O mar engole a costa quando se enrola na areia. É inglório lutar contra ele quando a maré muda: na água as regras são diferentes das da terra. Quantas vezes os barcos guiados por homens que procuram ali o que não é deles enfrentam as correntes e são consumidos por elas? Azarados os que não vão estar presentes em nenhum outro sítio que não aquele onde se afundam. Em dias de tempestade, as ondas revoltam-se. Ao longe, parece que são as formas do rosto do mar. Quem as vê deseja não estar no meio delas, mas Mourinho empurrou para lá quem as invocou.

A Real Sociedad tentava um volte-face diante da AS Roma de José Mourinho após ter perdido a primeira mão em Itália por 2-0. “Acho que 90% dos adeptos acreditam na reviravolta. É evidente que é complicado. Temos que gerar a tempestade perfeita, gerar ondas de 30 metros como as da Nazaré e surfá-las entre jogadores e adeptos. Gostava que fosse uma noite histórica”. Foi desta maneira que Imanol Alguacil imaginou o cenário ideal para seguir para os quartos de final da Liga Europa.

Transformar o Estádio Anoeta numa espécie de Praia do Norte era perigoso. Não pelas ondas gigantes, pois essas desfazem-se em espuma, mas porque para José Mourinho o cheiro a maresia é o cheiro a casa e ninguém que queira ganhar ao treinador português o quer ver confortável.

“Está a fazer crescer o ambiente, a usar um país muito bom como Portugal e a Nazaré, mas sempre de forma respeitosa”, comentou o treinador em relação às declarações do adversário. “Vai haver um grande clima de apoio à Real Sociedad, mas isso vai-nos dar um empurrão também. Não temos medo do meio ambiente, o que eu não faria era entrar na tempestade da Nazaré”. Quem sabe, sabe e o aviso estava feito.

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Para Mourinho, a âncora com que estacionou o barco não foi uma falsa sensação de segurança. A embarcação ficou mesmo por ali e não se mexeu. Apenas no momento certo. Traduzindo para linguagem não marítima, a AS Roma, salvaguardada pela vantagem que trazia do primeiro jogo, passou muito tempo remetida ao processo defensivo. O giallorossi conseguiram manter a baliza, à guarda do português Rui Patrício, segura, mas os lances de ataque não eram exuberantes. Por optar por uma estratégia de maior contenção, Belotti, mais capaz de no ataque ao espaço do que o habitual titular, Tammy Abraham, foi o eleito para o centro do ataque. No meio-campo, uma surpresa. Gini Wijnaldum foi titular ao lado de Cristante quando se esperava que fosse Matic a entrar no onze.

Já sem Karsdorp em campo — saiu lesionado após um lance aéreo disputado com Diego Rico –, que foi rendido por Zalewski no final da primeira parte, a AS Roma até marcou. Bola parada e, no meio da confusão, Chris Smalling empurrou a bola para a baliza, mas o golo foi anulado devido ao facto da conclusão do lance ter sido conseguida com o uso do cotovelo.

A grande oportunidade para a Real Sociedad chegou após a primeira mexida de Imanol Alguacil. Saiu Sorloth, entrou Carlos Fernández. Após a substituição, Oyarzabal, no mesmo lance, atirou para defesa de Rui Patrício e, na recarga, acertou na barra. Entretanto, na falta de espaço para a equipa espanhola, Kubo, pequeno em tamanho, útil para entrar nas mais pequenas brechas, foi a jogo. Pouco depois, Zubeldia de cabeça teve tudo para conseguir marcar.

José Mourinho acabou mesmo por segurar a vantagem na eliminatória, apesar do empate a zero, e seguiu em frente para os quartos de final da Liga Europa mesmo que tenha visto o adversário terminar com 565 passes completos contra 110 dos giallorossi. Antes de jogar o dérbi com a Lázio para a Serie A, o treinador português reforçou o estatuto de resultadista que lhe serviu para fazer uma tempestade num copo de água.