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Ana Moura ao vivo na Super Bock Arena: fomos à Casa Guilhermina e foi tudo dela

Este artigo tem mais de 1 ano

O Porto recebeu o primeiro concerto de apresentação do novo álbum. Não faltaram coreografias e convidados num enredo escrito entre o fado tradicional e o fado dos beats. Hoje há nova dose em Lisboa.

Ao vivo, e com "Casa Guilhermina" em todas as notas e todos os poros, Ana Moura apresenta um espetáculo que é definitivamente sobre umaa nova vida, não sobre o que fica para trás
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Ao vivo, e com "Casa Guilhermina" em todas as notas e todos os poros, Ana Moura apresenta um espetáculo que é definitivamente sobre umaa nova vida, não sobre o que fica para trás

Cristiana Morais

Ao vivo, e com "Casa Guilhermina" em todas as notas e todos os poros, Ana Moura apresenta um espetáculo que é definitivamente sobre umaa nova vida, não sobre o que fica para trás

Cristiana Morais

“Ser uma coisa evidente é ficar reduzido a quase nada”, escreveu Teixeira de Pascoaes, o que na linguagem de Ana Moura poderia ser adaptado para “Neste fado dispenso normalidades”. Ela quer viver o instante como se não houvesse fim, canta em “Janela Escancarada” e foi precisamente isso que fez na noite de sábado no Porto, para uma Super Bock Arena praticamente lotada.

Há não muito tempo poderia parecer estranho colocar o público de pé para assistir a um concerto de uma fadista,, mas hoje o fado já não se faz só de xaile preto às costas nem de plateias sentadas em filas muito bem alinhadas. Faz-se de semba, quizomba, eletrónica, de pão e vinho sobre a mesa e de cachupa também.

Pelo menos assim o é na Casa Guilhermina, que antes de Ana Moura entrar ao som de “Minha Mãe”, aparecia filmada na grande tela LED do palco através de vários planos de câmaras de segurança apontadas, cremos nós, à própria casa de Moura: o berço da filha Emília num quadrado, a piscina e os gatos a deambular no jardim noutro, e no centro a Super Bock Arena enchendo-se para o concerto, ainda Gonçalo Afonso, um rapaz que nunca duvidou daquilo que a fadista queria para esta sua nova fase da carreira, como a própria fez questão de vincar no final do espetáculo, passava um DJ set a lembrar um warm-up das Noites Príncipe.

A média de idades tornou igualmente claro que os tempos agora são outros. Adolescentes, rapazes e raparigas dos seus vinte e poucos anos lançavam juras de amor a Ana Moura como lançariam a Rosalía. O espírito motomami, esse neologismo que a catalã meteu nas bocas do mundo e que alia força e fragilidade no seu significado, esteve e está com Ana Moura.

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Cristiana Morais

Ela mesma, aquando das entrevistas que embalaram o lançamento de “Casa Guilhermina”, sétimo álbum de uma carreira que já leva vinte anos, se confessou admiradora de Rosalía e dessa sua capacidade de aliar as raízes do flamenco às novas linguagens urbanas. Se Rosalía podia fazer isso com o flamenco, Ana Moura também o podia fazer com o fado. À tradição de Amália Rodrigues e de Maria da Fé, sua madrinha do fado, Ana juntou os ritmos de África, o auto tune e a eletrónica, concebendo um género fluído de raízes lusófonas e horizontes globais.

Perceber como esta estética iria resultar num espetáculo ao vivo era, provavelmente, uma das grandes curiosidades de todos os presentes e Ana Moura, adivinhando as nossas inquietações, caprichou: desde o jogo de luzes à roupa que envergou (um croché branco que não se envergonhava de mostrar o umbigo e um MOURA escrito a purpurinas no peito); dos quatro bailarinos, que tanto pegavam em varas, adufes ou pandeiretas do folclore português, como requebravam em movimentos de kuduro, ao naipe de músicos, no qual sobressaía um jovem Gaspar Varela de caracóis esvoaçantes, dominando a guitarra portuguesa como neto de Celeste Rodrigues que é e vestindo, não uma ortodoxa camisa negra, mas sim uma caveada; tudo foi pensado ao detalhe.

Quem viu no ano passado C. Tangana no Super Bock Super Rock facilmente concluirá que daí que também poderá vir inspiração. Na altura em que o “el madrileño” passou por Portugal, escrevemos que ele tinha aberto as portas para uma nova forma de se pensar e de se fazer um concerto ao vivo. Elas aqui estão abertas até ao ranger das dobradiças.

Foi já depois de “Minha Mãe” e de “Janela Escancarada”, e antes de entrarem as “Andorinhas”, que Ana Moura lançou as primeiras palavras ao público. Ouviram-se muitos “obrigadas” de sorriso no rosto e gratidão por todos aqueles que, à semelhança de Gonçalo Afonso, deram força à nova vida da artista mais nomeada na edição deste ano dos prémios Play. Uns gostam, outros não, salienta Moura, sem com isto querer passar algum recado. Para ela, o mais importante, partilhou, foi ter confiado na intuição, uma qualidade que a safou quando o ceticismo ainda reinava no pré-lançamento de “Casa Guilhermina”.

Cristiana Morais

Mas dos céticos não reza a histórica, pelo menos a deste concerto. Houve quem saísse a garantir que o coração ainda fazia “pum pum pum” com a força de “Mázia”, canção que foi puxada duas vezes no alinhamento, a última no encore de despedida; outros que lembravam Ana que ela era linda – uma e outra vez ao longo de 90 minutos; e almas que juravam ficar parvas nos momentos em que a fadista recordava a quem porventura se pudesse ter esquecido, que a sua voz dolorida é de alguém que é e sempre foi do fado. “Loucura”, cantada a cappella no encore, foi bastante afirmativa nesse sentido, com o pé a bater nas tábuas do palco como outros pés de outras fadistas, que também se arriscaram a levar beats para o fado, o fazem.

O beat aponta-nos a “Jacarandá” e a uma das pessoas “mais geniais” que Ana Moura conheceu: Prince, o artista por definição que em certo momento lhe dissera que um dia iria ouvir uma música da sua amiga fadista com um beat. “Aqui está ela, com um beat de quizomba”, introduziu Moura, já as luzes se tornavam roxas, como as flores de jacarandá. Prince desabrochando na sua tonalidade mais pura.

Depois do príncipe veio o “rei” Paulo Flores, voz que Ana e Cláudia Mázia, sua prima, ouviam entusiasmadas quando eram pequeninas, exibindo dotes de bailarinas para uma deleitada avó Guilhermina. Foi Mázia que, certo dia, ainda as duas eram adolescentes de frequentar karaokes de Carcavelos, atirou a tímida Ana Moura para a frente de um microfone. “Toda a gente aplaudiu imenso e aquele momento deu-me segurança”. Um dia, juraria então a Ana de 16 anos, iria escrever uma música dedicada à sua prima.

Com as heranças na sala e o futuro à janela: é esta a nova casa de Ana Moura

Cláudia morreu precocemente, mas “Mázia” fez-se eterna. “A gente às vezes não dá valor quando tem [uma pessoa] e depois chora”, notou Paulo Flores, impelindo todos os que ali estavam a abraçar o amigo e o irmão do lado, dizendo “eu te amo”. Os corpos colaram-se e demoraram-se, num dos momentos mais emotivos do concerto. Ana também abraçou Paulo, “eu te amo Paulo”, “eu te amo Ana”. Eles amavam a cidade do Porto e o Porto os amava naquele preciso momento. Aplauso forte no final da canção para entrar “Poema do Semba”, bandeira do cancioneiro de Flores, esperança e amor vindos de Angola.

Esta foi uma das raras músicas que fugiu ao guião de “Casa Guilhermina”. O espetáculo era definitivamente sobre a nova vida da fadista, não do que ficara para trás. As exceções foram “Desfado”, tema resgatado de 2012 com batida funaná a fazer a ponte com a Ana Moura 2.0. Houve também “Te Amo”, original dos Calema e interpretada por Moura no encore, e “Linda Forma de Morrer”, todos os olhos postos em Pedro Mafama.

Cristiana Morais

Ele apareceu com ondas no cabelo, cantando sozinho em palco, enquanto o rosto de Ana Moura era projetado no grande ecrã LED que levitava sobre a sua cabeça. A ele, Mafama dirigiu o olhar, alçou a mão e ajoelhou-se numa performance teatral, gesto suficiente para arrancar gemidos apaixonados das primeiras filas. Não tardaria que a sua amada aparecesse novamente em cena, mais carne do que osso, para essa dança sedutora de “Agarra em Mim”, momento de pélvis com pélvis que fez disparar a líbido do Super Bock Arena. “Obrigada Pedro Mafama por tudo o que trouxeste na minha vida”, agradecer-lhe-ia Ana entre palmas desenfreadas. A “Casa Guilhermina” a ele muito deve. O resto, são histórias de casal que para aqui não são chamadas.

Até baterem as onze badaladas ainda tivemos tempo para ouvir “Calunga”, esse cruzamento “puta que pariu” (diria um fã fora de si ao nosso lado na plateia) entre Amália e Bonga; para “Corridinha” e uma mesa posta na tela LED com toalha de napperon, louças da avó e vinho caseiro que é um regalo dos almoços de domingo; “Colheita” e “Trigo” numa sequência que refreou a dança; ou “Nossa Senhora das Dores”, original de Maria da Fé, aqui cantado por uma Ana Moura semideitada numa cama de traços rococó. A “Classe” sucedeu um momento de ilusionismo. De repente, ninguém sabia onde estava Ana Moura. Ela lá apareceu, no meio do público: “está ali, está ali”, apontavam dedos ávidos para as escadas do balcão lateral, onde Ana entoava com dolo “Sozinha Lá Fora”.

“Muito obrigada Porto, estamos a chegar ao fim do concerto”. Não podia ter sido uma estreia melhor, atirou-nos com um brilhozinho nos olhos e esse “Arraial Triste” a selar uma atuação cheia de coreografias que, enchendo as medidas de todos os presentes, acreditamos que ainda podem ser afinadas com o passar do tempo. A seguir ainda viria o encore, o tal onde se ouviu novamente “Mázia” a fazer a festa com todos os convidados em palco e com Ana Moura a aproveitar a ocasião para apresentar um a um as pessoas envolvidas no espetáculo.

Por essa hora, já ninguém conseguia manter a anca quieta. Nem o público das bancadas, a bailar e a aplaudir em pé, nem o da plateia, sempre efusivo. “Vai que é tudo teu Ana”, gritou alguém nas nossas imediações. Ela foi com tudo e ainda nos convidou para a after party no Pérola Negra, que duraria até às seis da manhã. Hoje, depois do almoço de domingo, a dose repete-se no Coliseu de Lisboa, com o arraial a estender-se noite fora pelo Musicbox.

 
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