto, e como sempre, nunca nada é normal num encontro entre ambos. E era nisso que recaíam as atenções.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Não vamos fazer contas à vantagem, não vamos jogar fechados lá atrás. Vamos jogar abertos e apresentar o nosso melhor futebol ofensivo. Temos que fazer bem as duas coisas, defender e atacar, mas pensamos mais em atacar para fazer felizes os nossos adeptos. É isto que queremos. Eles têm uma grande equipa em termos ofensivos, marcaram sete golos ao Manchester United. Temos que fazer o possível para os conseguir parar. Como? Temos que começar melhor do que em Anfield, procurar o equilíbrio entre a defesa e o ataque para não se repetir o que sucedeu nos primeiros 15 minutos da primeira mão. Não podemos adormecer”, dizia Carlo Ancelotti, um todo poderoso dos bancos que relativizou a atual condição de suplente de Hazard e conseguiu com as palavras colocar a partida como “mais complicada de gerir” para quem seguia na frente.

“Há três semanas disse que o Real Madrid com aquele resultado estava na próxima fase. Agora já passaram três semanas e sabemos que temos um jogo para jogar. Se houver apenas 1% de hipóteses, gostaria sempre de tentar. Estamos aqui para defrontar um adversário muito forte e tentar ganhar o jogo. É pouco provável mas é possível. Se conseguimos surpreendermo-nos a nós próprios de uma forma negativa, também deveríamos ser capazes de nos surpreender de forma positiva. Uma coisa é clara, não estamos aqui a dizer ‘Cuidado Real Madrid, vamos a caminho'”, comentara Jürgen Klopp, num misto de esperança que “milagres” como o 7-0 ao Manchester United podem acontecer mais do que uma vez e resignação por saber o contexto que ia enfrentar na deslocação a um Santiago Bernabéu cada vez mais perto da remodelação total.

Os mais otimistas, vulgo os ingleses que só sabem pensar positivo, recordavam o último cenário em que Carlo Ancelotti tinha estado com três golos de vantagem sobre o Liverpool, na final de 2005 que terminou com os ingleses a recuperarem de 3-0 para 3-3 antes de ganharem a Champions nas grandes penalidades. E, passadas duas décadas, esse continuava a ser o pior pesadelo do treinador italiano que entretanto se tornou um dos maiores de sempre ao somar vitórias nas cinco principais ligas europeias (AC Milan, Chelsea, PSG, Bayern e Real Madrid) e levar quatro triunfos na Liga dos Campeões como treinador entre AC Milan e Real Madrid depois dos dois conseguidos em San Siro como jogador. Agora, não houve margem para grandes surpresas. Mas como há sempre alguma coisa “anormal”, o jogo acabou só com um golo e com os merengues a terem mais uma demonstração de classe ao tocarem no Bernabéu a You’ll Never Walk Alone.

Com uma estratégia mais ousada do que era esperado por parte de Klopp, a assumir apenas dois médios de raiz num esquema com Gapko, Salah, Diogo Jota e Darwin Núñez para a frente, foi o Liverpool que deixou a primeira ameaça aproveitando a atrapalhação da defesa espanhola que permitiu ao ex-avançado do Benfica colocar à prova Courtois (7′). O belga mostrou-se à altura como não esteve naquele golo em caricatura de Salah na primeira mão, Alisson não ficaria atrás a corrigir o erro em Anfield que deu o empate a Vinícius: primeiro tirou o golo por instinto ao brasileiro num cabeceamento na pequena área (14′), depois ainda tocou na bola num remate de Camavinga que bateu na trave (20′), a seguir viu Modric atirar por cima. Era o jogo dos guarda-redes e só por eles o intervalo chegou sem golos, com Darwin a fazer uma diagonal para rematar colocado e obrigar Courtois a grande defesa (33′) e Gapko a tentar para nova intervenção (36′).

Havia uma grande surpresa: o jogo continuava em branco. E assim continuou, com Valverde a mostrar que nem mesmo isolado numa situação de 1×0 conseguiu evitar mais uma defesa de Alisson e o ataque meio atabalhoado d0s ingleses a levar também Courtois a nova intervenção a segurar o nulo. As contas estavam resolvidas, o 0-0 era sobretudo o principal obstáculo que ninguém parecia superar até que o lance menos trabalhado de todos acabou por selar a qualificação do Real Madrid com mais uma vitória: mais uma saída rápida das duas unidades mais ofensivas, remate falhado de Vinícius na área, toque na bola num despique com Van Dijk quando estava no relvado e assistência para Benzema encostar para a baliza deserta num lance que provavelmente Ancelotti preferia que não tivesse acontecido tendo em conta que o francês saiu de novo a coxear do lance quando estamos a quatro dias de um clássico decisivo com o Barcelona (78′).