O proprietário da TV Camunda News assumiu na quarta-feira que decidiu suspender a emissão do canal online devido à pressão a que tem sido submetido pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC) e ao sentimento de insegurança que afetou toda a equipa.

Em declarações à Agência Lusa, David Boio explicou que foi chamado às autoridades para ser ouvido como declarante por causa de um programa do ativista social `Gangasta`, suspeito de associação criminosa, instigação à rebelião, instigação à desobediência civil e ultraje ao Presidente da República.

“Eles chamaram-me para ir ao SIC como declarante. Lá fui, mas eles na prática, mais do que estar a fazer questões sobre o tal processo, fizeram questões sobre o nosso portal”, afirmou David Boio.

Acompanhado do seu advogado, o empresário explicou que, em maio do ano passado, tinham recebido uma notificação do Ministério da Comunicação Social para apresentarem os documentos que autorizavam o funcionamento do portal.

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“Na altura, respondemos ao ministério, dizendo que de acordo com a análise que fizemos da Lei de Imprensa, não encontramos enquadramento legal para os conteúdos que estão simplesmente nas redes sociais e o Governo nunca nos respondeu de volta”, frisou.

`Gangsta`, crítico do poder, recusa cumprir o termo de identidade e residência que lhe foi imposto pela justiça angolana, encontrando-se acampado em parte incerta.

“Não recebemos nada formal por parte do Ministério [Telecomunicações, Tecnologia de Informação e Comunicação Social]”, reconheceu David Boio, salientando que `Gangsta` fez parte de um programa denominado 360º que foi, durante algum tempo transmitido no Youtube, na plataforma da Camunda News, a partir do qual lhe moveram os processos de incitação à violência ou rebelião e crime contra a segurança do Estado.

No interrogatório, prosseguiu David Boio, as autoridades informaram que se tratava apenas de um portal, não uma empresa, que está no Facebook e no Youtube, com voluntários, que “por cidadania” produzem conteúdos.

UNITA quer ouvir governo sobre situação de limites à liberdade na comunicação social angolana

“Há três semanas ligaram-me novamente para ir para lá, pediram-me para levar os documentos da empresa do escritório e o procurador queria que eu fosse lá para ser ouvido novamente”, contou.

Passado algum tempo, em Luanda, o proprietário da TV Camunda News, respondeu à notificação e o instrutor insistiu que era preciso apresentar um documento sobre a legalização do canal no YouTube.

“Disse-lhe que não temos, já tinha explicado isso. Eles queriam que eu fizesse uma espécie de confissão a dizer que estava a desenvolver uma atividade ilegal, voltei a dizer que não. Não há nenhuma ilegalidade a não ser que haja um outro entendimento da Lei de Imprensa”, reforçou.

O objetivo, no seu entender, é “montar algo como: o `Gangsta` supostamente cometeu um crime, o crime foi cometido num programa, o programa passou no portal Camunda News e o crime foi feito num portal ilegal, acho que é a narrativa que eles estão a montar”.

“Fiquei mais de uma hora a prestar declarações e, no final, o senhor disse-me que reuniu tudo, que ia entregar ao procurador e o procurador ia decidir a questão para julgamento, e que tinha que aguardar, a ver se me mantêm apenas como declarante ou se, de acordo com a matéria, me podem incluir qualquer outra coisa”, adiantou.

Aos seus colaboradores, David Boio informou o que se o que se estava a passar e muitos “têm estado assustados desde o ano passado, quando tivemos o SIC lá dentro e o pessoal está meio assustado. Disse-lhes que ninguém obriga ninguém a ficar, se quiserem a gente pode suspender isso até o evoluir dessa situação”.

“O pessoal está com medo, porque eles não clarificam as coisas. Eu fui para lá, dois outros colaboradores meus também tiveram que ir ao SIC, são mais novos, depois aquilo é um departamento de crimes contra a segurança do Estado, tudo isso cria medo”, explicou.

Questionado sobre o estado da liberdade de imprensa em Angola nos últimos anos, David Boio destacou que “antes de 2022, antes das eleições, eles [o governo] não davam muita importância a essa coisa da internet, diziam sempre que isso não é nada, que os angolanos não têm acesso à internet, mas surpreenderam-se no ano passado”.

A importância do canal “chamou-lhes muita atenção quando fizemos uma entrevista a Adalberto [líder da UNITA, União Nacional para a Independência Total de Angola], que teve muita, mas mesmo muita audiência”, sublinhou.

“Por isso é que eu acho que, em maio do ano passado, o ministério notificou-nos, mas formalmente perceberam que não tinham onde pegar, porque se tivessem, faziam como fizeram à ZAP e às outras, mandar fechar e acabou”, vincou, numa referência a outras empresas de media privadas.

De acordo com David Boio, as autoridades têm dificuldade de fechar a Camundanews formalmente, “mas sujeitam depois as pessoas a estas coisas, para ver se a pessoa se farta”.

Com estas pressões, “ninguém quer viver assim, não posso estar toda hora a ir ao SIC, tenho mais que fazer” e é “sempre um risco”, considerou.

“No fundo, é o que eles querem é que as pessoas fiquem com medo”, referiu, salientando que os seus colaboradores sofrem pressão dos familiares preocupados com a sua segurança, razão pela qual decidiu “parar e pensar isso com calma, para depois logo se ver”.

Esta quarta-feira, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) considerou um atentado à liberdade de imprensa a pressão sobre o proprietário da Camunda News para suspender a emissão de conteúdos jornalísticos por pretensa violação da Lei de Imprensa.

Em nota de imprensa, a que a agência Lusa teve acesso, o SJA considera um “abuso de poder e obstrução ao exercício da liberdade de imprensa a pressão sobre o proprietário da Camunda News para cessar a emissão de conteúdos informativos, e apela à Entidade Reguladora da Comunicação Social para que se manifeste em prol da liberdade de imprensa”.

E na terça-feira, a UNITA disse que queria ouvir o governo na Assembleia Nacional sobre este e outros casos da comunicação social.