Inúmeras manifestações de solidariedade, um especial carinho por todos os adeptos presentes, palavras que se multiplicavam prometendo o que se podia fazer sem falar do que não se controlava. O regresso da Ucrânia ao futebol internacional depois da invasão da Rússia foi seguido por muitos mas todo esse apoio não chegou para que o conjunto de leste conseguisse aqueles que eram os seus dois grandes objetivos de 2022 (no plano desportivo): a qualificação para o Mundial do Qatar, com uma derrota no playoff decisivo frente ao País de Gales, e o primeiro lugar do grupo B1 da Liga das Nações, que caiu no final para a Escócia. Novo ano, nova esperança, uma meta ainda mais complicada: fechar nas duas primeiras posições o grupo C da qualificação para o Campeonato da Europa de 2024, onde estavam também Inglaterra e Itália.

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Na primeira jornada, a Ucrânia ficou de fora por ser um grupo ímpar mas teve oportunidade de ver um dos encontros mais aguardados desta ronda inaugural do apuramento, com a Inglaterra a ganhar fora à Itália numa reedição da final do último Europeu decidido em Wembley nas grandes penalidades para o lado dos transalpinos. Agora, era no principal palco do futebol inglês que tentava contrariar a lógica e surpreender o conjunto de Gareth Southgate com um elemento em plano de destaque, Harry Kane, avançado do Tottenham que se tornou o melhor marcador de sempre da seleção dos Três Leões antes de cumprir 30 anos.

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“Há milhões de ucranianos que estão à espera de uma vitória. Peço desculpa aos adeptos ingleses mas precisamos mais desta vitória do que eles. O futebol é uma religião que une a Ucrânia. É difícil para as pessoas na Europa perceberem isso, mas, mesmo durante a guerra, soldados, médicos e voluntários querem sentir o sabor de uma vida pacífica. Este jogo contra Inglaterra é uma das poucas oportunidades para mudar da guerra para o desporto, durante, pelo menos, duas horas. Espero uma vitória, claro. Que outra opinião pode haver? Os soldados nas trincheiras esperam uma vitória. E os seus filhos, pais ou irmãos também. Todo o país sonha com uma vitória em Wembley. Os nossos jogadores passam mais tempo a esconder-se dos mísseis do que a treinar, as sessões estão sempre a ser interrompidas, na Ucrânia. Todos os dias, o inimigo destrói infraestruturas, dispara mísseis contra nós e mata pessoas. Isto entra no nosso cérebro, na alma e não desaparece rapidamente”, destacou Igor Belanov, primeiro Bola de Ouro ucraniano nos anos 80, à BBC.

“Estou grato pelo apoio demonstrado por todo o Reino Unido e dos jogadores do país durante um ano de pesadelo para o meu país. Agradeço a ajuda e o apoio a todos nós, ucranianos, ao nosso país e povo e a todos os refugiados que vivem aqui. Sabem o que sinto por este país, mas, infelizmente não há amigos em campo. Se o Saka me passou alguma coisa? Ainda não me deu a equipa titular mas vou forçar o máximo que puder”, comentou Zinchenko, esquerdino que trocou este verão o Manchester City pelo Arsenal, falando do encontro com alguns companheiros de equipa. “Estou muito agradecido a todos os que têm ajudado a Ucrânia. Significa muito para mim. Os meus pais ainda estão lá e todos os dias ligo para saber como estão, qual é a situação”, acrescentou Mykhailo Mudryk, que chegou em janeiro ao Chelsea, em entrevista à Sky Sports.

Em jogo, repetiu-se mesmo o adágio do “amigos, amigos, negócios à parte”. Num estádio de Wembley a prestar no seu tudo uma enorme homenagem ao conjunto ucraniano, que voltou a contar com milhares de adeptos nas bancadas, o conjunto do interino Ruslan Rotan (que está a fazer a transição entre Alexandr Petrakov e Sergei Rebrov, que vai assumir a seleção em junho) ainda conseguiu ir equilibrando o jogo com saídas rápidas a procurar Mudryk que ainda entusiasmaram os visitantes mas tudo ruiu em menos de quatro minutos: Harry Kane, que foi alvo de uma homenagem antes do início do encontro, inaugurou o marcador com o 55.º golo pelos ingleses após assistência de Saka (37′) e o mesmo Saka aumentou pouco depois a vantagem com um grande golo de fora da área que não deu hipóteses a Turbin (40′).

O segundo tempo ainda teve várias oportunidades sem com os ingleses por cima mas a história da partida já estava escrita, sendo que a história do jogo foi escrita por muito mais do que um mero jogo de futebol. E entre as muitas homenagens que se foram vendo nas bancadas, sobretudo naquelas onde se concentravam os adeptos ucranianos, até F-16 foram pedidos em cartazes a Rishi Sunak, primeiro-ministro de Inglaterra.