A primeira Comunidade Compassiva do Algarve, oficialmente lançada esta quarta-feira, pretende criar e formar uma rede de voluntários para ajudar doentes crónicos ou terminais com necessidades paliativas e respetivos cuidadores, nos concelhos de Faro, Loulé e São Brás de Alportel.
“Estar ao lado do outro, dar um pouco de si para o outro” é um dos motes para o projeto “Viver ComPaixão”, que resulta de uma candidatura vencedora do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) e da Delegação de Faro-Loulé da Cruz Vermelha Portuguesa ao concurso “Portugal Compassivo — Laços Que Cuidam”, promovido pela Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos e pela Fundação “la Caixa”.
“A compaixão é, realmente, perceber que podemos fazer algo de simples para o outro, para quem está ao nosso lado. E que podemos ajudar a que as pessoas vivam melhor. Pessoas com doenças graves, que estão no final da vida. Colaboramos para que essa vida seja vivida bem até ao último instante”, explicou Giovanni Cerullo, coordenador da equipa de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), à margem da sessão de apresentação oficial da primeira Comunidade Compassiva do Algarve, realizada em Faro.
Tratando de pessoas com doenças graves e progressivas, associadas a grande sofrimento físico, psicológico e espiritual e com maior dependência, os profissionais de saúde do CHUA observam muitos doentes que vão às consultas “sozinhos, que não tinham ninguém”, ou doentes com cuidadores que têm “uma grande sobrecarga”, apontou o médico.
A ideia para o projeto, que segue outros semelhantes já existentes a nível nacional, surgiu dessas “necessidades do dia a dia”, porque a sociedade civil tem um “dever” e “pode fazer a diferença” e também porque muitas pessoas se questionam como podem ajudar.
“Muitas pessoas dizem que gostavam de ajudar um colega, ou um vizinho que sabem que está doente. Mas, não sabem como e também não têm formação. É por isso que a comunidade compassiva surge: para formar as pessoas, para poder realmente ser uma comunidade e estar ao pé das pessoas que mais precisam”, apontou Giovanni Cerullo.
Depois de criada a bolsa de voluntários, seguir-se-á uma fase de formação e capacitação de 80 horas, de como “prestar ajuda no autocuidado, quer seja da pessoa doente, do seu cuidador formal ou informal ou da pessoa significativa, do familiar”, disse Vítor Alua, coordenador da comunidade compassiva.
“É uma formação no âmbito de um modelo de relação de ajuda centrado na pessoa, permitindo um acompanhamento através da escuta ativa e da presença, da gestão de silêncios e da dedicação ativa centrada na pessoa, mas também com formação sobre o que são estes contextos complexos [de cuidados paliativos], as necessidades mais importantes das pessoas nestas situações”, frisou o também coordenador da área de formação e projetos da Delegação de Faro-Loulé da Cruz Vermelha Portuguesa.
O objetivo é que os voluntários “estejam no terreno de uma forma profissional, ou seja, com ‘briefings’, com acompanhamento, com formação ao longo do ano, com intervisão e com grupos de ajuda mútua”.
Os voluntários poderão acompanhar utentes às consultas e ajudar a gerir ou comprar medicação, mas também colaborar com cuidadores ou familiares, que muitas vezes estão “24 sobre 24 horas com uma pessoa dependente fisicamente”, aliviando o seu grau de exaustão.
“O voluntário poderá estar em casa do doente, simplesmente a ler um livro, a conversar ou estar lá duas ou três horas, permitindo que o familiar ou cuidador possa sair e fazer algo que para nós é tão simples, como fazer compras ou dedicar um pouco de tempo a si mesmo”, referiu Giovanni Cerullo.
Este processo “ajuda imenso” o trabalho dos profissionais de saúde, que se poderão concentrar mais “nas necessidades físicas, sintomas ou na parte psicológica do doente”, acrescentou.
Outras duas componentes da comunidade compassiva passam pela sensibilização, comunicação e divulgação e pela criação de um grupo de ‘advocacy’ (advogar em favor de uma causa) com as quase três dezenas de parceiros públicos e privados do projeto, permitindo criar mais sinergias e competências.
“Esperemos que seja a primeira [comunidade compassiva] de muitas outras [no Algarve]. A nível nacional já temos várias, o Algarve ainda não tinha. Estamos cá para impulsionar a criação dessa comunidade”, sustentou Giovanni Cerullo.
Segundo os números divulgados na sessão de apresentação por Hugo Lucas, membro da direção da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, entre 10 a 13 em cada 100 pessoas “irão morrer de forma súbita ou traumática”, mas as restantes morrerão “de doença crónica, progressiva e incurável”, com necessidades paliativas.
“E, portanto, precisamos de alguém que cuide de nós, a montante e no momento da nossa morte. Isto implica falar sobre a morte, sobre a perda, sobre o processo de luto e encontrar respostas para o sofrimento”, frisou.