Morreu uma das grandes figuras do jazz português. José Duarte, (“Jazzé”, como se autointitulava), um dos maiores divulgadores de jazz do país, tinha 84 anos, avançou a Antena 1.

Com uma carreira de mais de seis décadas ao serviço da música, era há várias décadas autor da rubrica radiofónica “Cinco minutos de Jazz”. Em 1958, foi um dos confundadores do Clube Universitário de Jazz, criado em período de ditadura como alternativa ao Hot Clube de Portugal, e que veio a ser encerrado pelas autoridades três anos depois, em 1961.

Morreu o divulgador de Jazz José Duarte. Tinha 84 anos

José Duarte tem a distinção de ser responsável pelo programa mais antigo da rádio portuguesa. “Cinco Minutos de Jazz”, no ar pela primeira vez em 1966, passou pela Rádio Renascença, Rádio Comercial, e era desde 1993 transmitido pela Antena 1. Em 2014, foi galardoado com o Prémio Autores da SPA para Melhor Programa de Rádio.

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Mas nem só de rádio se fez a carreira de “Jazzé”. Passou pela televisão, na RTP2, onde apresentou o programa “Outras Músicas” no início da década de 1990, e “Jazz a Preto e Branco” em 2001. Deu palestras e sessões públicas, e em anos recentes utilizou a internet no seu trabalho de divulgação. Também na escrita deixou marca, com numerosos textos publicados na imprensa e vários livros editados, entre os quais João na Terra do Jaze (1981), Jazzé e Outras Músicas (1994) e Cinco Minutos de Jazz (2000).

Foi ainda responsável pela gravação do primeiro LP de jazz gravado ao vivo e editado em Portugal com músicos estrangeiros: “Estilhaços” (1972), concerto do Steve Lacy Quintet, gravado no antigo Cine-teatro Monumental, por ocasião do 6º aniversário do “Cinco Minutos de Jazz”.

O “guerreiro do jazz” que gostava de Roberto Carlos

Em nota de pesar no site de Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou o radialista, que foi agraciado em vida com a Medalha de Mérito Cultural e o grau de Grande-Oficial da Ordem do Mérito como alguém que era “sinónimo de jazz”, e que “marcou decisivamente a receção portuguesa das ‘outras músicas’”.

“O desaparecimento de José Duarte deixa a Cultura de luto”. Na reação à morte do divulgador musical, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, fez questão de salientar a importância de “Jazzé” para o jazz português. “É responsável pelo amor ao jazz de várias gerações, tendo sido um verdadeiro impulsionador da democratização do acesso a este género musical entre nós. Esta capacidade de partilhar conhecimento, fomentar o gosto e formar públicos será sempre será sempre uma das mais nobres missões de quem trabalha em Cultura”, pode ler-se na mensagem do ministro, partilhada nas redes sociais.

Também através da sua página de Twitter, a EGEAC lamentou a perda de “uma referência incontornável na divulgação do Jazz em Portugal”.

Também o Bloco de Esquerda prestou homenagem a José Duarte. A coordenadora do partido, Catarina Martins recordou o divulgador, recuperando uma frase lapidar da sua autoria: “O jazz é tão universal que é impossível aprisioná-lo”.

Ao Observador, Filipe Melo destacou a importância de José Duarte para as várias gerações do jazz português, atestada pela relação de confiança que os dois mantiveram. “[Foi] uma pessoa que confiou em mim e que, de alguma maneira, teve um papel importante para todos os músicos, porque divulgou o jazz, que já por si não tem assim tantos ouvintes”.

Realçando o “caminho construído” na implantação e divulgação do jazz num período de ditadura — caminho trilhado como poucos por “Jazzé” — o músico, realizador e autor sublinhou que “as novas gerações lhe devem isso, esse facto de ele ter sido uma espécie de ‘guerreiro do jazz’”, porque vivíamos durante uma ditadura e, normalmente o jazz é sinal de liberdade”.

Essa afirmação política através da música, que lhe era bem conhecida (como revelam as relações que manteve com figuras com Zeca Afonso e José Mário Branco), também foi lembrada pelo músico Filipe Raposo. “Houve muitos músicos que viajaram até Portugal, mesmo na altura da ditadura e que traziam também uma mensagem de liberdade, não explícita mas implícita no género. Há, sim, uma associação direta entre aquilo que era politicamente a falta de liberdades fundamentais em que vivíamos, e o jazz enquanto elemento musical que anunciava essa liberdade“.

José Duarte “era um grande divulgador de Jazz”

À Rádio Observador, o presidente do Hot Clube de Portugal, Pedro Moreira, lembrou a ligação de “Jazzé” ao histórico clube de jazz. “A maioria das vezes que tive oportunidade de conversar e conviver com o José Duarte foi no Hot Clube, que é o sítio onde nos encontramos: músicos, divulgadores, público, amigos. (…) Não é o único, mas é um dos mais importantes espaços do nosso país onde as pessoas se reunem à volta deste estilo de música que nos apaixona”.

José Duarte. “A voz que me fez escutar músicos que não conhecia”

O diretor da Antena 1, Nuno Galopim, lembrou José Duarte como “a voz que me fez escutar nomes que não conhecia”, e alguém que “deu a conhecer os vastíssimos universos do Jazz” a ouvintes e músicos de várias gerações. Também à Rádio Observador, António Macedo lembrou José Duarte pelos seus contributos ao jazz, descrevendo o divulgador como uma influência decisiva . “Aprendi a ouvir jazz com o Luís Villas-Boas, mas aprendi a gostar de jazz com o José Duarte que, nesse sentido, foi meu mentor. Muita da música de jazz que segui e que gosto é graças ao facto de o José Duarte me a ter apresentado, como se eu fosse o seu irmão mais novo a quem ele estava dar um presente”.

Ainda que tenha sido no jazz que mais se destacou, António Macedo fez questão de sublinhar que a paixão de Jazzé pela música era transveral, recorrendo para isso a um exemplo muito particular. “Uma das coisas que nos dividia — nós discutíamos bastante (felizmente), mas nunca nos démos mal — era o Roberto Carlos. O Jazzé Duarte gostava do Roberto Carlos e explicava-me porque é que gostava; eu abomino o Roberto Carlos”.

A “afinação” explicou Macedo, era o “fator decisivo”. “Realmente nisso tenho que reconhecer, se há alguém que canta afinado é o Roberto Carlos”.